Em procissão de Santa Bárbara, devotos pediram por saúde de Irmã Dulce

Primeiras festividades para a santa aconteceram na região onde hoje fica a Ladeira da Montanha

Publicado em 4 de dezembro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Desde 1987, festa é organizada pela Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos; em 1994, 3 mil pessoas tomaram as ruas (Foto: Claudionor Júnior/Arquivo CORREIO) Era dezembro de 1990 e a saúde de Irmã Dulce, a freira baiana que se tornaria santa dali a 29 anos, não andava bem. Tinha dificuldades de respirar e, no Hospital Santo Antônio, recebia os cuidados de uma equipe dedicada a ela. Das ruas do Pelourinho vinha um reforço nas esperanças: em 1990, os pedidos durante a procissão de Santa Bárbara, realizada no dia 4 de dezembro, foram voltados para o restabelecimento da saúde da religiosa.

Irmã Dulce viveu até 1992 e fazia muito sentido que, naquele momento, os fiéis pedissem logo a Santa Bárbara pela saúde da freira: a santa era conhecida pela força, como dizia um texto publicado pelo CORREIO no dia 5 de dezembro de 1990.

Havia três anos que a festa de Santa Bárbara, celebrada em 4 de dezembro, era organizada pela Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Uma procissão seguia pelas ruas do Centro Histórico, passando pelo quartel do Corpo de Bombeiros – de quem a santa é padroeira –, ia até o Taboão, passava pelo Plano Inclinado e voltava à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho. É de lá as fotos mais comuns publicadas em jornais até hoje. 

As ruas do Centro eram tomadas por gente vestida de vermelho e branco, em alusão à santa e também a Iansã, orixá ‘correspondente’ a Santa Bárbara no candomblé. Apesar da presença de católicos e candomblecistas na celebração, havia um pedido do pároco do Rosário dos Pretos, padre Hélio Rocha, de que as coisas não se misturassem – pelo menos não dentro da igreja. Quase em vão.

Naquele ano, a missa celebrada no Rosário dos Pretos contou com a presença de quatro padres e de personalidades locais.“No final da cerimônia, os padres solicitaram às pessoas presentes que ‘não dessem santo’, respeitando as tradições católicas durante o percurso da procissão. O pedido, atendido na missa, não foi considerado quando a procissão se pôs na rua e principalmente quando chegou ao Quartel dos Bombeiros. Lá, pelo menos três pessoas ‘deram santo’, aplaudidos pela multidão em roda, rivalizando com a própria imagem da santa”, dizia texto publicado pelo jornal no dia seguinte.Tradição e fé Em 1990, já existia um certo temor de que a festa, celebrada naquele formato há mais de 100 anos, acabasse esmorecendo, principalmente por conta das dificuldades financeiras para manter a tradição. Clarindo Silva, comerciante local e dono da Cantina da Lua, rebatia a possibilidade, afirmando que a fé dos devotos não deixaria a festa cair. Parece verdade, já que mais de 30 anos após aquela celebração, somente a pandemia impediu a realização da festa com ampla participação popular. No ano passado, as celebrações aconteceram dentro da igreja e os bombeiros, que costumam oferecer caruru, distribuíram quentinhas à população de rua. Fiéis lotam as ruas do Centro Histórico durante procissão em 1994 (Foto: Claudionor Júnior/Arquivo CORREIO) Em 1994, fotos de Claudionor Júnior publicadas pelo CORREIO já mostravam as ruas lotadas desde o Terreiro de Jesus. Cerca de 3 mil pessoas acompanharam a imagem de Santa Bárbara pelas ruas do Centro Histórico, sempre ao som da Banda Marcial do Corpo de Bombeiros, regida pelo subtenente Messias.

Como de costume nas festas populares que ganham as ruas de Salvador a partir de dezembro, as homenagens a Santa Bárbara também tiveram seu lado profano em 1994. Aliás, tão profano que, à época, o jornal classificou como de mau gosto a forma como muitos perderam a linha depois da cerveja nas barracas montadas nos arredores.

De antigamente Embora se fale que as festividades acontecem há pouco mais de 100 anos, há documentos que mostram que as homenagens a Santa Bárbara começaram muito antes, ainda no século XVII, no antigo Morgado - hoje, depois chamado de Mercado de Santa Bárbara, que ficava nas imediações de onde hoje fica a Ladeira da Montanha. É o que explica o historiador Rafael Dantas, que estuda a iconografia de Salvador."No lugar atualmente existe um prédio eclético da primeira metade do século XX onde funciona a Faculdade Dom Pedro II, prédio que já sediou a Rede Ferroviária Federal, em frente à Praça da Inglaterra", situa.Segundo ele, as homenagens aconteciam naquele lugar porque dentro do Mercado existia uma capela para Santa Bárbara construída a mando do casal Francisco Pereira e Andressa de Araújo, ainda no século XVII.

"Só na década de 80 do século XIX é que os comerciantes do antigo mercado foram transferidos para a atual Baixa dos Sapateiros; e lá continuam até hoje, comemorando os festejos na igreja do Rosário dos Pretos", completa Rafael. Antes de chegar à região da Baixa dos Sapateiros, festa acontecia no Mercado de Santa Bárbara que ficava próximo de onde hoje é a Ladeira da Montanha (Foto: Claudionor Júnior/Arquivo CORREIO) Outra curiosidade sobre a festa é que a imagem da santa "passeou" por outros lugares. Já pertenceu à Igreja do Corpo Santo e à Conceição da Praia, antes de ser colocada na Igreja do Rosário dos Pretos."Interessante pontuar como as festas também possuem essa característica de acompanhar ou não as mudanças impostas pela sociedade, são andantes, morrem, se transformam ou passam por transformações. No decorrer do século XX, a festa já era um marco do calendário festivo, atrelado ao turismo em Salvador, conforme mostram livros, guias e fotografias de meados do século", afirma o pesquisador.