Ela é Malala: saiba como foi a visita da ativista paquistanesa a Salvador

Pessoa mais jovem a ganhar o Nobel da Paz, Malala sofreu uma tentativa de assassinato por defender a educação para meninas

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  • Thais Borges

Publicado em 10 de julho de 2018 às 17:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Malala passeou pelas ruas do Pelourinho e emocionou quem foi lá para vê-la ou quem 'deu de cara' com a ativista (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Malala Yousafzai não precisa dizer nada. A história da ativista paquistanesa, a pessoa mais jovem a receber um prêmio Nobel da Paz (aos 17 anos, em 2014), fala por si só. A vida de Malala, que sobreviveu a uma tentativa de assassinato por sua militância para que as meninas de seu país tivessem acesso à educação e que está prestes a completar 21 anos nesta quinta-feira (12), é sua própria voz. 

Mesmo assim, Malala falou. Em visita a Salvador nesta terça-feira (10), disse às meninas baianas do Olodum que nunca desistam dos seus sonhos. “Nós, mulheres, temos força”, defendeu. Se declarou para a arquitetura e a cultura da cidade. “Isso é surpreendente”, afirmou, enquanto observava a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco. Agradeceu uma jovem que lhe pediu um autógrafo. “Obrigada”, escreveu, em bom português. 

Se você não sabe quem é Malala, talvez fique difícil entender a importância de sua vinda à cidade. Talvez seja difícil entender o motivo pelo qual a administradora de empresas Virgínia Lima, 69, não conseguiu conter as lágrimas quando a viu – nem quando viu a neta de 10 anos posando para foto ao lado da ativista. Ou, ainda, compreender o que fez com que a estudante Stephanie Lima faltasse a uma aula de pré-vestibular e a técnica em Enfermagem Rosângela Pereira, 48, desmarcasse consulta médica e até trocasse plantão: tudo para ver a paquistanesa. 

Malala é assim. Inspira tanto que, por um momento, parecia aquela atenção que despertava nas ruas do Pelourinho era por ser alguma popstar ou atriz de Hollywood. Enquanto ela visitava o Largo de São Francisco, o Largo do Pelourinho e passava pelas ruas escutando histórias que iam desde a trajetória do afoxé Filhos de Gandhy até o clipe gravado por Michael Jackson em Salvador, não tinha quem não parasse para ver. 

Rodeada de seguranças, de policiais militares, policiais federais e de uma equipe de assessores e produtores, Malala parecia tímida. Durante todo o percurso, pareceu mais interessada nas histórias sobre a cidade do que nas dezenas de lentes que a cercavam. Vez ou outra, alguém gritava por seu nome. Algumas pessoas – principalmente, mulheres – choravam.   A paquistanesa visitou a sede do Olodum: teve quem achava que a jovem era uma popstar (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Da varanda da sede da Escola do Olodum, onde jovens percussionistas se apresentavam para ela, Malala acenava para a pequena multidão que se formava para vê-la. Entre os presentes, admiradores e curiosos. O guia turístico Johnny Soares, 26 anos, foi um dos que tratou logo de pesquisar quem era. A sonoridade do nome fez com que ele achasse que era, de fato, uma popstar. “A gente não conhecia e pensei que quem vinha era Mariah Carey. Achei que ela era cantora, por ter uma apresentação de música”, explicou.Depois de uma ajudinha do amigo Google, contou que já tinha ouvido falar sobre a paquistanesa. 

Quem é Malala  A autobiografia de Malala (Eu sou Malala, Companhia das Letras), publicada em 2013, foi uma das maiores responsáveis por difundir a saga da paquistanesa pelo mundo. Nascida em Swat, ela enfrentava diariamente a proibição do grupo Taliban de que meninas frequentassem escolas. Em 2009, usando um pseudônimo, chegou a escrever sobre essas dificuldades em um blog da rede britânica BBC. 

Já em 2012, devido ao seu ativismo pelo direito à educação das meninas, Malala foi baleada em um atentado terrorista. Ela estava em um ônibus cheio de garotas; todas voltavam da escola. Ela passou quase três meses internada e, desde então, vive no Reino Unido. 

Mas talvez somente a visão das baianas e forasteiras que foram vê-la possa dar a real dimensão do que Malala representa para essas duas lutas: a educação e o empoderamento feminino.“Qualquer pessoa que estivesse no lugar dela teria desistido. Ela recebia ameaças e não deixava de ir à escola, mesmo com risco de morte. Por mais brutal que seja a história, ela conta sob uma perspectiva otimista”, disse a estudante Stephanie Lima, 18. Stephanie soube que Malala estaria em Salvador – mais especificamente, no Pelourinho – e decidiu que queria vê-la. Acompanhada da amiga Gabriela Bahia, 18, e da mãe dela, a psicóloga Daniela Bahia, 46, Stephanie nem mesmo sabia qual seria o roteiro da paquistanesa. Decidiu arriscar e, no fim, ficou feliz. Conseguiu que a ativista autografasse seu livro. 

Daniela, por sua vez, não pensou duas vezes quando as meninas pediram que as levasse. Ela mesma era só elogios para Malala. “Ela é um símbolo e é inspiradora para meninas jovens. Jovem tem que querer mudar o mundo mesmo e é importante que eles admirem pessoas realmente admiráveis”, opinou.  Stephanie, Gabriela e Daniela foram ao Pelourinho só para ver Malala (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) A administradora de empresas Virgínia Lima foi quem não conseguiu segurar as lágrimas. Nada sobre Malala em Salvador estava em seu radar nesta terça. Viu que a ativista estava em São Paulo, mas nem imaginava que poderia encontrá-la por aqui. Até que, em frente ao Largo Tereza Batista, dona Virgínia, a neta Letícia, 10, e a amiga da garota, Victória, 9, deram de cara com a paquistanesa. 

