Ê, saudade: praieiros relatam como é a vida sem um banho de mar

Baianos fazem planos para o primeiro mergulho pós-pandemia

  • Foto do(a) author(a) Vinicius Nascimento
  • Vinicius Nascimento

Publicado em 16 de maio de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Saudade do mar, né, minha filha? Realmente, tá difícil. Morar em uma cidade com 75km de orla e não poder dar uma passadinha na praia é uma verdadeira tortura. Durante a pandemia do novo coronavírus, os praieiros têm um motivo a mais para sofrer.

Elaine Alves que o diga. Moradora do Alto da Terezinha, no Subúrbio Ferroviário, ela batia ponto na Praia do Meio pelo menos toda a segunda-feira. Isso quando não tinha um feriado, uma folga ou uma brecha na agenda para fugir até a praia e ativar a melanina. Ela conta que chegava na praia às 9h e só saía às 23h. Isso mesmo: mais de 12h curtindo o mar com direito a pé na areia, caipirinha, água de côco e cervejinha.

"Eu já estou doente mesmo sem pegar essa coronavírus. O simples fato de não poder curtir minha praia do jeito que sempre gostei já me adoece. Assim que essa loucura acabar eu vou comprar um biquíni novo e não quero nem saber: vou pra minha Boa Viagem", contou. As lives de sofrência consolam a saudade que Elaine tem de sua Praia do Meio (Foto: Acervo Pessoal) Pegamos a Linha Verde virtual e chegamos até a advogada Mila D'Oliveira, 32. Cria de Periperi, ela está isolada com a mãe em Guarajuba porque as duas são grupos de risco - apesar da pouca idade, ela tem uma doença neurológica que causa fraqueza e baixa capacidade respiratória. Cadeirante, Mila nos relatou que a praia não é só a areia, o mar e pronto. Não: é muito mais. A aglomeração, a confraternizaçao, os encontros. É isso que torna esse lugar cheio de água salgada tão especial.

Na casa onde está durante a pandemia, a tentação é imensa. Ela está literalmente na frente do mar e não pode ir. Mila costuma ir a uma praia específica em Guarajuba por conta das facilidades de acessibilidade. "Estou duplamente com saudade do mar porque minha família é grande e por eu usar cadeira de rodas preciso de ajuda para entrar. Eu não consigo ir sozinha e às vezes precisa de mais de uma pessoa para segurar porque a água bate e a cadeira pode virar. Então ir para a praia é sinônimo de uma aglomeraçãozinha com pessoas da família, amigos que não tou podendo ver... mais do que saudade do mar eu tenho saudade de reunir essa galera para aproveitar do jeito que gosto", relata. Advogada quer fazer curso de mergulho adaptado no Porto da Barra após a pandemia. A foto  foi em um dia ensolorado na praia de Inema (Foto: Acervo Pessoal) Além de garantir que vai entrar no mar de Guarajuba, que é onde se sente em casa, Mila almeja fazer um curso de mergulho adaptado assim que a pandemia acabar. O objetivo é mergulhar no Porto da Barra, um sonho antigo da advogada. A praia de Inema, no Subúrbio Ferroviário, também está na rota.

Agora imagine só a saudade que um surfista está passando. É o caso de Carlos Augusto, 25, estudante de engenharia civil. Conhecido no mundo como Tchaco por conta de um apelido dado pela família, ele lamenta que já tem quase 3 meses não pisa na areia e dá um mergulho.

"Quando eu era pequenininho minha mãe me pegava todo o santo sábado para ir pra Ondina. A gente passava o dia observando a natureza, mergulhando, brincando, tomando caldinho de sururu e comendo um acarajé. Pense aí pra um cara que se acostumou a ir à praia pelo menos duas vezes na semana se privar disso?!", questiona. Surfista e praieiro são quase sinônimos. Carlos Augusto, o Tchaco, sente falta do mar por muitos motivos (Foto: Acervo Pessoal) Aglomeração, amigos, cervejinha e ondas. Tchaco diz que deixava todos os seus problemas na água gelada de qualquer praia. "Saudade de sair acabado, cansado, morgado em um dia de boa ondas em Jaguaribe, mas feliz e com um sorrisão no rosto por causa da conexão. Com a natureza, com Deus. É isso que a praia representa pra mim: um refúgio desse mundo louco", diz o surfista.

