Diversidade sem repressão no Afoxé Filhos de Gandhy

Gays e bissexuais que saem no bloco contam que se sentem bem acolhidos no Tapete Branco

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 26 de fevereiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Vinícius Nascimento/CORREIO

Escrever este texto foi um grande desafio porque apurar sobre causas LGBTQI+  em um bloco tão tradicional não é das coisas mais fáceis. Imagine você estar sozinho na corda de um bloco gigantesco, precisando contar o que rolou no desfile, gravar vídeos, anotar nomes e pegar contatos, tudo isso andando no meio da multidão, com a necessidade óbvia de ficar esperto para não perder o celular com todas as informações para fechar a matéria. É pau viola.

Além disso, sou uma pessoa tímida. Consigo me transformar pelos ossos do ofício, mas se tem uma coisa que eu odeio é abordar pessoas que não conheço na rua. Para esse texto, ainda precisei torcer para a pessoa não me levar a mal. Imagina o caos que seria no meio da avenida se eu abordo um cara machista e pergunto se ele é gay ou bi? “Tá me achando com cara de viado, porra?!”. Era murro na cara certo.

Por sorte, meu ‘gaydar’, está afinado e na minha primeira abordagem dei a sorte de encontrar o gentil Fábio Souza. Paulistano de nascença e radicado na Bahia há 12 anos, ele desfilou de filho de Gandhy pela primeira em 2020.

Fábio tinha receio de sair no Gandhy e se sentir um peixe fora d'água. Um bloco tão tradicional, formado exclusivamente por homens, conhecido pela pegação... isso não tinha cara de ser uma boa ideia - mesmo que ele já tenha perdido as contas de quantos Filhos de Gandhy beijou em outros carnavais.

"Só fiquei com Gandhy naquela pegada de final de Circuito. Então poderia ser muito bem uma bicha encubada que se soltou no meio da baixaria do carnaval. Mas sempre admirei o bloco, a mensagem de paz que ele transmite e por isso encarei meus receios. Até aqui não me arrependo", contou.Prevendo que teria dificuldades em abordar pessoas na Avenida, perguntei no Twitter se alguém conhecia filhas ou filhos de Gandhy LGBTQI+ e foi assim que cheguei até Tatiana e Gabriel Hipólito, seu filho de 8 anos. Desde o ano passado, Tatiana leva seu pequeno para o Gandhynho - o bloco infantil do Afoxé que desfilou  no Circuito Batatinha.

Bissexual, ela aponta que o clima no Gandhynho foi tranquilo. No entanto, avalia que o Gandhy tem um ambiente heteronormativo e tem dúvidas se o pai do filho dela, também LGBTQI+, se sentiria à vontade para desfilar. Tatiana Hipólito e sua ex-companheira, Mariane Oliveira, levaram o pequeno Gabriel para o seu segundo ano de Gandhynho. Ele adorou curtir a folia no Circuito Batatinha e elas também se divertiram no embalo do pequeno (Foto: Acervo Pessoal) Especialista em Gandhy, o folião Leandro França dedicou 18 dos seus 25 anos de vida ao bloco. Ele afirma que nunca teve problemas para curtir o carnaval no bloco, que na sua opinião faz jus à mensagem de paz e diversidade que o Afoxé prega. Na verdade, para Leandro, os filhos de Gandhy são o ápice no respeito à diversidade dentro do carnaval."É sempre muito tranquilo. Aqui mesmo, ó, tudo viado", apontou aos risos enquanto dançava dentro do bloco na altura do Farol da Barra.Durante a apuração da matéria, consegui perceber que havia muito mais LGBTQI+ no circuito Barra-Ondina do que no Centro Histórico. Tanto que me senti muito mais à vontade para abordar as pessoas e checar se eram ou não do famoso Vale do Arco-Íris. Depois da saída do bloco, vi muitos filhos de Gandhy saindo das cordas do afoxé e indo em direção às concentrações do Coruja, de Ivete, e do Crocodilo, de Daniela Mercury – dois blocos formados por um público destacadamente gay. Leandro França sai com o Gandhy há 18 anos (Foto: Vinícius Nascimento/CORREIO) O casal William Justo e Henrique Santos desfilou no bloco domingo e segunda. Juntos há nove anos, eles saem no Gandhy há três carnavais. O bichinho do afoxé mordeu o casal durante um ensaio que aconteceu no Pelourinho. “Ficou aquele gosto de quero mais, aí decidimos sair no bloco. Essa mensagem de paz, de harmonia, é muito bonita. Muito rapidamente o bloco se tornou uma parte inseparável de nosso Carnaval”, contam.

E afirmam que nunca precisaram se reprimir, curtindo com tranquilidade, dançando, conversando, encontrando amigos e fazendo outros. Tudo que está dentro do roteiro do esperado. “Uma ala LGBT propriamente dita como tem na Didá a gente não tem ainda, mas acredito que o Gandhy é um bloco da diversidade. Já foi dessa forma [heteronormativa] um dia mas hoje não”, avaliou William.“Uma ala LGBT propriamente dita como tem na Didá a gente não tem ainda aqui no Gandhy, mas acredito que o Gandhy é um bloco da diversidade. Já foi dessa forma [heteronormativa] um dia mas hoje não”, avaliou William. Da esquerda para a direita: William, Henrique e eu na concentração do Gandhy na Barra (Foto: Arquivo Pessoal) Diretor do bloco, Jânio de Carvalho defende que a essência dos filhos de Gandhy coíbe qualquer opressão. Ele desfila no bloco septuagenário há 25 anos e diz que a maioria do tapete branco sai no bloco para se divertir e levar uma mensagem de respeito e paz no carnaval.“O afoxé filhos de Gandhy tem um público gay muito grande. É um afoxé que não tem preconceito em relação aos homossexuais que desfilam no carnaval. Não existe esse preconceito. Comigo nunca aconteceu, sou diretor do bloco, conheço vários gays que desfilam e nunca ouvi falar em caso de discriminação”, contou.Quem tirou proveito da Ala Gay dos Filhos de Gandhy foi o carioca Alan Macedo, que curtiu o carnaval de Salvador pela primeira vez e em cerca de 300m de caminhada lucrou dois colares do Gandhy. Um na amizade, e o outro à moda de Ivete Sangalo: na base do beijo. Ajayô!

*com supervisão da editora Ana Cristina Pereira

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