Em Salvador, grupo protesta no Extra contra morte de jovem no Rio; veja vídeos

Na quinta-feira passada, vítima de 19 anos foi asfixiada por segurança

  • Foto do(a) author(a) Tailane Muniz
  • Tailane Muniz

Publicado em 18 de fevereiro de 2019 às 20:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Quem esteve no supermercado Extra, localizado na Avenida Paralela, em Salvador, na noite desta segunda-feira (18), viu e ouviu de dezenas de pessoas que viver também é um direito do povo negro. Por meio de faixas e cartazes, o recado foi dado: 'Vidas negras importam'.

A manifestação, realizada por entidades e organizações negras, repudiou o assassinato do jovem Pedro Gonzaga, 19 anos, na última quinta-feira (14), dentro de uma unidade do Extra da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Na frente da mãe, Pedro foi asfixiado até a morte por um dos seguranças do estabelecimento. O vídeo que filmou a morte de Pedro mostra o momento em que a mãe do jovem pergunta: "Está desmaiado, não está não?". Outra fala: "Ele tá com a mão roxa". Mas o segurança se nega a sair de cima e responde: "Quem sabe sou eu". Outros funcionários do supermercado ainda circundam os dois homens no chão, mas nada fazem.

O protesto, segundo a professora Gicélia Cruz, 51, foi o jeito que o povo negro encontrou de dizer que está vivo e em alerta."É inaceitável que nós sejamos assassinados e que nossos corpos, sobre o chão,  não choque. Estamos mobilizados para que a sociedade saiba que não vamos aceitar nenhum a menos". Gicélia, que é mãe de uma jovem negra de 28 anos, acredita que as manifestações realizadas no resto do país são o reflexo de que as pessoas têm, aos poucos, tomado consciência de sua identidade.

"Somos, atualmente, uma elite intelectual negra. Não estamos mais à venda, como escravos. Temos muito ainda que conscientizar, mas muitos de nós já sabemos quem somos" afirmou, sem largar o cartaz que estampava, em vermelho: "Podia ser meu filho". Foto: Arisson Marinho/CORREIO Sociedade racista O caso foi registrado na Delegacia de Homicídios para onde o segurança foi levado preso e liberado após pagar fiança de R$ 10 mil. Ele deve ser indiciado por homicídio culposo (sem intenção de matar). A direção do supermercado informou, em nota, que os seguranças envolvidos na ação foram definitivamente afastados.

Coordenador-geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Yuri Silva defende que o racismo é estruturado nas principais esferas do Estado.

"A sociedade brasileira é racista e nos enxerga como corpos a serem exterminados. Isso é muito doloroso para nós. Os órgãos públicos, em nenhuma de suas esferas, têm dado atenção a esse tema", afirmou.

 

O ato reuniu mais de cem pessoas e, a princípio, ficou concentrado no estacionamento do supermercado. Por volta de 19h, no entanto, os manifestantes entraram no estabelecimento e clamaram pelo fim do genocídio do povo negro.

Aos gritos, entoaram: "Vidas negras importam", "Pedro Gonzaga, presente!", "Marielle, presente!", e "Parem de nós matar!". A Polícia Militar foi chamada e acompanhou toda a movimentação. O grupo não foi impedido de circular nas dependências da loja.

Morte cotidiana E se a morte de Pedro Gonzaga chocou o país por ter sido filmada, segundo o historiador Henrique Oliveira, 29, que esteve presente no ato em Salvador, mulheres e homens negros são diariamente assassinados longe das lentes.

Militante do coletivo Minervino de Oliveira, ele também repudiou as mortes em decorrência de ações policiais na Bahia."O ato é importante para demarcar nosso espaço. Mas a morte de Pedro é uma simbologia do que acontece cotidianamente. Somos mortos pela aparência, somos mortos em troca de tiros em situações, muitas vezes, não explicadas pelo Estado", afirmou Henrique ao CORREIO.A passeio na capital, a paulista Gabrielle Nascimento, 20, militante anticárcere, considerou o protesto "massificado". "É muito importante que estejamos presentes, sim, neste ato, contra o genocídio do povo negro, especialmente por ser aqui, um estado potencialmente negro. A Bahia e sua luta são um exemplo para nós, uma grande referência. Nossas vidas importam", disse a jovem, que participa de uma mesa redonda sobre o assunto na próxima quinta-feira (21), na associação IDEAS, no bairro da Mouraria.   O jornalista Welber Santiago, 28, foi um dos que entraram no Extra.  "Esse ato hoje é muito importante para toda comunidade negra brasileira. É o povo negro quem mantém as portas do Extra abertas, todos os dias", comentou. Salvador, polo mais negro do mundo fora da África, de acordo com Welber, deu uma aula aos brancos, a quem se referiu como minoria.

Resposta Em nota, o supermercado Extra, que pertence ao Grupo Pão de Açúcar, reafirmou que repudia atos de violência e racismo em suas lojas e, ainda, que abriu uma investigação interna para apurar o caso.

O documento acrescenta que a rede Extra não vai se eximir das responsabilidades diante do ocorrido e disse que tem "total interesse em esclarecer a situação o mais rápido possível, colaborando com as autoridades e fornecendo todas as informações disponíveis".

"Acrescentamos que, independentemente do resultado da apuração dos fatos, nada justifica a perda de uma vida. A companhia se solidariza com os familiares de Pedro Henrique de Oliveira Gonzaga nesse momento de dor e de tristeza. Sobre as manifestações, o Extra entende a dor e se solidariza com o sentimento em torno da morte do Pedro Henrique. Reiteramos que estamos contribuindo com as autoridades responsáveis para que o episódio se esclareça rapidamente e reforçamos que somos contra todo ato de violência, excessos e de racismo.  Como empresa presente no país há 30 anos e que emprega mais de 20 mil pessoas, o Extra não se exime de suas responsabilidades e do compromisso de buscar a melhoria contínua", conclui a nota.