Economia: O agro salvou a Bahia

Em ano de dificuldades com pandemia, as principais culturas agrícolas do estado registram crescimento

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 30 de agosto de 2020 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Márcio Fagundes/Divulgação/Arquivo

Foram seis anos sofrendo com chuvas irregulares no semiárido baiano. E justo em 2020, quando o regime hídrico se mostra favorável, uma pandemia. Se no papel, o cenário indica dificuldades, nos campos baianos a realidade foi um aumento de 21,5% na produção do café arábica e de 6,4% no tipo conilon. A lógica – com o fechamento de espaços como restaurantes, bares e os escritórios – era de uma queda no consumo do produto. Entretanto, a realidade foi que o mundo bebeu mais café, em casa mesmo. Nos Estados Unidos, a alta foi de 17%, chegando a 40% na Coreia do Sul. Aqui no Brasil, a estimativa é de algo em torno de 10%, em um movimento que ajuda a entender como a agricultura ajudou a salvar as economias brasileira e, particularmente, a Bahia de um colapso. 

Quando o novo coronavírus chegou ao Brasil, longínquos cinco meses atrás, o medo de parte da população era o desabastecimento. O tempo mostrou o quão infundada era a preocupação. A agropecuária confirmou a expectativa de crescimento que existia antes da crise, com direito a surpresas positivas em algumas culturas. Aqui na Bahia, a produção do campo deve crescer 15,1% – um oásis quando as expectativas mais otimistas indicam queda de 5,5% na média geral da economia no estado. 

Enquanto algumas atividades relacionadas à indústria e ao setor de comércio e serviços caminham para a uma recuperação sazonal – quando a melhora acontece em relação ao mês anterior, mas ainda abaixo na comparação com um ano antes –, as dez principais culturas agrícolas baianas caminham para aumentos robustos de produção, como mostra o gráfico acima. E a expectativa para a agricultura em 2021 é de novos números positivos, impulsionados pela demanda mundial por alimentos e o câmbio favorável. 

O feijão nosso de cada dia teve uma alta de 56,6%, o fumo cresceu 53,8%, mas o quase desconhecido sorgo, muito utilizado para alimentar animais, também teve aumento de produção, de 48%. Culturas expressivas em tamanho, como soja e milho também se destacaram. 

João Lopes, presidente da Associação dos Produtores de Café da Bahia (Assocafé), explica que há alguns anos os preços do grão são desfavoráveis ao produtor no Brasil, que aqui na Bahia ainda tem uma dificuldade adicional: o clima. Foram seis anos de chuvas irregulares no semiárido, lembra. “A situação para o produtor não é boa, mas no contexto econômico estamos dando a nossa contribuição para o país”, diz. Foram 3 milhões de sacas do produto só no mês passado, conta. 

“Esse ano normalizou a chuva nos municípios que produzem café aqui na Bahia, então a produção está melhor e o ano que vem deve superar este porque a planta está se recuperando”, projeta. Para este ano, a expectativa é de uma produção em torno de 70 milhões de toneladas, com quase metade disso indo para o mercado externo. 

“Nós tivemos uma surpresa porque quando surgiu a pandemia os produtores ficaram apavorados, achando que consumo iria cair com as pessoas trabalhando em casa. Mas a surpresa foi que aumentou bastante, as pessoas passaram a beber mais café em suas casas”, ressalta.  Tanto no Brasil, quanto no exterior, o que ajuda a explicar a surpresa positiva na balança comercial, diz. 

E 2021? No Oeste, a maior região produtora de grãos da Bahia, a expectativa é que o próximo ano seja tão positivo quanto o atual. “A gente vem de uma safra muito boa, com a soja, o milho e o algodão tendo ótimos resultados. Os preços também estão em patamares bem acima do que se esperava”, conta Luiz Stahlke, assessor de agronegócios da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba). “A produção foi ótima e o rendimento beneficiou o produtor. Com isso, a gente entra com  boas perspectivas para a safra 2020/2021”, projeta. 

Apesar do clima ter ajudado os produtores do Oeste, são as condições de mercado que alimentam as  expectativas. Segundo Stahlke, tudo o que for plantado hoje já tem mais de 40% de comercialização garantida. “A gente continua a ter uma demanda muito grande por alimentos e é isso que faz o agronegócio girar”, explica, lembrando que a Bahia tem uma importante cadeia de proteína, principalmente com granjas e também leite, o que demanda grãos para a ração animal. “Quando temos alimentos disponíveis, todo mundo ganha na cadeia produtiva”, diz. 

Segundo Luiz Stahlke, mesmo uma eventual dificuldade climática teria pouco efeito negativo na produção do Oeste. “O que a gente tem visto nos últimos anos é que as áreas estão com uma produção muito estável. Há algum tempo as intempéries deixaram de ter grandes impactos na produção porque  trabalhamos com muita tecnologia e solos férteis”, explica. “O que pode impactar são questões relacionadas ao mercado”, diz e cita o caso do algodão como exemplo: “A produção de algodão deve cair um pouco porque houve uma retração no mercado de vestuário em todo o mundo, mas devemos ter aumentos na produção de soja e de milho”, projeta. 

“Nosso setor veio de um ano muito bom em 2019, o fator climático ajudou muito, principalmente nas regiões produtoras e isso proporcionou ótimas safras. Esse desempenho em 2019 trouxe ânimo para o agricultor investir mais agora”, analisa o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), Humberto Miranda. 

Ele lembra que o setor ajudou a deixar para trás o temor de desabastecimento que surgiu no início da pandemia. “Muita gente nem lembra mais disso”, destaca. “O que aconteceu foi o contrário, muitos produtos baixaram de preços”, lembra, complementando que além da demanda interna, o mercado internacional foi outro fator que impulsionou a produção. 

