Diversidade: 19ª Parada LGBTQIA+ da Bahia coloriu a internet; saiba como foi

Com transmissão ao vivo do CORREIO e Me Salte, evento teve debate e fechação

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 7 de dezembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

O natural seria aquela concentração gostosa entre o Campo Grande e os bairros do Garcia, Canela e Vitória, todos preenchidos pelas cores do arco-íris nos momentos que antecedem da largada oficial. Em 2020, porém, a 19ª Parada LGBTQIA+ da Bahia, por conta da pandemia de covid-19, não teve como colorir as ruas da cidade. Dessa vez, o evento foi online, no sábado, 05, mas nem por isso deixou de aquecer e emocionar os participantes com histórias e trajetórias de superação na luta por dignidade e respeito. 

Transmitida virtualmente pelas redes sociais do CORREIO e do Me Salte, com a participação intensa do público conectado no Instagram, Facebook e Youtube dos dois veículos, a Parada também não abriu mão da sua alegria característica. Além de debates sobre temas sérios, teve performances artísticas e muita fechação.

Na abertura do evento, Luiz Mott, um dos fundadores do Grupo Gay da Bahia (GGB) e decano da luta pelos direitos das pessoas LGBTQIA+ no Brasil, afirmou: "A Bahia não tem de rimar com homofobia. A Bahia rima com alegria, cidadania". Matheuzza pintou um arco-íris no corpo em performance no Campo Grande, local onde a Parada começa o desfile tradicionalmente (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Mantendo um pé na tradição, a atriz Matheuzza elegeu o Campo Grande como cenário para a performance ‘Pintar’, uma das atrações artísticas exibidas intercaladas com as discussões. Com o mote de que a Parada começa nos corpos das pessoas LGBTQIA+, ela se transformou em uma bandeira do arco-íris em praça pública. 

O body branco que usava foi tingido durante a performance, que aconteceu em frente ao Teatro Castro Alves. Por fim, Matheuzza colocou várias máscaras no rosto e fez selfies. O vídeo continuou com manchetes sobre assassinatos de pessoas trans e trouxe a mensagem: ‘Pinte seu corpo de ação’.

O rapper Hiran, outra das atrações do evento, gravou sua participação no multiespaço Nalaje, em Camaçari. A apresentação, uma das mais comentadas pelos internautas que assistiam à Parada digital na noite de sábado, aconteceu logo depois da primeira conversa da noite: ‘Bichas Pretas’, que teve a participação de Alan Costa, produtor cultural e artístico e idealizador do Coletivo Afrobapho. Hiran gravou sua participação no evento direto de Camaçari (Foto: Divulgação) Alan afirmou que a imagem da bicha preta afeminada é um contraponto ao estereótipo cisgênero e heterossexual brasileiro: "as pessoas passam a pensar que dentro delas mesmas pode existir um resquício de feminilidade. Nessa sociedade misógina, o feminino é muito odiado", afirmou.

O outro debatedor do tema foi o diretor de criação da Preta Agência de Comunicação, Ismael Carvalho. Segundo ele, uma bicha preta sofre dentro de dois recortes: o do homem negro e o do gay. E esse sofrimento acontece inclusive dentro dos próprios movimentos sociais."A comunidade [LGBTQIA+] não está tão aliada às pessoas pretas, enquanto o movimento negro não lida com as questões de sermos bichas pretas, então é importante levantar essas questões dos dois lados", disse Ismael. Conversa entre Alan e Ismal foi medida pelo jornalista Jorge Gauthier, curador da Parada de 2020 e editor do Me Salte (Foto: Reprodução) Flores e cores

Malayka SN, toda florida para a sua intervenção artística, interpretou a música ‘Feeling Good’, de Nina Simone, com muita potência. A letra cantada pela norte-americana é forte: ‘um novo amanhecer, um novo dia, uma nova vida para e mim e me sinto bem. E nada resume tão bem toda essa luta como a busca por bem-estar. Direito a se sentir bem, estar bem, em paz’.

Quem também apareceu na live da Parada foi a cantora Daniela Mercury. Conhecida por seus figurinos bafônicos no Carnaval, dessa vez ela chegou bem simples, de cara limpa e com um moletom escrito ‘I Will Survive’ - canção de Glória Gaynor que é considerada o hino da causa LGBTQIA+. À capela, Daniela cantou um trecho de ‘Proibido o Carnaval’.

Racismo e lesbofobia

Racismo, lesbofobia, lesbocídio, afetividade lésbica e interseccionalidades de preconceitos foram as pautas do papo ‘Mulheres Lésbicas’. O Dossiê do Lesbocídio no Brasil apontou que houve aumento de 237% nos homicídios de mulheres lésbicas no país, sendo que 89% desse total se referem às mulheres lésbicas e negras.

