Efeito cascata pode ter provocado rompimento de barragem

Governo já estuda possibilidade de indenizar as famílias prejudicadas

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  • Da Redação

Publicado em 13 de julho de 2019 às 06:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/GOVBA

Um dia depois do rompimento da barragem do Quati, no Nordeste da Bahia, os moradores dos municípios de Coronel João Sá e Pedro Alexandre levaram outro susto. Uma nova barragem, desta vez no povoado de Boa Sorte, também está apresentando problemas na estrutura e, por isso, quem vive no povoado precisou deixar as casas.

Segundo o prefeito de Coronel João Sá, Carlos Sobral, a estrutura está com vazamento por baixo. “Ela está sangrando. Mandamos uma máquina para o local, para tentar evitar o rompimento, mas, por segurança, os moradores foram retirados de casa”, afirmou.

O povoado fica em Pedro Alexandre e ainda não foi contabilizado o número prejudicados. O lavrador Francisco Santos, 66 anos, mora há 56 anos em Boa Sorte e contou que ficou assustado. “Nunca tinha visto a água subir tanto como dessa vez. Ela subiu até ultrapassar a cerca que beira a estrada e cobriu até a ponte”, disse. Seu Francisco relembra susto (Foto: Clarissa Pacheco/CORREIO) Nesta sexta-feira (12), o governador Rui Costa esteve na região e contou que a suspeita é de que Quati tenha cedido devido ao volume excessivo de água e de que esse excesso tenha sido provocado pelo rompimento de pequenas barragens particulares, construídas nas proximidades, gerando um efeito cascata.“São pequenas barragens construídas por pessoas privadas, em série. Na hora que rompe uma, rompe tudo e cria uma onda de água que arrasta tudo pela frente. De imediato, nós conversamos sobre medidas que podem ser e vão ser feitas após a chuva, mas no momento é concentrar no trabalho de prevenção para resguardar qualquer risco de ter acidente com as pessoas”, afirmou.A suspeita do governo é a mesma dos especialistas. Segundo o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA), Luís Edmundo Campos, isso pode ter contribuído para o ocorrido.

“Tivemos a informação de que barragens 'clandestinas', de fazendeiros ou pessoas que fazem barramentos na região, foram rompendo acima dela (Quati) e o conteúdo foi caindo e levando essa quantidade maior para a barragem. Isso precisa ser investigado”, disse.

Ela afirmou que quando as barragens de água rompem causam menos estragos que as de rejeito, como as que cederam nas cidades de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, mas que elas também apresentam riscos.

“Em Brumadinho, por exemplo, foi lama e o conteúdo tem uma viscosidade maior, como se fosse uma gelatina. Aqui, abriu e a água foi toda embora. Causou alagamento nas cidades de baixo porque a quantidade de água foi grande e saiu em pouco tempo”. (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Situação A Bahia tem pelo menos 205 barragens com risco e dano potencial associado alto, em 105 municípios. Delas, somente 26 possuem um plano de segurança e duas têm plano de emergência para eventuais desastres. As informações são do último Relatório Anual de Segurança de Barragem realizado pela Agência Nacional de Águas (ANA), de 2017.

Segundo a entidade, o documento foi construído com base em dados divulgados pelo Instituto do Meio Ambiente e Recurso Hídricos (Inema), responsável pela fiscalização desses equipamentos.

A ANA afirmou que não recebeu as informações sobre a barragem do Quati, que rompeu nesta quinta-feira (11), e que, por isso, não sabe em qual situação ela se encontrava. O relatório aponta também que o Inema só realiza revisões periódicas em cinco das 205 estruturas que estão em risco.

Para os especialistas, é pouco provável que uma barragem arrebente de uma hora para outra, mas os sinais de que existe um problema em andamento são percebidos apenas com a fiscalização periódica dessas estruturas.

O governo do estado explicou que, tecnicamente, Quati não é uma barragem, por ser de pequeno porte. O local possui menos de 200 hectares e não seria incluído na Lei Nacional de Barragens. Por conta disso, o Inema não fazia monitoramento do equipamento.

A estrutura foi construída em 2000 e custou R$ 49 mil. As obras foram realizadas pelo governo, mas a manutenção seria de responsabilidade da prefeitura. Ainda assim, o governo disse estar estudando a possibilidade de indenizar os moradores impactados com o incidente e disse que a dimensão dos estragos está sendo avaliada.

O CORREIO procurou o Inema desde o dia do desastre, mas, dois dias depois do rompimento da barragem, o órgão ainda não se pronunciou. O Ministério Público da Bahia (MP-BA) informou que abriu um inquérito para investigar as causas, os responsáveis, e os danos provocados pelo incidente.

Cuidados O professor do curso de Engenharia Civil da FTC, Antonio Carlos Totti Júnior, é especialista em Gestão e Gerenciamento de obras e contou que existem equipamentos que ajudam no monitoramento das barragens. O principal deles é o índice pluviométrico, que mede a precipitação da água nessas estruturas e precisa ser acompanhado diariamente.“Todo barramento dá sinais de probabilidade de acontecer um incidente como esse, por isso, é preciso fiscalização. O uso de piezômetro, réguas de medição, e extravasor para medir vazões ajuda nesse sentido. Os drenos no corpo da barragem, por exemplo, servem de válvulas de alívio de pressão, se reterem muita água é um mau sinal, e se ele não reterem água nenhuma é porque não estão funcionando”, afirmou.Ele explicou que os projeto de construção dessas estruturas podem apontar a necessidade de alguns equipamentos, e que outros instrumentos surgem depois, com o avanço da tecnologia. Ele defende que todas as obras sigam as regras do plano nacional de segurança de barragens, ainda que ele seja obrigatório apenas para alguns modelos.  

“O plano faz uma detecção do corpo da barragem, do assoreamento, das condições do extravasor, das condições do equipamento, se há necessidade de manutenção na barragem. Se houve, em que momento é preciso fazer essa manutenção. Em caso de acidente, o que fazer, quem avisar, e quais sãos os procedimentos de segurança a seguir”, explicou.

A barragem do Quati é administrada pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), do governo do estado, órgão que responde por outras 37 estruturas no estado. As 205 estruturas listadas no relatório da ANA são utilizadas para diversos fins, como abastecimento de água, aquicultura, indústria, irrigação, e recreação. Do total, 37 também são administradas pelo CAR e fiscalizadas pelo Inema.