Doa-se alegria: conheça baianos que se dedicam a fazer o bem

Ações voluntárias em Salvador mobilizam gente de todas as idades em diversas áreas

Publicado em 29 de março de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Quatro peruas, ou melhor, primas se reúnem todo mês para uma visita muito especial. Glaucia, Manuela, Mônica e Patrícia, as Peruas do Bem - como se batizaram -, fazem a alegria das cerca de 30 mulheres do Lar Esperança dos Idosos, no Bonfim, há mais de 1 ano. Na hora do lanche no asilo, aos sábados, levam música, mágica, brincadeiras e, sobretudo, carinho e atenção a quem precisa tanto de companhia.

Quatro vezes por ano, as Peruas do Bem também fazem campanhas de arrecadação de alimentos. A jornalista Glaucia Farias, 37 anos, explica que a escolha pelo asilo foi a partir da identificação entre o grupo – de mulheres – e as atendidas do Lar, também só de mulheres. O que norteia as meninas é: “Seja a mulher que conserta a coroa de outra mulher, sem dizer ao mundo que estava torta”.

CLIQUE AQUI E CONFIRA ESPECIAL 'FELIZ-CIDADE' SOBRE OS 470 ANOS DE SALVADOR 

Glaucia diz, emocionada, que não é fácil, mas a recompensa é enorme. “A minha rotina é puxada. Tenho mil compromissos, mas paro aquele momento, porque vale a pena. A gente sai de lá diferente, e o reconhecimento delas é muito bom”.

As idosas gostam de contar histórias sobre o passado e até as mais tímidas se soltam durante as 4 horas que cada visita costuma durar. A enfermeira Mônica Angélica Farias, 37, foi quem teve a ideia, aceita pelas primas Manuela Regina Vaz, 35, que é jornalista e pedagoga, e Patrícia Veloso, 38, também pedagoga, além de Glaucia e Rafaela Brinco, 35, administradora que já fez parte do grupo. Patrícia (de pé), Manuela (à esq.), Mônica, Glaucia e Rafaela (abaixo): as Peruas do Bem em dia de campanha (Foto: Acervo pessoal) “Acho que a gente tem que fazer alguma coisa a mais na vida, deixar uma coisa boa”, afirma Glaucia.Estima-se que 14 milhões de jovens e 10 milhões de adultos querem ser voluntários em todo o Brasil, mas apenas 7% dos jovens, por exemplo, atuam na área, de acordo com o grupo Seja Um Voluntário.

Nem todos são mulheres, claro. O operador petroquímico Luciano Sampaio de Meireles, 45, o Lugão, é responsável pelas ações sociais do Abutres Motoclube Mundial (Bahia -Leste). Ele já tem cerca de 200 ovos de Páscoa garantidos para distribuição em uma escola de Jauá, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). O grupo atua também na própria capital, além de Feira de Santana e outras cidades do interior baiano.

A rotina também é puxada. "Saio da fábrica e vou organizar os eventos, às vezes, até tarde da noite, mas o importante é ajudar o próximo".

Bem-estar O sorriso é a marca do trio Sandra Regina Oliveira de Moraes, 51, Valéria Amorim, 54, e Zilma Rocha, 60, ligadas à Associação Viva e Deixe Viver. Frequentemente, elas estão pelos corredores da pediatria do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), carregadas de livros infanto-juvenis. As três contadoras de história se lembram, carinhosamente, das crianças e adultos que, um dia, fizeram sorrir. Sempre sorrindo, Sandra, Valéria e Zilma levam muitas histórias para o Roberto Santos (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) A neuropsicopedagoga Valéria não se esquece de Emília, que sofria de problemas nos rins. Desconfiadíssima no começo, a pequena de 4 anos só se soltou depois de três dias consecutivos de visita e com a ajuda de Dengo, fantoche de Valéria. “Contei para ela a história Até as Princesas Soltam Pum, e ela me pediu que contasse de novo. Perguntou por Dengo e se eu viria no dia seguinte. No sexto dia em que vim vê-la, ela faleceu”, recorda Valéria.

Apesar de triste, a lembrança faz a profissional ter certeza de que o voluntariado é importante.“A história desloca a criança, tira ela da realidade hospitalar e traz para onde a gente quer”, diz ela.Na semana passada, Adriel Silva Macedo, 5 anos, estava doido para ir para casa, em Itaberaba, no Nordeste do estado. Em tratamento de varizes no esôfago, ele conseguiu alta após nove dias de internação, não sem antes ouvir histórias. “Ele adora ficar aqui (na brinquedoteca do hospital). Amanhece o dia, e ele corre pra cá. Às vezes, eu levo uma historinha para ler no quarto”, falou a mãe Alessandra Nascimento Silva, 32 anos. Enquanto Valéria contava A Vaca que Botou um Ovo, Adriel até de pé ficou, entusiasmado. O pequeno Adriel (de amarelo) interage ao ouvir uma história na brinquedoteca do hospital (Foto: Almiro Lopes) Para quem não pode sair dos leitos, as histórias vão até eles, levadas pelas mãos de Valéria, Sandra e Zilma. “A gente precisa dessa descontração”, disse o professor Jonilson dos Santos Melo, 36, que acompanhava João Marcos Teixeira, 10, recém-operado de apendicite e ambos moradores de Itaitê, na Chapada Diamantina.

