Dois PMs são afastados após empresário ser morto em operação policial; veja vídeos

Empresário foi morto com tiro na nuca no bairro de Armação

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 21 de setembro de 2018 às 11:42

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

O barulho dos tiros acordou os vizinhos. Era por volta de 23h de quarta-feira (19) e o empresário Márcio Perez Santana, 41 anos, estacionava o próprio carro na porta de casa, em Armação, acompanhado de uma mulher. Cerca de um quilômetro depois, ele estava morto com um tiro na nuca. Os tiros que atingiram Márcio partiram, segundo testemunhas, de policiais em uma viatura da 58ª Companhia Independente da Policia Militar (CIPM/Cosme de Farias).

Um Inquérito Policial Militar (IPM) vai ser instaurado para apurar a situação. Segundo a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), dois policiais militares foram afastados das atividades após a morte do empresário. Imagens gravadas por testemunhas, logo após o carro parar no canteiro central, mostram ao menos seis PMs fardados levando Márcio do carro dele até uma viatura.

O CORREIO teve acesso a imagens que mostram os PMs retirando o empresário do carro, tentando reanimá-lo e levando para o posto do Marback; assista:

Por meio de nota, a SSP-BA informou que determinou, na quinta-feira (20), à tarde, que o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, apure em conjunto com a Corregedoria da Polícia Militar a morte do homem. “Vamos investigar com celeridade e esclarecer como o fato ocorreu”, afirmou o secretário da Segurança Pública, Maurício Teles Barbosa.

Mais cedo, a pasta havia dito que, “na ação, a PM foi acionada após informações de assaltos no bairro do Costa Azul, houve acompanhamento de um veículo suspeito e disparos de arma de fogo”. 

“Foram muitos tiros. Acordamos em pânico”, declarou um senhor, vizinho de Márcio, que preferiu não se identificar. Segundo testemunhas, o empresário do ramo de consultoria havia buscado a mulher que o acompanhava no Engenho Velho de Brotas e, de lá, eles seguiram para o Imbuí. Em seguida, foram para a casa do empresário, que morava na Rua Gaspar da Silva Cunha, em Armação. Quando ele manobrava o carro próximo à porta da casa onde morava, notou um veículo se aproximando com os faróis apagados. Era a viatura, que também estava com o giroflex desligado.

“Eles chegaram armados dizendo: ‘Desce, desce’. Mas acho que Márcio não viu que eles eram policiais e tentou escapar. Os caras começaram a atirar e um tiro atingiu a nuca dele”, disse uma mulher, amiga da vítima.

Mesmo baleado e sendo perseguido, Márcio ainda conseguiu dirigir o carro por alguns metros, mas acabou invadindo o canteiro central na Avenida Simon Bolívar, entre um posto de combustível BR e a Escola Municipal Luiza Mahim, em frente ao antigo Centro de Convenções da Bahia.

Ele foi socorrido pelos próprios policiais, em uma viatura, até o posto de saúde, no Marback, mas não resistiu. O carro que Márcio dirigia, um Fiat Palio branco (placa JRT-8918, de Salvador) ficou com três marcas visíveis dos disparos, todas na direção do motorista: uma no para-choque traseiro, outra próximo ao cinto de segurança traseiro e mais uma no encosto de cabeça do banco traseiro - possível resultado do projétil que atingiu Márcio na nuca.afastados.  Márcio deixa duas filhas (Foto: Reprodução) Investigação Ontem pela manhã, o carro do empresário continuava no canteiro central da Avenida Simon Bolívar. Por volta das 11h, agentes do DHPP e policiais militares da 39ª CIPM (Boca do Rio) estavam reunidos no posto de combustível, defronte onde o carro foi parar depois dos disparos.

Um detalhe que chamou a atenção dos policiais da 39ª, responsáveis pela área, foi o fato de os tiros terem partido de policiais de uma CIPM de Cosme de Farias - a base da 58ª CIPM fica a cerca de nove quilômetros de distância do local dos tiros, fora da área de cobertura.

Um dos policiais do DHPP disse que esteve no local para colher provas para explicar de fato o que aconteceu, entre elas imagens das câmeras do posto, que funciona 24 horas. Funcionários do posto disseram não ter visto nada.

O delegado Líbio Braga, do DHPP, que esteve no local, disse que duas viaturas da PM participaram da perseguição ao carro conduzido pela vítima. Segundo o delegado, a PM solicitou perícia ao Departamento de Polícia Técnica (DPT).

“Foram coletadas imagens das câmeras do posto, mas não estão em boa qualidade. Mas acredito que serão coletadas também imagens da farmácia que fica ao lado do posto e de estabelecimentos que estão localizados no trajeto da perseguição”, disse.

A mulher que estava no carro de Márcio foi ouvida na Corregedoria da PM - onde chegou por volta das 8h30 de ontem. Ela chorava e estava acompanhada de um rapaz, sócio de Márcio. Eles não falaram com a imprensa. O depoimento dela durou pouco mais de quatro horas. 

Espanha Márcio Perez era formado em Economia e sócio de uma empresa que presta consultoria a uma operadora de telefonia. Ele tinha duas filhas - uma completou 9 anos no dia 18 e, por isso, uma festa de aniversário estava programada para esse domingo (23).

