Educação na pandemia: 'Pais não são professores', defende especialista

Para a educadora e doutoranda em Educação e Contemporaneidade Mariana Caribé, os pais não podem assumir o papel de professor dos filhos

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 2 de maio de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Para aprofundar o assunto sobre o impacto das aulas remotas na aprendizagem neste momento de isolamento social, O CORREIO conversou com musicoterapeuta, educadora e doutoranda em Educação e Contemporaneidade Mariana Caribé. Na entrevista, a especialista convida a pensar - seja na esfera pessoal, seja no sentido político - sobre o legado que essa experiência deve deixar, principalmente na vida das crianças. Confira. 

A escola é um lugar, um prédio, um espaço físico? A escola é um lugar sim, mas muito mais do que um espaço físico. É um lugar de encontro de afetos, encontros de relações, de encontro social, cultural. Então, isso está fazendo muita falta para as crianças. Para elas, a escola é muito mais do que o conteúdo, que também é importante, desde que esse conteúdo tenha um caráter formativo do indivíduo. Eu acho que a escola congrega essas duas coisas, mas ela é muito mais esse espaço do encontro, das possibilidades.

Considerando que há também essa dimensão simbólica, como você percebe as crianças neste momento em que a escola está nas telas e como acha que as famílias devem lidar com as reações individuais? Como a escola é, também, esse espaço subjetivo, simbólico e afetivo, está sendo difícil, para as crianças, transpor tudo isso, conseguir, rapidamente, entender toda essa mudança e funcionar nesse novo modo de escola virtual, sem opção, sem escolha, neste momento. Então eu acho que isso é algo sobre o que cabe a gente refletir. Sugiro que as famílias olhem, escutem, cuidem das suas crianças, cada uma ao seu modo, respeitando o ritmo delas.É importante respeitar a forma que elas podem lidar com isso agora, sem rigidez e sem excessos em relação à vida estudantil virtual e às tarefas de casa virtuais.Muitas crianças estão tendo reações do tipo ‘eu não quero mais ficar aqui nessa aula, por que eu vejo a minha professora, meus colegas, mas eu tenho que assistir aula online, eu não posso conversar com eles’. O espaço do encontro humano está completamente comprometido. Há um encontro humano intermediado  pela tecnologia e é completamente diferente porque nós precisamos do contato físico, do tato, do cheiro, do olhar, do gesto, do movimento.

As crianças tem custado a entender isso. Algumas tem resistido bastante à mudança. É a criação de uma nova realidade para as crianças, que apesar de terem acesso aos jogos  virtuais, games, desenhos animados e filmes, veem uma inversão disso, agora: a vida de verdade passa a ser a vida virtual. Para Mariana, os pais não podem substituir a figura do professor durante esse processo de educação na pandemia (Foto: Acervo Pessoal)

Olhando para o outro lado: como você avalia esse esforço de reinvenção das escolas, neste momento? Há um esforço, mesmo, das escolas em se reinventar neste momento, mas eu acho que precisamos ter muito cuidado com isso. Em todos os segmentos, mas, especialmente, na educação infantil e no ensino fundamental. A gente tem que lembrar que a infância vai até os 12 anos e que as recomendações, inclusive, que temos sobre uso de telas, das organizações internacionais para as crianças é um tempo muito, muito, menor do que aquele ao qual elas estão expostas, agora.Há questões sérias aí. Outra coisa que acho importante ressaltar é que os pais não são professores. Não são na atuação, não são na construção do vínculo, no afeto que as crianças têm. Então isso tem sido um outro entrave no processo. As crianças estão sentindo falta.O tempo de contato com a professora tem sido muito curto, estou falando especialmente das crianças menores, da infância mesmo até os 12 anos, especialmente da educação infantil e do ensino fundamental, os anos iniciais. Não tem como haver essa substituição.

Não se deve nem tentar isso. Nem inclusive as novas recomendações apontam para isso. Pai e mãe são pai e mãe. A professora está lá, ocupando aquele lugar de afeto que a criança construiu, de vínculo que a criança construiu e por conta disso se dá o processo de aprendizagem.Há também a questão do protagonismo da criança. Com essa mudança, esse protagonismo ficou ainda mais reduzido do que era. As crianças estão mais silenciadas, porque não há como, não dá tempo. Está assistindo a aula online, mas não pode falar no chat.Aí o tempo de pergunta a professora é muito curto. Então, isso é um ponto a se pensar também: o quanto essas telas têm silenciado a fala das crianças, no sentido de que elas estão ali só para (na maior parte do tempo) escutar o que a professora tem a dizer, executar as tarefas que estão sendo enviadas ou assistir aos vídeos que estão sendo enviados. Em alguns poucos momentos elas podem se tornar protagonistas dessa cena.  

Quais são as marcas que, na sua opinião, as crianças levarão desse período? Acho que as crianças estão sofrendo muitos impactos e que esse processo da pandemia deixará marcas para sempre. Deixará em nós adultos e nas crianças. Desejo que essas marcas sofridas possam ser as menores. Que desse processo se extraiam outras marcas.  Isso é o que eu desejo. Marcas de solidariedade, de reinvenção, de criatividade, de possibilidade. Mas, não posso deixar de dizer que elas terão as marcas do sofrimento, da solidão, da ansiedade, da angústia, muitas vezes, silenciosa, quando elas não conseguem transformar isso em palavras, elaborar.Elas vivem a angústia, a ansiedade no silêncio. Medo. Medo do não saber o que vai acontecer, dessa nova relação com o tempo, de estar sempre no “quando será”. O que eu acho interessante não é acolher esses medos, conversar sobre esses medos, essas angústias, essas ansiedades com as crianças para que elas possam ir decantando esses sentimentos e possam ir elaborando isso da melhor forma.

Quem é Mariana Caribé é musicoterapeuta, educadora e doutoranda em Educação e Contemporaneidade