Entenda como funcionarão as eleições 2020 em meio à pandemia

Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), magistrado Jatahy Júnior fala ao CORREIO sobre a possibilidade de adiamento

  • Foto do(a) author(a) Daniela Leone
  • Daniela Leone

Publicado em 22 de junho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Jatahy Júnior é presidente do TRE-BA

As eleições municipais no Brasil estão marcadas para o primeiro domingo de outubro, dia 4, como prevê a Constituição, mas a pandemia de coronavírus pode fazer com que a data para escolher os novos prefeitos e vereadores do país seja modificada, o que requer aprovação de uma proposta de emenda constitucional. 

Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), Jatahy Júnior admite a possibilidade de adiamento. Em entrevista ao CORREIO, o magistrado falou, entre outros assuntos, sobre o cenário imposto pela covid-19 e as estratégias estudadas pelo órgão para garantir a segurança dos eleitores e mesários. Confira.

Como serão as eleições no contexto da pandemia de coronavírus?

O problema do coronavírus está criando um transtorno geral para a humanidade, para o mundo, para o Brasil, e a Justiça Eleitoral não é exceção a isso, mas nós temos eleições marcadas. Os mandatários municipais, prefeitos, vereadores, têm seu prazo final de mandado em 31 de dezembro de 2020 e em um estado democrático de direito só se exerce mandado outorgado pelo povo. Fora disso estaríamos afrontando a Constituição, as leis do país e a própria democracia. O TSE tem orientado a todos os Tribunais Regionais de que o calendário eleitoral está mantido. Nós temos nos valido da tecnologia da informação, permitindo que todos os tribunais tenham condições de cumprir o calendário eleitoral. Ultrapassamos já etapas importantes, que, inicialmente, seriam de grande dificuldade, que foi no dia 4 de abril, último dia para mudança de partido, para que as pessoas que pretendem ser candidatas em 2020 fizessem filiação e desfiliação, mudança de domicílio eleitoral. No dia 6 de maio, também conseguimos fazer o fechamento do cadastro eleitoral, garantindo a todos o direito de fazer as suas novas inscrições, transferências e revisões através do denominado 'título net'. Foi um sucesso. Na Bahia, tivemos mais de 60 mil novas inscrições, todas através da internet. Estamos nos valendo do que, na verdade, a humanidade está se valendo para prosseguir com a vida e nossas obrigações. A Justiça Eleitoral, porque tem uma grande obrigação este ano, está se valendo disso para fazer a preparação para a eleição.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estuda a possibilidade de adiar a eleição para novembro por causa da pandemia?

Até hoje está mantida. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, tem conversado com as lideranças do Congresso Nacional, o presidente do Senado, da Câmara, os líderes partidários, com as autoridades sanitaristas e médicos para chegar a uma conclusão, se é necessário o adiamento por poucas semanas dessa data que está fixada no calendário eleitoral. Todo ano de eleição, o TSE baixa um calendário eleitoral e o dia da eleição é uma das datas desse calendário. Há uma possibilidade, uma discussão sobre o tema de ser adiada por algumas semanas. Fala-se no dia 15 de novembro para se realizar o primeiro turno e o segundo turno em 29 de novembro. Hoje é o mais provável, mas isso ainda está por definir. Não tem nada decidido ainda. O Ministro Barroso, que é o líder maior da Justiça Eleitoral, tem conversado e é possível que isso aconteça, mas hoje nós todos estamos trabalhando com o calendário em vigência e o calendário de hoje é o dia 4 de outubro.

O que será determinante para decidir pelo adiamento da eleição?

Uma coisa parece que todos nós temos consciência. Seja mantido o calendário com a data da eleição, seja adiada por poucas semanas ou até se, por absurdo, fosse adiada para o ano que vem, nós teremos que fazer uma eleição ainda com o vírus circulando. A tendência é que esse vírus ainda circule por um bom tempo. O que se está pensando é de um adiamento por poucas semanas, a fim de que nessa nova data essa curva de contágio já esteja numa decrescente mais acentuada, então o perigo seria menor.

Há a possibilidade de a eleição não ocorrer esse ano?

