Entenda por que o preço dos combustíveis e dos alimentos aumentou

Greve dos caminhoneiros deixou postos desabastecidos e comida já começa a faltar

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  • Da Redação

Publicado em 25 de maio de 2018 às 03:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO
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A greve dos caminhoneiros autônomos, que protestam pelo quinto dia seguido contra os recentes reajustes dos combustíveis e pedem ao governo a redução de impostos, tem impactos não só no transporte de mercadorias pelo Brasil e na oferta de produtos, como em serviços comuns no dia a dia dos brasileiros – alimentos, combustíveis, cartas, remédios, transporte público, só para citar alguns.

Para entender o que está acontecendo no país nesse momento, antes é preciso ter em mente que o país é totalmente dependente de rodovias. É o que acredita o economista e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Oswaldo Guerra. "Esse impacto significativo sobre diversos setores é uma consequência de opções estratégicas do passado: de escolher como meio de transporte as rodovias – quase 90% das mercadorias são transportadas por rodovias"."Se tivéssemos logística mais dividida entre os modais – rodovias, ferrovias e hidrovias –, não estaríamos à mercê dos caminhoneiros", complementa Guerra. Em entrevista ao CORREIO, o especialista fala sobre as causas dos protestos e reflete sobre o porquê do preço dos combustíveis e dos demais serviços terem aumentado no país e na Bahia. Ele lembra que o fato de termos muitas rodovias faz com que o país dependa muito de petróleo. "Em razão disso, dependemos de commodities – mercadorias que os preços são determinados no mercado internacional. Acontece que o petróleo é uma dessas mercadorias e tem um agravante: existe a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e a maioria dos grandes produtores da matéria-prima fazem parte da organização. E a OPEP está segurando um pouco a oferta porque o preço está subindo", explica Guerra. 

De acordo com ele, o preço do barril do petróleo está ficando mais caro por conta do crescimento da economia mundial."O mundo, diferente do Brasil, que está mirradinho, está crescendo. Estão se desenvolvendo, criando novas tecnologias e, consequentemente, aumenta a demanda por petróleo. Assim, o preço aumenta", ilustra o professor.Outro fator que incide sobre o valor do barril de petróleo e outras commodities é o dólar. "A moeda está ficando mais valiosa porque a economia americana está forte e porque as taxas de juros nos Estados Unidos subiram. Muita gente está indo aplicar lá porque esses juros estão atraentes. Com o dólar subindo, o aumento no valor do barril de petróleo é inevitável, porque essa é a moeda global", acrescenta. Oswaldo Guerra acredita que o governo está em uma sinuca de bico (Foto: Divulgação) Em âmbito nacional, se o dólar está mais caro, outras commodities, como óleo de cozinha, soja, suco de laranja congelado, trigo, algodão, borracha, café, minério de ferro e inclusive petróleo ficam mais caros internamente.

"A Petrobras é a maior fornecedora da matéria-prima no país e, como toda empresa, quando compra o produto mais caro precisa repassar para o consumidor. Apesar de ter uma parte estatal, não pode fazer só o que o estado brasileiro diz. Porque o restante das ações está na mão de acionistas", pontua Oswaldo.

Ao segurar os preços dos derivados de petróleo, o governo gera um desconforto para os investidores e ameaça arrebentar a empresa. "O mercado de petróleo é muito volátil, sobe e desce a partir do barril e do dólar, fatores que variam diariamente. Quando o governo não quer trazer essa volatilidade do mercado internacional para o nacional congela. Assim, o consumidor fica satisfeito, a inflação é pressionada por outras coisas e os ambientalistas ficam pê da vida porque cada vez mais automóveis rodam. Isso aconteceu no governo Dilma", exemplifica o especialista. "E chega um momento que você quebra", reforça.

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Segundo ele, a Petrobras estava importando o produto cada vez mais caro e não transferia o valor para o consumidor por conta do preço congelado. Quando o novo governo assumiu, determinou que a Petrobras precisa ter a liberdade de deixar o preço variável."Acontece que os caminhoneiros, não só os autônomos, fecham contratos com as empresas. E, com a subida diária do preço do diesel, eles começaram a pessionar o governo para reduzir impostos. Porque eles fecham contratos temporários, de um ano ou dois, e não podem aumentar seu preço, senão as empresas chiam", explica. O governo, por sua vez, encontra-se em uma sinuca de bico porque não pode congelar o preço do petróleo como antes, para não quebrar a Petrobras, mas, por outro lado, está parando o país. "Pra piorar, estamos em um ano eleitoral. Daí que vem a decisão da Petrobras de congelar os preços por 15 dias. Com a política de congelar o preço, a empresa se endividada, mas, ao mesmo tempo, aumentar diariamente o preço de um país tão dependente de rodovias é complicado. Em economia não tem almoço grátis. Tem se buscar um meio termo. Congelamento não dá, mas flutuar diariamente também não é possível. O governo vai ter que achar alguma solução intermediária, tipo aumentar o preço de mês em mês ou tirar alguns impostos que inscidem sobre o diesel", opina o professor.

Outra opção seria a implementação de subsídios cruzados, em que o preço do diesel ficaria congelado e seria feita uma "compensação" em outras matérias-primas.

