Em 1979, filme estreou em Salvador com filas enormes, tumulto e decepção

Expectativa em torno do novo Homem-Aranha lembrou lançamento de O Último Tango em Paris

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  • Da Redação

Publicado em 2 de janeiro de 2022 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Carlos Catela/Arquivo CORREIO

Quebra de acordo entre estúdios, ameaça de descontinuação da saga, meses de ‘atraso’ até o lançamento e, claro, muita expectativa dos fãs. A novela que virou o lançamento do filme ‘Homem-Aranha: Sem Volta para Casa’ finalmente teve um desfecho neste mês, quando estreou nos cinemas de Salvador. E para alegria geral da nação miranheira, que compareceu em peso às salas, o super-herói teve uma ideia e prendeu todo mundo em sua teia, se tornando sucesso de público, crítica e civilidade entre os espectadores. 

Até onde se sabe, apesar das salas lotadas, não há registro de incidentes graves – no máximo um bando de maluco fantasiado dançando pagode num shopping. Situação bastante diferente do lançamento de outro filme, em dezembro de 1979, que também gerou grande expectativa e fez muita gente correr para comprar ingresso. 

A edição do CORREIO de 7 de dezembro daquele ano já avisava no título: “‘Último Tango em Paris’ causa filas e tumultos na estreia”. A reportagem, que não está assinada, conta que no dia anterior, desde o meio-dia, a movimentação de pessoas na porta do finado Cine Liceu, no Centro Histórico, era enorme, e “a afluência de público foi crescendo paulatinamente, a ponto de, às 14h, quando começou a sessão, a bilheteria ter sido fechada, por ordem do gerente do cinema, Braz Souza.”  

A situação parecia que estava tão fora de controle que além de seis guardas normalmente destacados para cuidar da área, um camburão com mais 14 policiais foi deslocado para acompanhar a movimentação do público de perto. 

Mas por que tanta agonia para ver um filme que estava longe de ser um blockbuster? Bom, o primeiro dado a ser considerado foi a espera para que ele fosse lançado por aqui: 7 anos é a diferença entre a estreia nos cinemas gringos, em 1972, e a liberação pela ditadura militar, que censurou o filme pelas cenas de nudez, sexo e – como o mundo ficou sabendo anos depois – estupro. 

A matéria narra as emoções quase palpáveis que mobilizavam o público soteropolitano, pouco antes das duas sessões que o jornal acompanhou. “Quem chegou cedo e pôde entrar não deixou de enfrentar o clima de estréia de qualquer realização importante: sensação de desmaios, gritos histéricos, sem falar na avalanche na hora do término do filme, quando os que estavam do lado de fora quase pisotearam quem queria sair do cinema: era a briga por uma poltrona”.  

Se a euforia para se acomodar era pegada linha Barra 3 na Estação Pirajá, o ritmo meio paradão do filme, cheio de papos astrais e estranhos, sem ninguém saltando entre edifícios, incomodou a maioria do público. As atuações de Marlon Brando e Maria Schneider não ganharam nem uma estrela, na média. 

“De um modo geral, o desconforto passado por centenas de pessoas não valeu a pena. Afinal, as opiniões convergiam num ponto: o filme de Bernardo Bertolucci não era tão forte como se imaginava. Os espectadores – a maioria apreciadores das pornochanchadas nacionais – consideravam que esperavam algo mais forte, principalmente em termos de cenas de sexo, motivo de a censura ter proibido sua exibição, há alguns anos, numa excessiva preocupação em defender a moral e os bons costumes nacionais”, avaliou o(a) repórter, sem saber que a mais controversa das cenas, a ‘da manteiga’, se tratava de um momento de estupro real, conforme o próprio Bertolucci viria a admitir em 2013. A atriz conviveu com o trauma por muitos anos, até sua morte em 2011, vítima de um câncer. 

O gerente Braz Souza explicou ao jornal que o Liceu era o único cinema da Bahia a exibir ‘O Último Tango em Paris’ “pelo fato da cadeia ter conseguido apenas uma cópia.” Ele considerou o sucesso do primeiro dia acima da expectativa “mesmo em dia de estréia”, mas lembrou, a respeito disso, que “a casa lota sempre”, citando como exemplo o filme ‘O Porteiro da Noite’ (1974).  

Balbúrdia e polícia Apesar do costume de receber grandes públicos, por questões de segurança, já que temia a reação da plateia ao final da exibição, Braz Souza adiantou-se e pediu reforço da Polícia Militar, e o Capitão Mueller, com seus 14 homens extras, foram os responsáveis por manter a lei e a ordem. Não seria tão fácil. 

“Enquanto, do lado de fora, as filas aumentavam – a ponto da vendagem de ingressos para a segunda sessão começar às 16h30, antes do previsto – na sala de projeção, os bocejos dos espectadores aumentavam, minuto a minuto. No hall de espera, a segunda turma de assistentes começava a se impacientar e a provocar balbúrdia. Aí começaram os xingamentos, as ofensas, transformando o ambiente num caos total.” 

Ainda de acordo com a reportagem, para piorar a situação, “as pessoas que não conseguiram lugar para sentar, estavam ainda mais impacientes, levantando-se a toda hora.” E a inquietação tinha um motivo extra: o sistema de ar-condicionado do Liceu não estava funcionando. 

A matéria lembrou que esse mal funcionamento poderia provocar a interdição do cinema, pela Prefeitura de Salvador, como havia ocorrido “recentemente no (Cine) Bahia, que pertence à mesma rede”.  

O texto terminou destacando que a decepção só não foi unânime porque teve gente que não foi ver o filme esperando uma espécie de pornochanchada à francesa. Foi o caso do engenheiro civil José Neto, que explicou sua visão pessoal sobre a reprovação quase geral: “Bertolucci é excelente. (...) Só vai gostar do filme quem entende de arte. Quem quiser ver pornografia, vai se decepcionar”. Eu também adorei. Nota 2.