A única possibilidade que eu penso - e aí é uma opinião minha, não é algo que se está discutindo - é se houvesse uma surpresa bastante grande, uma segunda onda de contágio, que inviabilizasse qualquer tipo de movimentação do ser humano. Possibilidade, existe. Eu acho que é improvável, mas estamos com um vírus terrível, que mata rapidamente e impiedosamente, que pouco conhecemos. Os cientistas estão se desdobrando, o mundo todo, mas ainda pouco conhecemos. O pouco que conhecemos nos dá uma esperança concreta de que tenhamos condições de fazer as eleições. Se não na data marcada, 4 de outubro, em data próxima, mas ainda esse ano. É bastante salutar que as eleições sejam feitas esse ano, porque o mandado tem início e fim. No estado democrático de direito, o mandado popular tem que sair das urnas. Os nossos mandatários municipais encerram a sua legitimidade de exercício do cargo no dia 31 de dezembro. Seria muito ruim para nossa democracia ter que se admitir pessoas sem a legitimidade das urnas exercendo mandados. Eu tenho esperança concreta que tenhamos condições de fazer, estamos trabalhando nesse sentido. Na sexta-feira, eu estive lá na central de depósito de urnas, onde fazemos a manutenção periódica dessas urnas, fui presencialmente, com todos os cuidados. O trabalho está sendo feito. O TRE-BA está se desdobrando e tem condições de realizar as eleições esse ano.

Em caso desse pior cenário, de realização da eleição apenas no ano que vem, os atuais mandados seriam prorrogados?

São indagações com respostas difíceis. Nós não temos a solução no nosso ordenamento jurídico. A solução para esse problema não está na Constituição, que é o nosso farol. São perguntas com respostas com um grau de dificuldade muito grande.

Quais são as estratégias que o Tribunal Regional Eleitoral estuda adotar por causa da pandemia para realizar a eleição?

Nós estamos discutindo outras medidas para que minimizem a situação, como por exemplo a criação do tempo de tomada de votos no dia da eleição. Ao invés de terminar 17h, está se pensando em ampliar esse período de tomada de voto e o encerramento só acontecer por volta das 20h. Teríamos mais três horas, a fim de que os eleitores daquela seção pudessem ter mais tempo e evitar grandes aglomerações. Outra discussão em questão e colocada também na mesa é se recomendar que o eleitor idoso tivesse um período do dia só para ele, mas isso não de forma impositiva e sim de uma maneira que se reservasse um tempo para que os idosos primeiramente exercessem o seu direito de voto. Uma coisa também é certa, os mesários, cidadãos brasileiros que prestam serviço à nação de forma voluntária, terão os equipamentos de proteção individual. Está se pensando quais são os itens desses equipamentos necessários para fornecer aos mesários no dia das eleições. Tal como vamos cuidar dos mesários, das pessoas que trabalham, também vamos dar as condições de segurança ao eleitor. Está se pensando como será feita a desinfecção do local de votação entre um eleitor e outro, como será feita a higienização da mão do eleitor, em recomendar que cada eleitor leve a sua própria caneta para tocar o mínimo possível em objetos que não sejam pessoal. O fato é que se está trabalhando para que a eleição supere essas dificuldades impostas pelo efeito da pandemia, a fim de que o Brasil consiga realizar suas eleições.  

Como será feita a escolha dos mesários?

É um serviço que o cidadão presta à nação. Como o jovem que completa 18 anos é convocado para o exército, nós também da Justiça Eleitoral convocamos o cidadão para prestar esse serviço à nação na condição de mesário. A Justiça Eleitoral tem trabalhado para o surgimento desses mesários voluntários, que é o ideal, aquelas pessoas que se propõem a fazer esse serviço. Os mesários têm vantagens, eles têm uma certidão de prestação de serviço e quando disputam um cargo público eles têm pontuação a mais por ter prestado serviço à nação, os servidores públicos têm folga após a realização das eleições, então, apesar de ser um serviço gratuito, não deixa de ter alguma vantagem. O que acontece é que com os voluntários não têm muito problema, porque vão por vontade, mas têm aqueles que são nomeados e resistem um pouco. Lógico que agora vamos tentar fazer uma seleção evitando designar como mesários aqueles que integram grupo de risco, idosos e portadores de alguma doença que o inclua no grupo de risco. Esse é um trabalho que ainda será desenvolvido pela Justiça Eleitoral. A partir do final da primeira quinzena de julho os mesários serão nomeados e começam os treinamentos desses mesários valendo-se da tecnologia da informação. Já nas eleições anteriores esse treinamento de mesários tem sido feito pela internet e nós vamos intensificar esse tipo de treinamento, mas, certamente, aqueles que são coordenadores de locais de votação, os mais importantes, eles precisam de treinamento presencial e isso será feito tomando todos os cuidados, com distanciamento, máscaras, álcool em gel, desinfecção dos locais onde ocorrerão esse treinamento. Essa é a ideia básica. É o que estamos traçando e o que pretendemos fazer. Inclusive, precisamos retomar os trabalhos e eu nomeei uma comissão para que me apresentasse um plano de retomada dos trabalhos presenciais. A ideia é que a partir de julho seja retomado com todas as cautelas os trabalhos presenciais da Justiça Eleitoral da Bahia.

