'É logo ali!': repórter do CORREIO encara Corrida Sagrada até o Bonfim

Percurso de cerca de sete quilômetros foi completado em aproximadamente 40 minutos

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  • Bruno Wendel

Publicado em 16 de janeiro de 2020 às 16:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/CORREIO

Até onde a fé pode nos levar? No meu caso, foi o combustível necessário para concluir a tradicional corrida que antecede o cortejo da imagem do Senhor do Bonfim. Quando recebi o desafio do CORREIO de cobrir in loco, pensei: “Meu Deus! Será que consigo?”. Sempre acompanhei a prova à distância, mas nunca imaginei que um dia participaria dela, e trabalhando. E tudo transcorreu como tinha que ser - foram aproximamente sete quilômetros de bênçãos em 40 minutos de corrida.

Na concentração, era possível encontrar famílias, amigos, corredores profissionais ou não, de tudo um pouco, todos em frente à Igreja da Conceição da Praia. Todos numa festa cercada de risos, cumprimentos e votos de “boa corrida!”.

Enquanto os primeiros fiéis chegavam à Basílica Nossa Senhora da Conceição da Praia, algumas pessoas se reuniam em grupos com um único objetivo: chegar à Colina Sagrada. Eles se alongam, aquecem, confraternizam, rezam, se benzem, pedem proteção ao Senhor do Bonfim. Nesse momento, o nervosismo me toma. Começo projetar na cabeça o percurso, cerca de sete quilômetros debaixo do calor, abafado. Ao contrário de alguns ali, era a minha primeira vez – e a gente nunca esquece.

Às 7h, quando foi dada a largada, segui junto com o mar de gente. Foi no automático. Só instantes depois, cerca de cinco minutos, após sentir o clima, as pessoas correndo com gosto, dei por mim que fazia parte da famosa e esperada corrida que antecede o cortejo que leva a imagem do Senhor do Bonfim até a Colina Sagrada.

Com passos mais largos do que as beatas e com um pique mais acelerado, os corredores-fiéis tomaram as ruas do Comércio. Durante o percurso, passamos por alguns símbolos da Salvador antiga, como o Elevador Lacerda e o Mercado Modelo, e a animação foi contagiante.“Bora pessoal, é logo ali”, dizia um senhorzinho com pinta de atleta profissional – usava roupas específicas para o momento e estava anos-luz à minha frente.Na avenida Miguel Calmon, o calorão deu uma trégua. Por conta dos prédios, era possível se dar ao luxo aproveitar alguns (poucos) trechos de sombra. Mas, à medida que íamos deixando os quilômetros para trás, era possível observar o lado profano da festa: os ambulantes e suas barracas de bebidas, comidas, inúmeras feijoadas, sarapatéis, músicas para todo tipo de público.

Quem não corria e nem andava, incentivava. As pessoas que nos observavam diziam, muitas com as suas latinhas na mão. “É isso aí, vão em frente”, gritava um ambulante. Outro berrava: “Não parem, não parem!”.E eu respondo: “Ô pai, valeu, mas venha correr junto”. E disparava, mas observando o 'brother' cair na gargalhada.Contratempos Mais quilômetros iam sendo vencidos e finalmente chegamos à Calçada. Logo, os primeiros sinais de desgaste físico começam a aparecer. Primeiro, a dor no lado direito do abdômen, popularmente conhecida como dor de facão, aguda. Mesmo assim, persisti e só parei quando o cadarço de um dos meus tênis desamarrou. Enquanto amarrava, tive a sensação que o Carnaval de Salvador já tinha passado na minha frente e logo fui atrás.  

Nos Mares, a dor de facão voltava a incomodar e o sol se apresentava mais forte em relação a todo o percurso até ali.  A boca estava seca e, para completar, a bexiga cheia também era um problema – tinha bebido duas garrafas de 500 ml água mineral antes da largada. Começou o desespero. Desespero este que me fez parar num banheiro químico.   

Cantada Apesar de aliviado, o cansaço era evidente. As minhas pernas estavam bambas, os meus batimentos cardíacos pareciam a bateria da Mangueira e a ardência no corpo era sinal de que havia adquirido um bronzeado para o mês todo, mesmo usando filtro solar. Foi aí que resolvi seguir o conselho de um corredor experiente, aquele senhor de quem falei lá no início do trajeto: “Vá trotando, deixe para dar o gás quando avistar a Colina”, disse.

E foi o que fiz. Reduzi o ritmo sem me preocupar com quem passava à minha frente e logo me aproximava do Santuário de Santa Dulce dos Pobres. Pouco depois de fazer uma rápida oração, levei uma cantada. Isso mesmo. Elas estavam em grupo.“Isso que é homem”, disse uma.“É por isso que a gente corre”, emendou outra.Achei que não era comigo, mas a certeza veio após um beliscão na bunda. Na hora, olhei para trás, ri e continuei correndo.

Colina Sagrada Aos poucos, tudo vai fazendo sentido. Todos os esforços valem à pena quando, em Dendezeiros, a gente dá de cara com a imponente Igreja do Bonfim. Mesmo à distância – cerca de 80% do percurso – a fé lhe impulsiona, lhe dá energia para seguir em frente.

No trajeto, é possível perceber que o cansaço já não domina também as outras pessoas, que vibram junto com você a cada passo dado em direção à Colina Sagrada. Chegar à Basílica do Bonfim emociona e a gente tira forças que nem sabe de onde e sobe. Só sobe. Os primeiros a chegar ocupam a Largo do Bonfim e tomam banho de folhas de arruda e de pipoca para afastar o mau olhado. Enfim, é hora de voltar para redação. Axé.