Malala, muito solícita, parou para fazer fotos com as meninas. Virgínia observava chorando. “Trouxe as duas (Letícia e Victória) para irem ao museu e, quando chegamos aqui, essa surpresa. Fiquei emocionada. Li o livro dela e contei a história para as meninas”, revelou. 

O livro também foi o ponto de partida para que a técnica em Enfermagem Rosângela Pereira, conhecesse a vencedora do Nobel da Paz. Assim, desde que soube que Malala estaria aqui, Rosângela mudou toda sua programação. 

Sabia que não podia perder a oportunidade de vê-la – ainda que não tivesse nem conseguido trocar palavras, pedir uma foto ou um autógrafo. Para isso, deixou de ir a uma consulta médica e até ficou de pagar um plantão no trabalho depois. “Essa menina é um exemplo de persistência. É uma guerreira nata, que lutou para mudar a realidade do país dela. É um exemplo para nós, mulheres, porque, mesmo depois de tudo que ela passou, continua na luta. E eu fico muito feliz vendo essa juventude acompanhando, lendo o livro dela, porque representa a continuidade da luta de Malala”, disse, referindo-se às adolescentes e jovens que, naquele momento, como ela, aguardavam a saída da paquistanesa na sacada da Escola do Olodum. Um grupo de estudantes intercambistas também aguardava para vê-la, com câmeras e celulares a postos. “Não sabíamos que ela estaria aqui. Cruzamos com ela quando passava pelas ruas e foi emocionante”, contou a portuguesa Gabriela Coutinho, 20. A amiga francesa Julia Pontin, 19, também esperava ansiosa. “Eu até chorei quando a vi. Ela é um exemplo de liberdade”. A responsável pelo grupo, Blandine Farneti, continuou. “Ela representa a liberdade para mulheres”.  Segundo o guia turístico Raymundo Divino, a vencedora do Nobel da Paz perguntou sobre história local e cultura (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Roteiro em Salvador Malala chegou a Salvador na noite de segunda-feira para uma agenda fechada de compromissos. Ela veio ao Brasil a convite de uma agência, que contou com um patrocínio de um banco. Antes da Bahia, passou por São Paulo. 

Aqui, nesta terça, conheceu o Centro Histórico acompanhada pelo guia Raymundo Divino, 56. Passaram pela Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, pelo Largo do Pelourinho e pela Escola do Olodum – não sem antes escutar muita história entre as ruas do roteiro. Guia turístico há mais de 20 anos, Raymundo está acostumado a lidar com pessoas famosas. 

No entanto, só soube que o trabalho da vez envolvia uma ganhadora do Nobel da Paz pouco antes do passeio. Foi no susto.“Ela perguntava muito sobre a história local, sobre a cultura afro-brasileira, sobre a cultura brasileira. Perguntou muito sobre como a Igreja de São Francisco foi projetada. Ela ficou encantada e falou muito sobre a arquitetura”, revelou. Uma turista, acompanhada de um grupo de amigos, não conteve a emoção. Ao vê-la caminhando pela Rua Gregório de Mattos, gritava. “Que coisa mais linda! Nem acredito que é ela! Chega deu palpitação”, dizia, aos amigos, enquanto tentava convencê-los a segui-la pelas ruas do Pelourinho. 

A última parada da manhã de Malala foi a Escola do Olodum. Antes mesmo de chegar ao Brasil, a ativista já tinha um desejo de visitar a escola. “Ela pesquisou na internet, nas redes sociais e descobriu o nosso trabalho. Foi um pedido dela vir conhecer. Para a gente, foi uma alegria, uma honra”, adiantou a coordenadora da Escola do Olodum, Cristina Calasso. Duas percussionistas da Escola Olodum conversaram com Malala: Elaine e Valdirene (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Duas jovens percussionistas da escola tiveram a oportunidade de conversar com Malala: Elaine Santos, 23 anos, e Valdirene Lima, 17. “Nascida e criada” no Pelourinho, Elaine é filha de um dos fundadores do Olodum. Sempre fez parte do grupo. “Ela (Malala) deixou uma mensagem para que a gente não desista. Disse que somos mulheres e devemos continuar com a luta. Foi um privilégio conhecê-la”. 

Valdirene, por sua vez, chegou no grupo há pouco mais de um ano. Ao final do encontro, as palavras de Malala pareciam ter ecoado.“Ela disse para não desistirmos dos nossos sonhos e que nós, mulheres, temos força. O que a gente quiser a gente pode fazer”, revelou a adolescente, que leu metade da biografia de Malala na madrugada desta terça. Depois de conhecer as meninas, Malala viu a apresentação do Olodum. Pouco antes, o presidente do Olodum, João Jorge, adiantou um pouco do que viria a seguir. “Falei da origem dos instrumentos, do símbolo da paz e disse que ela escutaria músicas que falavam da vida. Depois, tocamos pelo aniversário dela. Para a gente, é uma oportunidade rara”. 

Malala recebeu presentes do Olodum, incluindo uma canga com a estampa do grupo, um livro de músicas e dois cadernos. À tarde, ela visitou a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anai). A coordenadora da entidade, Ana Paula Ferreira de Lima, será uma das três brasileiras patrocinadas por um projeto do Fundo Malala. A Rede Gulmakai financia iniciativas de pessoas que promovem a educação de meninas. 

Durante todo o passeio, Malala não deu entrevistas. Falava baixo, sempre com quem a acompanhava ou com as jovens que a abordavam. Mas não precisava; Malala é a própria voz.  A ativista paquistanesa cumpriu agenda em Salvador depois de passar por São Paulo (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)