"Nesse caso, alguém vai ter que pagar e subsidiar o congelamento do diesel. Outros produtos, como a gasolina, aumentariam e os donos de carros particulares terão que pagar o preço. Se essa for a solução, pode ser que o motorista de táxi faça paralisação ou o de mototáxi, mas essas categorias tem menos representatividade que os caminhoneiros e não vão parar o país. O governo terá que ver onde desagradar menos", conclui. 

Entenda o protesto dos caminhoneirosOs aumentos seguidos nos preços do diesel levaram os caminhoneiros autônomos a fazerem uma paralisação em todo o país desde segunda-feira (21). A categoria pede que uma série dereivindicações apresentadas ao governo federal sejam atendidas. A principal reivindicação dos caminhoneiros é a redução da carga tributária sobre o diesel. Os motoristas pedem a zeragem da alíquota de PIS/Pasep e Cofins e a isenção da Contribuição deIntervenção no Domínio Econômico (Cide). 

Os impostos representam quase a metade do valor do combustível na refinaria. Segundo eles, a carga tributária menor daria fôlego ao setor, já que o diesel representa 42% do custo do frete. Por conta dos reajustes diários no diesel, os caminhoneiros autônomos dizem estar no limite dos custos. Nos últimos 12 meses, o preço do diesel na bomba subiu 15,9%. O valor está bem acima da inflação acumulada em 12 meses, em 2,76%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

O aumento é resultado da nova política de preços da Petrobras, que repassa para os combustíveis a variação da cotação do petróleo no mercado internacional, para cima ou para baixo. Nos últimos meses, porém, o petróleo tem apresentado forte alta - na semana passada, chegou a bater na casa dos US$ 80 o barril, valor que não registrava desde novembro de 2014. 

Os motivos da alta são principalmente geopolíticos, somados aos 17 meses de redução da produçãodos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). "Os fatores geopolíticos não vão arrefecer rápido, por isso, o preço não vai cair, mas pode estimular investimentos para aumento de produção em países como o Brasil", diz Mauricio Tolmasquim, professor da Coppe/UFRJ.

A Petrobras diz que as revisões podem ou não refletir para o consumidor final - isso depende dos postos. Mas os donos de postos também apoiam a reivindicação dos caminhoneiros, pois dizem estar perdendo margens com os aumentos de preços. Segundo o presidente da Fecombustíveis, Paulo Miranda Soares, o setor vai sugerir ao governo a redução dos impostos sobre os combustíveis e também que a Petrobras faça o reajuste em intervalos maiores de tempo.

Divergência Desde que alterou sua política de preços, em julho do ano passado, a Petrobras passou a promover reajustes quase diários dos combustíveis. Desde então, o consumidor tem se deparado com aumento crescente nas bombas dos postos de combustíveis.

A estatal afirma que não é responsável pela alta de preços ao consumidor e diz que o valor cobrado pela empresa corresponde a cerca de um terço dos preços praticados nas bombas. A maior parte do valor cobrado pelo consumidor final engloba principalmente tributos, estaduais emunicipais, além da margem de lucro para distribuidoras e revendedores.

Em março, a companhia ainda destacou o peso da carga tributária nos preços aos consumidores. "Tendo em vista a formação do preço final ao consumidor, onde a parcela da refinaria constitui menos de 50% no diesel e menos de 33% na gasolina, qualquer medida cujo objetivo seja o dereduzir a volatilidade deverá alcançar os demais componentes do preço, sendo que o principal deles é a carga tributária, federal e estadual", traz a nota.

O presidente da Petrobras, Pedro Parente, anunciou na quarta-feira (23) a decisão da diretoria e do conselho de administração de congelar o preço do óleo diesel por 15 dias e ainda conceder um desconto na refinaria de 10%, de R$ 0,23 por litro, em média, que, na bomba, poderá chegar a R$ 0,25 com a redução da base de cálculo dos impostos. Parente foi enfático, porém, ao reafirmar a decisão da empresa de manter a política atual de acompanhar o mercado internacional, com revisões diárias, após esse período. "Não consideramos a hipótese de rever a política", afirmou.

Segundo o executivo, o prazo de 15 dias é suficiente para o governo negociar com os caminhoneiros. Passado o período, a companhia voltará a acompanhar as bolsas estrangeiras da commoditty, porém, deve demorar mais tempo do que isso para chegar à paridade. "A atual política é mais acertada, porque o câmbio e as commodities mudam todo dia. São 15 dias para desanuviar o ambiente e para poder trabalhar", disse o executivo.

Parente negou que a medida tenha impacto sobre o programa de desinvestimento e nas ações. "O objetivo é contribuir com o tempo mínimo de entendimento. A empresa não pode assumir os riscos de mercado", afirmou. O presidente da Petrobras negou, no entanto, que o governo terá que ressarcir a empresa por interromper a atual política de preços no prazo de 15 dias, como prevê o estatuto. "Não é caso de ressarcimento. Isso só aconteceria se houvesse uma demanda do governo. A medida não foi objeto de negociação com governo e caminhoneiros. Pedimos que os movimentos (de greve) entendam e reduzam o transtorno à população", acrescentou.

O presidente da companhia ainda destacou que a Petrobras está dando sua contribuição para interromper transtornos. "A solução definitiva tem que ser gerada pelo governo. É importante que as partes tenham boa vontade. Essa não é uma solução definitiva", afirmou.