O mesário que não se sentir seguro para prestar o serviço por conta do coronavírus poderá se negar a fazê-lo excepcionalmente nessa eleição?

É uma obrigação, tal como o serviço militar. As razões pelas quais ele pode se eximir são as mesmas. Os juízes eleitorais das zonas são as autoridades competentes para apreciar o pedido de dispensa do mesário. O que eu acho que o juiz terá de novo é o fato de terem pessoas que no passado não tinham razão para pedir dispensa e hoje têm por integrarem grupo de risco. Antes, precisava para deixar de ser mesário estar com uma doença que o incapacitasse para a função. Penso que hoje o fato de ser grupo de risco talvez alguns juízes já entendam como uma razão de ser dispensado dessa missão.

As zonas eleitorais serão redesenhadas?

Nas eleições de 2018, tivemos alguns problemas de grandes filas principalmente em seções reservadas para idosos e pessoas com necessidades especiais. O TSE baixou uma resolução determinando que fossem reservadas seções para essas pessoas e uma interpretação mal feita fez com que o Tribunal aqui botasse seções com todos os eleitores idosos e portadores de necessidades especiais, quando, em verdade, o que a resolução quer é que se reserve locais de votação de fácil acesso, que tenham rampa e que essas pessoas que precisam dessas condições especiais fiquem nessas seções, mas não que todos nessa seção tenham essas condições, porque se todos precisam, então não tem como você privilegiar a eles. Foram filas de pessoas cadeirantes, idosas. Isso nós oportunizamos logo depois que foi constato esse erro na eleição passada e muitos já se transferiram dessas seções. Ou seja, a ideia é que as seções especiais não tenham mais do que 20% de pessoas com essas condições, idosos ou portadores de necessidades especiais para que, quando eles cheguem, eles sejam logo atendidos na frente daqueles 80% que não tenham condição especial. O objetivo é que aquela fila que ocorreu em poucas seções esse ano em 2020 não volte a acontecer. O que penso que vai nos ajudar esse ano é que é um ano de eleições municipais, então os eleitores só terão que fazer duas escolhas, para prefeito e vereador. Penso que será mais rápido. Na eleição de 2018 eram muitos outros votos. Esse ano, penso que não teremos grandes filas como ocorreu no ano de 2018.  

A biometria será mantida?

Isso também é uma questão em discussão. Alguns defendem que nas eleições deste ano seja dispensado a identificação biométrica e que se volte a fazer pela identidade, porque quanto menos contato com os equipamentos o risco é menor, mas também isso ainda não está definido. O presidente Barroco está ouvindo os técnicos de informática, as autoridades sanitárias para chegar à conclusão se a dispensa da identidade biométrica ajudará ou não.

A dispensa da biometria compromete de alguma forma a segurança do processo eleitoral?

Com a experiência de juiz de 34 anos de magistratura eu penso que não. A biometria é um plus a mais, é uma garantia que veio para a Justiça Eleitoral ter a certeza absoluta que uma pessoa não pode comparecer para exercer o direito de voto em lugar de outro, mas esse controle também pode ser feito de uma forma que não seja necessariamente pela biometria e eu te falo pela experiência de magistrado que é quase zero a possibilidade de alguém hoje se apresentar para votar no lugar de outro. O custo disso é muito alto, a pessoa está cometendo um crime, pode ser presa em flagrante por um voto que não vai definir a vitória daquele candidato que ele quer ajudar dessa forma criminosa. Temos tantas facilidades de comunicação. Hoje, todos nós temos um poderoso instrumento não mão, que filma e fotografa. Dificilmente, uma pessoa vai se arriscar tanto para ter tão pouco benefício. Se as autoridades sanitárias chegarem à conclusão de que vai ajudar para evitar o perigo de contaminação a dispensa do uso da biometria o prejuízo dessa dispensa para a identificação não é tão grande.

Quando será permitido o início das campanhas?

Logo depois das convenções tem o período de campanha. As convenções estão previstas para acontecer na segunda quinzena de julho. Não tenho memorizada a data, porque o calendário é longo.

O que pode e o que não pode na campanha?

Hoje, a pessoa pode se comunicar com o seu público, mas ele ainda não pode se colocar como candidato. Só a partir das convenções é que ele pode colocar como candidato. A legislação eleitoral é bastante grande e bem clara. Todos, facilmente, podem ter acesso a essas resoluções e vão saber o que pode e o que não pode.