Questionado sobre qual será a primeira praia que vai depois da quarentena, ele fica até meio perdido. Pode ser um pôr-do-sol no Porto da Barra, um fim de tarde no buracão ou um dia todo em Jaguaribe. Qualquer uma das opções serve.

O mesmo não vale para a vendedora Évelin Oliveira, de 20 anos. Ela está determinada a ir à praia da Boa Viagem como primeira parada pós-coronavírus. O motivo é puramente afetivo: era essa a praia com quem ia na infância."Depois que cresci eu nem ia tanto para a Boa Viagem, mas sempre foi um lugar que me trouxe coisas muito boas. Não sei, velho... é a vontade de meu coração. Eu sabia que estar perto das pessoas que amo é algo importante mas sentir isso com a distância é muito duro. Dói mesmo", diz enquanto engasga a voz no choro. Vendedora passa vontade no ônibus todo dia a caminho do trabalho (Foto: Acervo Pessoal) Évelin passa pela tentação de ver o mar todos os dias: o ônibus que leva a moça até o trabalho em um mercado no bairro de Ondina passa pela orla e o seu suspiro diário fala por muita gente: "ai que vontade de cair no mar".

Salvador tem oito praias com acesso interditado como medida de prevenção ao novo coronavírus. A Boa Viagem, dona dos corações de Elaine e Évelin, é uma delas. Cantagalo, Farol da Barra, Porto da Barra, Rio Vermelho, Itapuã, Piatã e Ribeira completam a lista. Apenas pescadores têm acesso livre, para garantir peixes e frutos do mar. 

O acesso é proibido inclusive para a prática de exercícios físicos, o que quebrou a rotina do estudante de educação física João Gabriel Dantas, 23, que costumava fazer seu funcional na praia de Jaguaribe pelo menos uma vez na semana. Estagiário do time de iniciação do Bahia, ele entende a medida respeita sem problemas - até para dar exemplo aos seus alunos. João Gabriel cumpria parte de sua rotina fitness na praia (Foto: Acervo Pessoal) "Fica muita saudade, não é? De reunir a galera, fazer as atividades. Pô, fazer um funcional na praia é diferente: a areia cansa mais e torna ainda mais satisfatória a sensação de concluir os exercícios. Mas precisamos respeitar e dar o exemplo. Assim que acabar a pandemia vou dar meu pulinho no Buracão ou Porto da Barra para relaxar", conta. 

Há os corajosos, que não aguentam a saudade e assumem uma fugidinha para cair no mar. O surfista Pedro Alexandre é uma dessas pessoas. Ele assume que fica receoso, "mas acha que tomando todas as medidas de proteção pode fazer a prática do esporte da melhor forma" e sem fazer mal a si mesmo e pessoas ao redor.

A praia que ele mais gosta de frequentar é Jaguaribe, mas por conta da pandemia ele frequenta a de Armação, pela proximidade de casa. Pedro diz que sonha conhecer as praias de Fernando de Noronha e tem isso como meta para um futuro."Se eu fosse obrigado [a não ir à praia] eu ia ficar me sentindo muito mal. Precisaria fazer alguma coisa, nem que fossem alguns treinos em casa, mas lógico que sentiria falta de estar no mar, estar na praia", disse. Pedro Alexandre (@phalexandre, no Instagram) enfrenta a quarentena para surfar na praia de Armação (Foto: Acervo Pessoal) A estudante Jéssica Barreto não tem a mesma coragem de Pedro e prefere seguir no isolamento. Durante a pandemia, ela está morando na casa do namorado em Itinga. Sem sequer um banhozinho de mangueira, Jéssica, que mora em Paripe, sonha todos os dias com uma volta para a praia e encoraja que as pessoas sejam fortes para aguentar a saudade: "vai passar e vou puxar meu bonde pra praia de São Tomé pra tomar uma gelada", garante. Enquanto o mar não vem, Jéssica  capricha nos looks e dá dicas de leitura no seu instagram (@ssajess) (Foto: Arquivo Pessoal) Enquanto a praia não vem, Jéssica, que é estudante de Ciências Sociais na Uneb, passa seu tempo com lives e apostando na vida de blogueirinha: em seu Instagram, dá dicas de leitura e capricha nos looks para fazer as fotos.

Quem testemunhar infrações às medidas restritivas pode denunciar através do site falasalvador.ba.gov.br, pelo e-mail ouvidoria @ salvador. ba. gov. br, pelo Disque Salvador 160 ou, ainda, pelo Instagram @ouvidoriadesalvador.

*com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro