Empresas de Salvador desobedecem decreto sobre isolamento social

Fiscais interditaram 85 locais e outros 32 perderam os alvarás

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  • Gil Santos

Publicado em 31 de março de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/ CORREIO

Até o último final de semana, 85 estabelecimentos foram interditados em Salvador por descumprir os decretos que proíbem o funcionamento dos salões de bares e restaurantes, lojas, instituições de ensino e academias. O setor de bares e restaurantes foi o mais vistoriado e o segundo que mais ignorou as regras. As medidas são para barrar o avanço da contaminação pelo novo coronavírus. Até às 17h desta segunda-feira, 30, havia 176 casos confirmados da doença na Bahia, com 2 mortes.

O Subúrbio Ferroviário é uma das regiões que mais tem dado dor de cabeça para os fiscais. Bares e restaurantes estão abrindo os salões e colocando as mesas para os clientes, contrariando a ordem da prefeitura para que não haja aglomeração nesses espaços. Eles estão autorizados apenas a vender alimentos e bebidas para serem consumidos pelas pessoas em suas residências e a oferecer o serviço de delivery (entregas em casa).

Segundo o coordenador de fiscalização da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), Everaldo Freitas, bairros populares como Mata Escura, Cajazeiras, Pau da Lima e Nordeste de Amaralina também estão entre aqueles que dão mais trabalho. Ele acredita que os moradores ainda não se conscientizaram do tamanho do problema.“Os bairros mais populares são os que a gente vem observando a maior parte dos casos. A população ainda não percebeu a importância de evitar as aglomerações e de seguir as normas da Secretaria da Saúde e da Organização Mundial da Saúde. Nessas vistorias estamos encontrando também lugares que estavam funcionando sem as licenças da prefeitura e da Visa (Vigilância Sanitária), como um lugar que vendia comida a quilo na Barra”, contou.Notificação

Quem descumpre o decreto na primeira vistoria é notificado e interditado. Nos casos de reincidência, as penalidades aumentam. A medida mais dura é a cassação do Termo de Viabilidade de Localização (TVL) e do Alvará de Funcionamento. Por enquanto, não estão sendo aplicadas multas.

“Se o estabelecimento for interditado, o proprietário vai entrar com um processo de desinterdição que será apreciado pelo secretário. Se for uma cassação, ele vai ter que fazer o pedido de um novo alvará de funcionamento e vai ser reanalisado se aquela atividade pode ser desenvolvida naquele lugar. E como a Lei do Uso do Solo mudou, pode acontecer dele não ter mais aquela licença”, explicou Freitas.

Alex Sandro Conceição é um dos fiscais da Sedur responsáveis pelas vistorias. Ele contou que 40% dos comerciantes notificados tentam justificar ou até mesmo atrapalhar a ação.“A maioria diz que não tem como evitar as aglomerações e alguns tentam impedir a interdição do espaço, por isso, estamos contando com o apoio da Guarda Municipal e até mesmo da Polícia Militar, em alguns casos”, afirmou.Depois que o estabelecimento é interditado o proprietário precisa procurar a Sedur para solicitar a desinterdição, mas a abertura do espaço não será autorizada enquanto durar o decreto. No caso dos bares e restaurantes, a medida entrou em vigor na quarta-feira (25) e tem prazo de 15 dias, mas pode ser prorrogada.

Até o último domingo, 1.885 bares e restaurantes e 17 casas de eventos tinham sido vistoriadas. Das 85 interdições, 20 pertencem a esse segmento. Alex Sandro contou que a maioria das notificações aconteceu à noite. “No final de semana é quando temos mais ocorrências. Estamos recebendo muitas denúncias da população e isso também tem ajudado na fiscalização. A cidade toda tem registro de casos”, disse.

Quem quiser denunciar os bares, restaurantes ou loja que não seguem o decreto pode ligar no telefone 160.

Vistorias por setor:3.539  - Vistorias, no total

1.885 - Bares e Restaurantes

508 - Academias

483 - Instituições de ensino (faculdades, cursos preparatórios, escolas, creches)

264 - Templos religiosos

112 - Clínicas de Estética e Salões  de Beleza

80 - Shopping Centers e Centros comerciais

79 - Lojas do comércio de rua, com área superior a 200 me- tros quadrados

28 - Supermercados

19 - Obras

19 - Call Centers

17 - Casas de Eventos

3 - Cinemas

1 - Parque infantilRespeito às regras

Apesar dos desobedientes, há quem respeite as regras. Na manhã desta segunda-feira, 30, uma das equipes de fiscalização percorreu as avenidas Sete de Setembro e Joana Angélica, e a Rua Carlos Gomes, mas poucas lojas abriram. Havia apenas duas delas funcionando na Av. Sete em um quarteirão inteiro, e outra solitária, alguns metros à frente.

Todas cumpriram a determinação de não permitir aglomeração, mas não poderiam fazer o contrário nem se quisessem. O movimento de clientes era pífio. Filas apenas nas agências bancárias e movimento nas farmácias, únicos estabelecimentos autorizados a funcionar sem maiores restrições, mas orientandos a manter a distância entre os clientes.

No caso das lojas comuns, as maiores de 200 metros quadrados não podem abrir as portas e as que se enquadram nesse limite não podem permitir aglomeração. Até o domingo, 79 das grandes foram vistoriadas e 27 interditadas por descumprir o decreto. Algumas instituições de ensino, como creches, escolas, cursinhos e faculdades também têm desrespeitado a ordem. Foram 18 interdições até esse final de semana. No total, 32 estabelecimentos perderam o alvará de funcionamento.

Veja o que acontece com quem burlou decreto:*Quanto tempo dura a interdição? – Uma vez interditado é preciso entrar com um processo de desinterdição na Sedur para o secretário avaliar a situação. O tempo varia, mas a interdição não será retirada enquanto durar o decreto. 

*Quem perdeu o alvará tem que fazer o que? – É preciso dar início a um novo processo de licença na Sedur. Devido a mudanças na lei que estabelece as regras do Uso e do Solo em Salvador esse alvará de funcionamento pode não ser mais concedido. 

*Qual a diferença entre interdição e perda de alvará – A interdição é um processo mais simples porque o proprietário já tem a licença, e depende apenas da avaliação da Sedur. A perda do alvará é para casos mais graves e vai exigir novamente um pedido de licença na prefeitura, o que demora mais e pode não ser autorizado.Veja gráfico sobre as interdições: Na Avenida Mário Leal Ferreira (Bonocô) apenas oficinas mecânicas e mercados funcionaram nesta segunda-feira. Os dois tipos de empreendimentos estão autorizados. Concessionárias e revendedoras de carro fecharam as portas. A prefeitura argumenta que o isolamento social é uma recomendação dos órgãos e profissionais de saúde, mas a decisão divide opiniões.

O comerciante Anderson Nascimento, 41 anos, tem um bar no Subúrbio e contou que abriu o estabelecimento nos três primeiros dias em que o decreto entrou em vigor. “A decisão da prefeitura começou a valer na quarta-feira, mas eu abri mesmo assim porque tenho uma família para sustentar e funcionários para pagar. Quando foi no sábado os fiscais vieram e fecharam dois bares aqui perto. Acho que alguém deve ter denunciado. Achei melhor não abrir mais o meu, mas estou preocupado com as contas”, afirmou.

Para ele, o fechamento dos bares e restaurantes foi uma medida exagerada. Já a costureira Maria Celeste dos Santos, 56 anos, acredita que o Município fez bem em proibir o funcionamento desses espaços.“São locais em que se concentra muita gente, todo mundo perto um do outro, e o vírus é transmitido ao espirar ou tossir, então, acho muito perigoso deixar esses locais abertos. É complicado não conseguir pagar as contas, eu sei, mas é mais complicado ainda não estar vivo para pagar as contas”, contou.Falta de convenção gera insegurança

A queda de braço entre os empresários e os empregados do comércio para a aprovação de uma convenção coletiva que se arrasta há mais de dois anos pode tornar a situação desses trabalhadores ainda mais complicada. 

Segundo o diretor do Sindicato dos Comerciários, Alfredo Santiago, a categoria está há 36 meses com os salários congelados, com exceção apenas de alguns casos em que as empresas resolveram fazer acordos independentes. A entidade já tem recebido denuncias de demissões ocasionadas pela crise provocada pelo novo coronavírus. “Vale lembrar que o governo agiu tardiamente, mas vem adotando medidas emergenciais de proteção para salvar as empresas e os empregos, como o pagamento dos salários dos trabalhadores das micro e pequenas empresas, a prorrogação do pagamento dos tributos federais pelo Simples, e das declarações de informações. A suspensão da exclusão dos inadimplentes, maior prazo para as empresas pagarem o FGTS, tem zerado imposto de importação de alguns produtos, e a justiça começa a permitir que empresas atrasem pagamentos de impostos”, afirmou. Santiago diz que a entidade que representa os empresários fez uma proposta de acordo coletivo, mas que “a proposta deles é indecorosa”, que precariza o trabalho e não atende a nenhum dos pedidos dos trabalhadores. Ele frisou que a categoria esta aberta para dialogar. 

Já o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio da Bahia (Sindilojas), Paulo Motta, afirmou que a falta de uma convenção coletiva deixar o terreno ainda mais incerto para os empregadores e para os empregados.“Há 15 dias nós apresentamos uma convenção extraordinária durante esse período (pandemia da Covid-19) que garantia a estabilidade dos empregos dos comerciários e pedia que, nesse período, em que a projeção não voltasse à plenitude, fosse flexibilizada a convivência entre os empregadores e o trabalhador, como rever férias e décimo terceiro salário, mas eles não aceitaram”, disse.Motta argumentou que o cenário é complicado e que os empresários não podem garantir a manutenção dos empregos. Perguntado se as demissões já estão ocorrendo, ele disse que as ações são individuais. “Mas a possibilidade de ter diminuição do quadro funcional das empresas é muito forte. É uma questão de sobrevivência”, afirmou. Coronavírus: bares e restaurantes de Salvador esperam auxílio da União

Donos de bares esperam auxílio da União 

O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-BA), Daniel Alves, afirma que a situação é grave e que o socorro deve rá vir  de Brasília. 

“A gente está esperando uma proposta do governo federal. Uma delas já foi enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal) e o STF já liberou, que é fazer o pagamento por dois meses da folha  dos nossos funcionários. Agora, estamos esperando o governo federal  definir as estratégias que serão adotadas nas próximas semanas e meses”, diz. 

Desde a quarta-feira (25), esses estabelecimentos estão proibidos de abrir o salão para os clientes em Salvador. A medida é para evitar aglomeração e a transmissão da Covid-19. O decreto tem validade de 15 dias, mas pode ser prorrogado. Alves frisou que a crise vai se estender para além desse prazo.

“Mesmo na hora que cair o decreto, a crise não vai se resolver de imediato porque não teremos movimento. A maioria dos bares e restaurantes não tem capital para durar mais que um mês fechado, e o delivery apenas  não sustenta o estabelecimento”, acrescenta.

Apesar de tudo, o presidente da Abrasel afirma que entende que o fechamento de bares e restaurantes é uma medida de saúde pública e orienta que os empresários obedeçam a determinação da prefeitura.  Salvador tem cerca de 12 mil bares e restaurantes, que empregam cerca de 122 mil trabalhadores