Convenções partidárias virtuais estão autorizadas?

Estão autorizadas. Alguns partidos já se dirigiram ao TSE e a resposta foi positiva. Pode se fazer convenção partidária virtualmente. O TSE já se posicionou sobre essa matéria.

Quais são as regras para evitar aglomerações nas campanhas durante a pandemia?

Não está definido. O TSE ainda não inovou em nada. Lógico que a ideia é que isso seja por localidade. Talvez, seja possível fazer em determinado município em que a pandemia já perdeu a sua força, a contaminação do vírus já esteja em um índice bastante baixo. Essas cidades talvez tenham uma campanha com normalidade, ao passo que em outra em que a contaminação esteja muito grande tem que se fazer a eleição obedecendo as restrições das autoridades sanitárias. Eu penso que não terá uma regra geral em função dessa peculiaridade. Tem cidades como Manaus e Fortaleza que o noticiário diz que o declínio do contágio já é bastante acentuado. Acho que daqui a uns 60 dias isso já vai estar ainda mais acentuado. Tem locais em que a pandemia sequer chegou. Esperamos que não chegue e que, se chegar, chegue já enfraquecida. Ainda há muita coisa por decidir.

Muitas fake news estão surgindo nesse contexto de pandemia. O que o TRE está fazendo nesse ambiente?

Temos que combater as fake news primeiro de forma educativa. Eu penso que é o mais importante, que vai levar a um resultado a médio e longo prazo. Temos que nos educar a checar as fontes das informações que nos chegam. Há algum tempo ninguém usava cinto de segurança no Brasil, mas com as campanhas educativas mostrando que o cinto de segurança é importante para a preservação da vida, a coisa é automática, quando entramos no carro colocamos o cinto. Tem o lado punitivo também, aquele que não usa, o guarda vai e multa. Eu penso que com as fake news temos que trabalhar para que automaticamente o cidadão ao receber uma notícia, antes de acreditar e repassar, ele vá nas fontes de confirmação. Penso também que, tal como acontece quando a pessoa comete a infração no trânsito, aqueles que praticam a fake news de forma criminosa a Justiça Eleitoral, com a mão forte do Estado, tem que reprimir e assim já estamos fazendo. Nós já temos casos de pessoas que estão respondendo. Tem vários candidatos que já foram apenados, perderam mandados em razão de publicação de notícias falsas.

Qual o atual custo das eleições?

Eu não sei exatamente. Não é barato, mas os números eu não tenho. Penso que o benefício para a democracia, para o exercício da cidadania, por mais cara que seja a eleição, é necessária e tem que ser em período de dois anos. Não acho que as eleições devam ser de quatro em quatro anos, porque é muito tempo para que o cidadão seja chamado. Para que os mandatários saibam que a cada dois anos precisam dar satisfação ao seu eleitor, ao seu patrão. É uma somatória bastante elevada de recursos públicos, mas eu penso ser salutar para o regime democrático.

Em quanto o custo aumentaria em caso de adiamento das eleições? 

Penso que custo financeiro não aumenta em nada. O custo das eleições do dia 4 de outubro será equivalente ao que se gastará em 15 de novembro ou em outra data a ser definida. Financeiramente, não há aumento de custo.

As medidas que precisarão ser tomadas por causa da pandemia vão aumentar o custo da eleição?

No meu entender de forma insignificativa. Precisaremos ter mais cuidado para disponibilizar os itens de segurança de proteção individual. É o que eu enxergo a mais que se acrescerá ao custo. Não vejo um volume de impacto tão grande.

Tem dinheiro em caixa para as eleições?

Sim. O orçamento público já tem essa previsão para as eleições. Não penso também que seja o nosso problema hoje.

A pandemia pode enfraquecer a democracia?

Acho que não. Ao contrário. Acho que a pandemia tem mostrado que nós precisamos estar sempre atentos ao direito do cidadão, aos cuidados sociais. Penso até que é uma maneira de fortalecer a democracia. É na dificuldade que se cresce e eu penso que nas nossas dificuldades é que vamos cada vez mais fortalecer esse nosso sistema de governo democrático, que tem alguns defeitos, mas é o melhor de todos.

RADAR:

Bahia:

Eleitorado total: 10.894.038 (100%)

Eleitorado com biometria: 10.091.294 (92,63%)

Eleitorado sem biometria: 802.744 (7,37%)

Salvador:

Eleitorado: 1.897.315 (66,40% da população) / Biometrizados: 1.892.207 (99,73% do eleitorado)

Aptos 2018: 1.827.398 (63,95% da população) / Comparecimento: 1.579.601 (86,44%)