PIB deste ano O economista Gustavo Pessoti trabalha no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia há duas décadas. Com a sensibilidade para os números que só o tempo dá, o diretor de indicadores e estatísticas da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) e vice-presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-Ba), acredita que o baque na economia baiana este ano será em torno de 5,5%. 

Ele explica que hoje o modelo usado para fazer o cálculo já está “calibrado” para os efeitos da pandemia. “Num primeiro momento, calculamos as perdas pensando em uma parada de 30, 60 ou 90 dias, mas já estamos caminhando hoje para o quinto mês e entendemos a necessidade de trabalhar com cenários”, diz. 

A perda estimada por ele faz parte do cenário mais otimista e se justifica por sinais positivos que atividades relacionadas à indústria e até algumas no setor de serviços tem apresentado, uma vez que o desempenho da agropecuária permanece positivo por todo o ano. 

“A situação na indústria é difícil e reverteu no segundo trimestre praticamente todo o crescimento que foi registrado nos primeiros três meses”, destaca. Apesar disso, ele explica que na comparação de um mês para o outro, há um crescimento. “O ritmo do ano tem sido de melhoria, o que permite enxergar um processo de reativação da indústria. Nosso único problema é que a queda foi muito forte, então esse processo não é suficiente para superar as perdas”, explica. 

Segundo Pessoti, o que vai determinar o tamanho do baque neste ano é o momento em que o setor de serviços vai começar a repetir o processo que está se verificando na indústria, de uma recuperação em relação ao mês anterior. “Provavelmente o segundo semestre do ano será menos pior que o primeiro”, indica.  

O Boletim regional publicado pelo Banco Central indica sinais de melhorias em algumas atividades relacionadas aos serviços. As vendas efetuadas com cartões de débitos, por exemplo, já atingiram em julho um patamar próximo ao verificado antes da pandemia. Segundo o relatório, mudou o perfil dos gastos, com uma queda acentuada nas atividades relacionadas ao turismo, como alojamento e alimentação, que registrou uma queda média de 70,7% no volume de pagamentos. Outra atividade bastante impactada foi o comércio de vestuário e calçados, que caiu 47,3%.

“Com o movimento de reabertura, com as pessoas voltando a consumir, acaba reaquecendo as vendas. Principalmente no setor de serviços a gente já deve começar a verificar uma melhora sazonal. Ainda não temos nenhuma pesquisa para mostrar julho, mas esta é uma tendência”, destaca. 

Um indicador antecedente citado por ele como positivo para o setor de serviços é a arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que chegou a cair 20% em abril. Agora, a taxa ainda é negativa, mas numa amplitude menor, de 6%. 

Além da agropecuária, que responde por 7% do PIB baiano, a administração pública, tanto estadual quanto dos 417 municípios, funcionaria como um “colchão”, impedindo uma queda maior no nível de atividade. Ela responde sozinha por 20% da economia estadual e deve fechar em zero, sem crescimento ou queda. 

Mesmo com uma previsão “otimista”, de uma queda da ordem 5,5%, Pessoti ressalta ser muito provável que a economia baiana só retorne ao tamanho que tinha antes do coronavírus em dezembro de 2022, caso se confirmem as expectativas de um crescimento de 2,5% em 2021 e de 3,5% em 22.

Auxílio emergencial Quase 6 milhões de baianos foram beneficiados pelo auxílio emergencial de R$ 600 pagos pelo governo federal. Até o mês de julho, os recursos representaram uma injeção de R$ 10,7 bilhões na economia baiana e, além de evitar um baque ainda maior com as políticas de isolamento, ajudaram a manter o ritmo de algumas atividades econômicas. 

Guilherme Dietze, assessor econômico da Fecomércio-BA, diz que atividades do varejo, como a venda de materiais de construção, eletrodomésticos, eletrônicos e móveis e decoração tiveram desempenhos melhores graças aos recursos. A preocupação dele é com uma solução mais a longo prazo, o que passa por uma retomada na criação de empregos. 

“Existem alguns fatores que dificultam uma retomada mais rápida na Bahia, como uma renda média mais baixa e o desemprego mais elevado. O que tem segurado é o auxílio emergencial”, destaca. Dietze acredita que pode haver um cenário de melhora relativa no segundo semestre, entretanto diz ainda não ver para este ano um cenário de crescimento no varejo em relação o desempenho no ano passado.   

Vladson Menezes, diretor-executivo da Federação das Indústrias do Estado Bahia (Fieb) lembrou que em julho, pela primeira vez desde o início da pandemia, a Bahia conseguiu fechar o mês com um saldo positivo. “Pode não ser o número dos sonhos, mas foram 3.182 novos empregos em praticamente todos os setores, menos o comércio e serviços”, destacou. 

Segundo ele, ainda não é possível dizer que o terceiro trimestre do ano será positivo, mas já existe um cenário de recuperação no ritmo da atividade. “Não se espera que a indústria cresça este ano. Temos consciência de que a atividade deve ter uma queda, mas esperamos uma melhoria no ritmo”, explica. 

Vladson Menezes lembra que o setor de refino de petróleo, que representa quase 30% da produção industrial baiana, vem apresentando um bom desempenho, assim como a produção dos chamados minerais não metálicos – que englobam brita, areia, matéria-prima para cimento, entre outros insumos usados na construção. 

“Não é a grande construtora quem está impulsionando este mercado, mas as famílias, muitas vezes comprando esses produtos e construindo com as próprias mãos”, explica. “Muita gente usou o auxílio emergencial para o consumo”.