Em casa com as crias: o primeiro Dia das Mães de quem pariu na pandemia

'Tenho muito medo de não vê-la na minha idade, como meus pais estão me vendo", contou uma das mães

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  • Fernanda Santana

Publicado em 10 de maio de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Danielle e Ylá têm sete meses de vida nos seus atuais papéis - a primeira como mãe, a segunda como filha. Ainda num período de descoberta recíproca, uma aprendendo a ser abrigo para a outra que aprende a ser gente, passaram o primeiro Dia das Mães isoladas do mundo. Vivem num apartamento apelidado de “Casulo do Amor”, onde, além delas, só cabe Yan, pai e marido.

A bebezinha sorri e grunhe a língua dos nenéns quando a mãe, a hairstylist Danielle Onawalle, 23, diz que já não pode ficar totalmente alheia como gostaria, “porque agora Ylá existe e precisa de proteção”. Até o nascimento da filha, como não tem televisão em casa, desviava das notícias diárias e do vulto de morte que circundava fora de casa, enquanto, dentro dela, despontava uma vida. Danielle com a pequena Ylá (Foto: Paula Fróes/CORREIO) “Tudo que há de mais belo” é o significado que os pais deram ao nome de Ylá e nele se reconforta uma mãe que teima em ver beleza em meio ao caos.

Essa bebê que simboliza o belo, e que “não foi planejada, mas muito desejada”, dá vida a mais uma mãe da pandemia. Ano passado, 181.035 mulheres se tornaram mães - pela primeira vez ou não - na Bahia, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. Em 2019, antes da pandemia, tinham sido 191.560 nascimentos - 6% a mais. No Brasil, foram 2,61 milhões de nascimentos registrados em cartórios em 2020, 168 mil a menos que em 2019.

Danielle passou o primeiro Dia das Mães como mãe de Ylá longe da própria mãe, Adalice, que fez aniversário justamente no último domingo. É uma experiência compartilhada com milhares de outras mães e que, vivida desta forma, não fica isenta de medo. Danielle, que agora não consegue se preservar conscientemente do mundo lá fora, comemora a vida ao mesmo tempo em que teme a morte.“Tenho muito medo de não ver ela na minha idade, como meus pais estão me vendo. Depois de Ylá, eu descobri isso”, completa ela. Entre uma frase e outra da mãe, Ylá dá sua risada, e é por ela Danielle tenta se manter firme e positiva. “Em meio a tanta coisa ruim, o universo deu um jeito de me presentar com algo tão incrível”. 

Número de nascimentos cresceu até abril deste ano 

Longe da casa onde nasceu e da mãe que vive em Seabra, na Chapada Diamantina, a artesã Amanda Rosa, 29, tentou tornar mais especial seu primeiro Dia das Mães. Preparou o almoço, em companhia do filho, Malauê, de sete meses, e do marido. “Eu sei que é uma data comercial, eu sei de tudo isso, mas não tem jeito, é um dia especial para mim”, conta.

No passado no interior, criada pela mãe - o pai não cumpriu a responsabilidade de pai - e outras mulheres da família, lembra de passar dias como este cercada delas. “Minha mãe não gosta muito de cozinhar, então eu ia para a cozinha”, recorda. Amanda se derrete pelo pequeno Malauê (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Amanda descobriu a gravidez em fevereiro do ano passado, menos de um mês antes do primeiro caso de covid-19 na Bahia. Lembra que sentiu medo, e também se fechou para as notícias do mundo exterior, para ter uma gestação mais tranquila e, quem sabe, trazer ao mundo um bebê mais sereno.“Ele é muito calminho. Acho que me apeguei tanto à minha espiritualidade, a Oxum, que no final eu sempre digo que Malauê veio na hora certa”, conta. Ela sente por não passar a data com a mãe, Armandina, que poderia também estar com o neto, mas sabe ser necessário se afastar agora para estar junto depois. Quando Malauê nasceu, sua mãe veio passar duas semanas com filha e neto, para ampará-los nos primeiros momentos de vida daquele arranjo familiar.

De todo esse processo de maternar numa pandemia, surgiu até um projeto musical - o Mães na Quarentena - e canções que começaram a surgir na cabeça de Amanda conforme ela ninava o próprio filho. “Nesse processo de mãe que coloca filho para dormir, as canções foram vindo”, compartilha.

A história de mães como Amanda e Danielle mostram que, apesar de uma diminuição não tão expressiva no número de nascimentos, as mães não deixaram de nascer.  Em abril deste ano, o Mistério da Saúde recomendou que as mulheres adiassem os planos de engravidar, já que a pasta afirma que as novas variantes do coronavírus têm sido mais agressivas em gestantes. Até março deste ano, o coronavírus deixou 16 recém-nascidos órfãos de mãe na Bahia, segundo a Secretaria da Saúde do Estado, desde março do ano passado. “No meu consultório, na verdade, eu vejo um aumento de mulheres que, teoricamente estavam adiando, acabaram engravidando sem querer”, diz a obstetra Bruna Bittencourt.Nos quatro primeiros meses de 2020, foram 59.142 nascimentos. Já até abril deste ano, foram 61.568 nascimentos.

A obstetra Bruna não vê tanta diferença nas inseguranças das mães. Primeiro, ela acredita que o medo vinha do desconhecimento. Agora, a gravidade das novas variantes é a preocupação principal. Mas as mulheres que queriam ser mães permaneceram, hoje, no intuito da maternidade. Quando Danielle vê Ylá sorri, e enxerga nela “tudo que há de mais belo”, talvez se entenda o porquê.