Convidada para discutir o tema, Janda Mawusí afirmou que esses números são significativos e que é necessário abrir espaço para falar sobre esses temas nos ambientes educacionais e profissionais, na infância e juventude, porque a ausência desse tipo de discussão coloca mulheres negras expostas à morte. Janda e Bruna falaram sobre lesbofobia, lesbocídio de mulheres negras e masculinização (Foto: Reprodução) Durante a adolescência, Janda, que é pesquisadora do Nucus/Ufba, sonhava em ser jogadora profissional e contou que um de seus treinadores a convidava para sair com muita frequência. Hoje, adulta, entende que foi uma agressão cometida contra a sua sexualidade. Aquele homem queria que ela cedesse o seu corpo para que ela continuasse no esporte."A sociedade nos impõe um distanciamento e isolamento muito grande e não é somente dentro do esporte. Eu não tinha com quem falar sobre aquilo, que me incomodava”, contou durante a liveTatuadora, artista e pesquisadora integrante do grupo Rasuras, na Ufba, Bruna Bastos foi a outra convidada, que começou discutindo sobre o termo "masculinizada". De acordo com Bruna, ela prefere ser chamada de sapatona ou de caminhoneira, pois o termo envolvendo masculinidade a incomoda.

"A gente continua sempre se medindo com o homem. Eu não sou uma lésbica masculinizada, eu sou uma lésbica que não segue a feminilidade padrão. As pessoas resumem nossos corpos a um estereótipo aliado a essa estética, que é uma estética sapatão, mas que negam", disse. 

A cantora Doralyce foi a artista que apareceu durante o debate, cantando Miss Beleza Universal: "não basta ser mulher, tem que tá dentro do padrão", cantou.

Forte emoção

Quem já desfilou ao vivo na Parada LGBTQIA+ sabe que o coração acelera aos poucos, quanto mais perto da Praça Castro Alves, o clímax do desfile, mais rápidas ficam as batidas. E foi mais ou menos esse sentimento que a última mesa da noite passou à audiência.

O debate foi sobre o mercado de trabalho para pessoas transgênero e foi carregada de histórias fortes, contadas pela vereadora Érika Hilton (Psol), mulher mais bem votada nas eleições de 2020, quando foi vencedora de uma cadeira na Câmara de São Paulo. "Reatar com a família foi fundamental para que eu tivesse oportunidade de romper os espaços de marginalização de meu corpo. Voltei para os estudos, que tinha abandonado no ensino médio, comecei a me compreender como alguém que não merecia estar numa condição desumanizadora", afirmou Érika Inaê Leoni e Érika Hilton discutiram o mercado de trabalho para as mulheres trans (Foto: Reprodução) A vereadora disse ainda que estar nesse lugar da política institucional é mostrar para a sociedade que travestis negras podem e vão existir para além das esquinas de prostituição, encarceramento, manchetes policiais e estatísticas de morte.

Quem também participou da mesa foi a professora Inaê Leoni, mulher trans que iniciou o seu processo de transição após ser aprovada em concurso público para lecionar no Fundamental I. Emocionada, lembrou que sofreu muito no trabalho e que sua transição foi espetacularizada na escola. "Tudo que acontecia com meu corpo era muito grandioso, esperado e criticado", afirmou.

As situações foram diversas e com alunas, alunos e colegas. Por exemplo, uma aluna a perguntou se ela era uma mulher e ela afirmou que sim. A resposta da criança foi, "com essa sobrancelha, não". Houve ainda outra criança que perguntou o 'porque das pessoas trans não serem normais'. "Ao mesmo tempo que é um lugar de orgulho por furar uma brecha, tudo isso me deixa preocupada com meu contexto, por andar na cidade que leciono. São corpos que são vistos como forasteiros, meu corpo é visto como um corpo alienígena", disse Inaê.O cantor Seu Vérciah, em uma intervenção, mandou sua mensagem: "Nós, enquanto grupo discriminado pela sociedade, precisamos nos conscientizar que existem pessoas negras, que são as pessoas que sofrem mais opressão. Nós, negros, sofremos mais homofobia, lesbofobia e bifobia do que pessoas brancas LGBTQIA+", disse.

Também atração da live, a cantara Josyara deu um bom recado no encerramento da celebração: “cresça, procure um abrigo e quando a tristeza cantar, desobeça a dor”. A transmissão foi encerrada com um símbolo da luta contra o racismo e a lgbtqia+fobia no país: com a performer Bagageryer Spielberg interpretando ‘Where Do I Begin’, de Shirley Bassey.

No final da primeira Parada em formato digital, o presidente do GGB, Marcelo Cerqueira, agradeceu ao público, ativistas e artistas pela presença nas redes sociais e convocou todo mundo para se encontrar no Campo Grande, na Parada de 2021: “No próximo ano, a gente espera, com fé em Deus, estaremos no Campo Grande para celebrar a diversidade. Se tiver barreiras, a gente pula, porque nós somos negros. Gays e pretos, lésbicas e pretas, travestis e pretas, cidadãs”, enfatizou.

Durante às 2h20min que ficou no ar, nas redes sociais do Correio e Me Salte, a Parada LGBTQIA+ de 2020 teve 7,3 mil visualizações. Até às 18h deste domingo, 06, o programa somou 14,8 mil visualizações no Instagram, Facebook e Youtube do jornal e do blog.

O projeto Diversidade tem realização do GGB, produção Maré e parceria e criação de conteúdo Correio/Me Salte e Movida; e patrocínio do Grupo Big e Goethe Institut.