'Ele implorou para não morrer', diz família de morto por PMs no Calabar

Parentes dizem que Marcos Vinícius foi executado e não estava armado

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  • Bruno Wendel

Publicado em 4 de março de 2020 às 16:15

- Atualizado há um ano

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Marcos Vinícius tinha 21 anos (Foto: Acervo Pessoal) O clima no Calabar é de tensão. Após a morte de Marcos Vinicius Ramos Salomão, de 21 anos, na noite da última segunda-feira (2), o bairro já registrou um protesto feito por cerca de dez pessoas encapuzadas na Avenida Centenário e teve um ônibus incendiado na última terça (3).

O CORREIO conversou com moradores da região, que afirmam que todas essas manifestações são uma reação às abordagens truculentas de policiais. Segundo a polícia, Marcos Vinícius foi morto em um confronto, mas familiares garantem que o rapaz não estava armado e foi executado por policiais. Ele, inclusive, teria pedido para não morrer.“Não teve nada de confronto. Ele implorou para não morrer, e mesmo assim, foi baleado no peito", contou um familiar, que pediu para não se identificar.A família de Marcos Vinícius admite que ele tinha envolvimento com a criminalidade, mas, assim como os moradores da região, afirmaram que não houve troca de tiros e que o rapaz foi vítima de policiais da Rondesp. 

"Ele já tinha passagem por tráfico e fazia parte de um grupo (criminoso), mas no momento ele não estava armado. A população ficou revoltada porque cabia à polícia prendê-lo, não exterminá-lo”, disse um parente em conversa com o CORREIO.

A fonte relatou que Marcos Vinicius voltava de um posto de saúde com a mulher e a filha de dois anos quando policiais chegaram atirando na comunidade. “A filha dela estava doente e, na volta para casa, a polícia chegou tumultuando, todo mundo saiu correndo desesperado por causa dos tiros, então eles três correram também. Só que a mulher e a filha foram para um lado e ele para o outro”, narrou o familiar.

O relato de testemunhas é que, enquanto a mulher e a filha do rapaz já estavam protegidas dentro de uma casa, Marcos Vinicius passou deu de cara com policiais em uma viela e passou a ser perseguido. Ele conseguiu entrar num imóvel, que foi arrombado pela polícia.

“Todo mundo viu que ele elevou as mãos para o alto, em sinal de rendição. Ele implorou para não morrer, disse que tinha uma filha para criar, mas um dos policiais disparou contra o peito dele. Depois, jogaram o corpo num lençol e levaram para o hospital”, contou.

A suposta execução indignou a família, que pede providências para a ação dos policiais. “Eles sabiam que se tratavam de Marcos Vinicius e foram atrás para matar. Estamos todos revoltados com tudo isso. O que a comunidade está mais revoltada é o fato de que ele implorou para não morrer. A família está amedrontada, sem saber o que fazer”, finalizou.

O CORREIO procurou a Polícia Militar para comentar as acusações, mas a corporação respondeu que “denúncias sobre atuações desconformes de policiais militares devem ser levadas a Ouvidoria ou Corregedoria da PMBA, para que sejam investigadas formalmente. É importante ressaltar que a identidade do denunciante é preservada”.

De acordo com o boletim de ocorrências do posto policial do Hospital Geral do Estado (HGE), a vítima foi baleada no abdômen e costas na Rua Direta do Calabar, e não resistiu aos ferimentos. Ainda conforme o boletim, com o socorrido foram encontrados um revólver calibre 38 e uma quantidade de drogas não informada. A família nega que Marcos Vinícius estava armado. Ônibus foi apedrejado em protesto contra a morte de Marcos Vinícius (Foto: Hilza Cordeiro/CORREIO) Relembre os protestos No mesmo dia da morte do rapaz, cerca de dez pessoas encapuzadas realizaram um protesto na Avenida Centenário, o que deixou o trânsito complicado, na altura da comunidade do Calabar. De acordo com informações do Centro Integrado de Comunicações (Cicom) da Secretaria da Segurança Pública, um morador informou que o grupo chegou a colocar fogo em objetos na via e tentou impedir a passagem de motoristas. 

No entanto, antes da chegada de policiais da 41ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Federação), que foram enviados ao local após denúncia via 190, os manifestantes já haviam deixado o local, por volta das 22h. 

No dia seguinte, na noite de terça-feira (3), cerca de 20 homens, quase todos jovens, pararam um ônibus na marginal da Avenida Oceânica, na entrada da Rua Sabino Silva, que foi impedido de seguir seu percurso. Para realizar o bloqueio, eles jogaram placas no chão e promoveram um ataque aos veículos utilizando armas, fogo e pedras.

Segundo o motorista de um dos coletivos, dois homens entraram armados no veículo e ameaçaram os presentes, que foram forçados a descer. Em seguida, os criminosos começaram a apedrejar o veículo. "Ele nem esperou a gente descer. Ele pegou uma pedra e jogou do lado do motorista. Eu falei para o motorista pegar a sacola e só deu tempo disso. Aí eles apedrejaram e a gente correu sem nem saber onde foi parar os passageiros. O motorista nem sabe como abriu as portas. Foi muito rápido e eram tudo jovem", contou uma cobradora, que relatou ainda a ocorrência de tiros.Neste ataque, além de um suposto tiroteio, um coletivo acabou incendiado e outro apedrejado na altura do Largo do Camarão, que fica perto de uma das entradas da comunidade do Calabar. Ônibus foi incendiado nesta terça (Foto: Hilza Cordeiro/CORREIO) Armados Um vídeo feito por moradores de um prédio vizinho mostra a situação no outro coletivo, que acabou incendiado. Os passageiros também foram forçados a deixar às pressas. Na frente do veículo, dá para ver uso de fogos de artifício e, possivelmente, disparos de armas de fogo. Veja abaixo.

Ainda segundo o motorista ouvido pela reportagem, os dois ônibus estavam lotados porque era horário de pico. 

De acordo com a Superintendência de Trânsito do Salvador (Transalvador), o ônibus do Consórcio Salvador Norte (CSN) ficou completamente destruído. Uma parte da via foi bloqueada logo após o ataque, para evitar que as explosões do veículo do Consórcio Salvador Norte (linha azul) atingissem outros veículos.

Às 20h30, o Corpo de Bombeiros já havia controlado o fogo. No entanto, parte da fiação elétrica de postes foi comprometida pelas chamas.

Na área, há várias câmeras. Investigadores fotografaram o local e devem recolher imagens que possam identificar os envolvidos.