De acordo com vizinhos do empresário, ele morava no mesmo lugar - o 2º andar de uma casa na Rua Gáspar da Silva Cunha - há 40 anos. “Ele chegou [para morar na casa] com 1  ano de nascido e pretendia ir para Espanha, onde estão os pais. Ele era filho único”, disse uma vizinha, que não quis se identificar. Assim como outros moradores, ela disse que ouviu os tiros pouco depois das 23h.

Em relação à mulher que estava no banco de carona do carro, os vizinhos disseram que não a conheciam. “Nunca a vi com ele. Sabemos que ele tem uma ex-mulher e dois filhos. O parente mais próximo é um primo que morava aqui em Salvador”, disse outra vizinha.

Em entrevista à TV Bahia, a ex-mulher de Márcio, que não teve o nome divulgado, disse que ele pretendia levar as filhas para passar as férias na Espanha. Este final de semana, ele ficaria com as meninas: “Ele era um paizão, uma pessoa supertranquila. Foi a pior coisa que eu já fiz na minha vida, foi dar essa notícia pras minhas filhas”.

O corpo do empresário foi liberado ontem de manhã do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. A mãe dele deve chegar hoje da Espanha e levar o corpo do filho para ser sepultado no país europeu.

Polícia baiana entre as que mais matam A polícia da Bahia é uma das que mais matam no Brasil. Ao longo do ano de 2016, 457 pessoas foram mortas na Bahia em decorrência de intervenções policiais. Os dados foram divulgados pelo  Atlas da Violência 2018, em junho passado.

A pesquisa, conduzida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), coloca a Bahia na terceira posição no ranking de mortes por intervenções policiais, atrás apenas do estado do Rio de Janeiro, com 925 casos ao longo de 2016, e de São Paulo, com 856 mortes em situações semelhantes no mesmo ano.

Os números usados foram fornecidos pelas secretarias de segurança pública dos estados, embora, no restante do Atlas, tenham sido utilziados números Datasus, do Ministério da Saúde. É que, neste caso, não há informações da saúde sobre todos os estados.

Se, mesmo assim, forem considerados os números da saúde, a Bahia aparece em segundo lugar no ranking, com 364 mortos decorrentes de intervenção policial, atrás somente do Rio de Janeiro, com 538. No caso de São Paulo, os dados da saúde computam somente 254 mortes nessas circunstâncias em todo o ano.

A incongruência nos dados é destacada no próprio estudo. Segundo o instituto, isso acontece porque os dados do Datasus são fornecidos por peritos e médicos legistas e que esses profissionais nem sempre têm todas as informações necessárias quando fazem o registro das mortes para indicar a autoria do homicídio. Por isso, em muitos casos, os crimes são classificados como morte por agressão.

O Atlas da Violência 2018 foi construído com base nos dados de 2016 e apontou, entre outras coisas, que em dez anos a taxa de homicídios na Bahia quase dobrou: cresceu 97,8%. O estudo indica que, de 2006 para 2016, o Brasil sofreu aumento de 23,3% nos homicídios de jovens (pessoas com idades entre 15 e 29 anos), sendo que no último ano analisado pela pesquisa, 33.590 jovens foram assassinados - 94,6% deles eram homens.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia informou, na época, que as mortes em confronto são acompanhadas pelas corregedorias: “A Secretaria da Segurança Pública da Bahia ressalta que todo policial brasileiro, por lei, tem o direito de reagir a ataques de criminosos. Acrescenta que todas as mortes em confronto são acompanhadas pelas corregedorias”.

Casos envolvendo violência policial Santo Antônio Além do Carmo - No dia 3 de junho deste ano, uma turista filmou a abordagem truculenta de PMs, agredindo um jovem com um cigarro de maconha e uma mulher grávida (foto). A corporação afastou um militar.

Candeias - Em 21 de abril deste ano, o artista plástico Arnaldo dos Santos Filho teve a casa invadida e foi morto. Os três PMs envolvidos estão afastados e foram indiciados por homicídio doloso. Um processo administrativo também foi aberto.

Cabula - Em 2015, uma ação policial na Vila Moisés terminou com a morte de 12 jovens, entre 16 e 27 anos. Todos os policiais envolvidos na ocorrência foram absolvidos pela Justiça. Mas este ano, a Primeira Turma da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia anulou o julgamento.

Lobato - Em 2014, Geovane Mascarenhas de Santana, 22 anos, foi morto dentro das dependências  da Rondesp (Rondas Especiais). Onze PMs que participaram do crime foram denunciados. Seis deles ainda irão a júri popular. O cabo Jesimiel da Silva Resende, 42, envolvido no caso Geovane, foi preso no último dia 6 roubando pedestres no Imbuí. Com o militar, a PM apreendeu três aparelhos celulares pertencentes às vítimas; um revólver calibre 38, além de uma motocicleta com placa clonada e R$ 300.

Onde denunciar Corregedoria da PM - Quem se sentir coagido ou ameaçado por policiais militares pode procurar a Corregedoria da PM, na Rua Amazonas, 13, no bairro da Pituba, para registrar a ocorrência.

OAB -  A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) também oferece auxílio através da Comissão de Direitos Humanos. Quem estiver precisando de ajuda pode entrar em contato pelo e-mail [email protected] ou ir pessoalmente no 1º andar do Fórum Ruy Barbosa, em Nazaré, ou na sede da instituição, na Piedade.

MP-BA -  O Ministério Público do Estado (MP-BA) também atende casos através do Grupo Especial de Atuação para o Controle Externo da Atividade Policial (Gacep). O telefone é 3103-6805.