No São João do ano passado, as três voluntárias levaram muita música típica, despertando a atenção até dos adultos. “Uma acompanhante nos chamou, porque a mãe dela tinha ouvido nossa música. Mesmo acamada, cega e com as duas pernas amputadas, a senhora se sentou e dançou, balançando os braços. Disse que a gente fez ela voltar ao tempo de criança”, afirma Sandra, que é técnica de saúde bucal e trabalha no próprio Roberto Santos.

De 15 em 15 dias, ela veste o jaleco da alegria, emprestado pela Associação, que dá cursos de contação de histórias e ainda algumas orientações como higienizar as mãos, usar sapatos fechados e evitar que os pacientes compartilhem livros, o que pode levar a algum tipo de contágio.

“O jaleco nos define. Usá-lo é compromisso, constância e consciência”, explica a assistente social aposentada Claudia Guimarães, que administra o grupo e, junto com outros dois parceiros, é responsável por formar voluntários para fomentar a educação e a cultura na saúde através da leitura e do brincar.

Há quatro anos no grupo, Zilma até chora ao falar de como se sente fazendo o trabalho voluntário:“Eu amo! Sinto necessidade de estar aqui. Volto para casa feliz”, afirma ela, que também é voluntária como contadora de histórias no Hospital Aliança e como doula na maternidade José Maria de Magalhães.A Breno Pereira da Silva, 11 anos, internado no Roberto Santos, ela contou a historinha “Qual é a cor do amor?” Ao final, Breno respondeu: “De todas as cores”. Tamanhos, formas, vontades... A mãe de Breno, a dona de casa Sônia Pereira da Silva, 40, confirma: “Esse trabalho é maravilhoso, ajuda bastante e alegra a gente. Eu amo!”. A enfermeira Luciana Orrico, amiga das Peruas do Bem, se apresenta no Lar Esperança dos Idosos (Foto: Acervo pessoal O CORREIO já listou 10 instituições e entidades sociais que precisam de voluntários em diversas áreas. Confira!

Aulas para quem não pode ir à escola

Levar o ensino a quem está hospitalizado. O embrião do que é hoje uma escola municipal foi uma ONG, o Instituto Criança Viva, que firmou, a partir de 2001, uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Salvador.

Hoje, 39 professores municipais atendem pacientes de 11 hospitais da cidade, quatro clínicas, três casas de apoio, duas unidades da Casa Lar e de 20 domicílios. Mensalmente, de 800 a 900 crianças e adultos, de 4 a 60 anos, têm aulas e, com isso, o direito à educação fica garantido, apesar da impossibilidade de o aluno ir até uma escola.

Na sede da Escola Municipal Hospitalar e Domiciliar Irmã Dulce, em Amaralina, funciona a parte administrativa e é onde ocorrem o planejamento e as reuniões pedagógicas. Mas a rotina de todos é dinâmica, dentro e fora do espaço escolar.

A vice-diretora da escola, Leyliane de Paula Vidal, frisa que o foco não é assistencial, voluntário ou terapêutico. O trabalho é desenvolvido para garantir o direito à escolarização desses alunos, previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

Na rede estadual, tudo começou com o programa Sarado. Hoje, são 42 professores e 2.993 alunos que têm a chance de continuar os estudos, como explica a coordenadora das Classes Hospitalares e Domiciliares, Veruska Poltronieri, fundadora do Instituto Criança Viva.

A ação foi lançada oficialmente em abril de 2018, mas iniciada em 2017, com aulas em domicílio. Na época, a Secretaria Estadual de Educação (SEC) foi procurada pela Defensoria Pública da Bahia para atender um aluno com epidermólise bolhosa. "Ele nem se levantava. Depois das aulas, vinha até receber a professora na porta. Fizemos festa de aniversário para ele e foi uma alegria muito grande", disse Patrícia Silva de Jesus, que ajudou na escolha do nome do programa e, hoje, está em outra área da pasta - a de Educação Especial.

"Vimos o poder do afeto e da educação. Fizemos planejamentos, para justamente não brincar de ser professor na casa do aluno paciente", complementa ela. Hoje, o estudante tem 15 anos e quer fazer vestibular para Medicina.