Assine

Entraves legais atrasam investimentos no campo


 

Produtores perdem oportunidade de desenvolvimento de lavouras por causa de burocracia estatal

  • Mario Bitencourt

Publicado em 08/11/2019 às 06:09:00
Atualizado em 20/04/2023 às 11:56:06
. Crédito: Tendência de criar gado e plantar eucalipto na mesma área é ecologicamente correta, mas produtor reclama que burocracia retarda investimento (foto: divulgação)

Há oito meses que o pecuarista Eder Rezende espera que suas duas propriedades rurais, de 470 hectares cada, localizadas na região de Encruzilhada (sudoeste da Bahia), sejam vistoriadas para que ele realize a supressão de vegetação nativa e plante eucaliptos nas proximidades dos pastos onde ficam cerca de 400 cabeças de gado.

O pecuarista depende apenas dessa vistoria para que possa expandir o programa de Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF), desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e que na Bahia tem o apoio da Associação Baiana de Empresas de Base Florestal (Abaf).

O responsável pela vistoria é o Inema, órgão ambiental estadual e que não respondeu ao pedido de esclarecimento do CORREIO sobre o assunto. “Sem a visita dos técnicos do órgão, fico com as áreas travadas, não tenho como fazer investimentos. São 100 hectares em cada fazenda destinadas para o ILPF”, disse Eder Rezende.

Por conta dessa demora, o pecuarista já perdeu as chuvas de final de ano, que auxiliam no desenvolvimento da plantação. Ele pensa que situações como esta poderiam ser evitadas se houvesse uma mudança no prazo para a realização das vistorias. “Deveria ficar no máximo três meses”, opinou. “Para fazermos o pedido de vistoria, um profissional tem de fazer um relatório completo sobre como será feita essa supressão vegetal, o local, o tipo de vegetação, tudo. Então, é um documento em que se afirma uma verdade e a vistoria é apenas para conferir de fato essa verdade. Sou a favor de que se a vistoria não for feita em três meses, que essa verdade do relatório seja validada para realizar o serviço”, opinou.

Aperfeiçoamentos

A queixa do pecuarista se assemelha a diversas outras que envolvem o setor do agronegócio e a legislação ambiental. O caso expõe também o desleixo dos governos – municipais, estaduais e federal – para com o setor ambiental, há anos marcado pelos baixos investimentos e déficit de pessoal para atender às demandas.

Especialista em Direito Ambiental, Georges Humbert defende que Estado pague aos produtores que 'deixam floresta em pé' (foto: arquivo Correio)

Ao analisar o tema, o advogado Georges Humbert, especialista em direito ambiental, disse que é preciso que a legislação ambiental, de uma forma geral, esteja mais alinhada com as realidades locais e atenda mais rápido aos anseios dos produtores, de modo a ser um agente da promoção do desenvolvimento no campo. “Sobretudo nos municípios, é preciso que o setor ambiental esteja mais perto do cidadão. Já temos uma aceitação muito grande dos produtos do agronegócio fora do país justamente por conta do rigor em cumprir as leis ambientais que a grande maioria dos produtores rurais tem”, ele disse.

Humbert é a favor, inclusive, que o governo pague aos produtores rurais uma quantia de recompensa pela preservação ambiental, como fazem outros países desenvolvidos. “O Estado tem de viabilizar uma forma de remunerar por deixar a floresta em pé. Preservar é um ativo, é um serviço ambiental”, completou.

Superintendente do Ibama (órgão ambiental federal) na Bahia, Rodrigo Alves observa que a legislação ambiental brasileira, apesar de moderna e favorecer à valorização dos produtos agrícolas no exterior, “precisa se adaptar mais às realidades locais e possibilitar que mais produtores sejam beneficiados por preservar o meio ambiente”.

Um dos caminhos para uma legislação ambiental mais moderna e próxima do produtor rural, diz Alves, é o fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), regulamentado pelo Decreto 99.274, de 06 de junho de 1990, e constituído por órgãos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e fundações.  Esse fortalecimento é necessário, segundo Alves, “para que os três entes [municipal, estadual e federal] respeitem o limite de suas competências, de forma a abrir espaço para ações coordenadas. O Ibama, por exemplo, deve focar sua ação em áreas onde a competência é exclusiva do órgão”.

Ampliação

Mas os empecilhos para o desenvolvimento rural não se restringem apenas à questão ambiental. Na região de Barra do Choça, cidade vizinha a Vitória da Conquista e forte produtora de café arábica no estado, o produtor rural Nelson Quadros abandonou a lavoura por conta do que ele chama de “perseguições da política trabalhista”. “Tinha mais de 100 mil pés plantados e retirei todos, deixei de ser cafeicultor. Em épocas de colheita, tinha cerca de 50 trabalhadores temporários na fazenda, daí veio os radicais do Ministério do Trabalho exigir que todos eles tivessem registro em carteira, além de outros benefícios trabalhistas que são um verdadeiro exagero. Isso nos força a desistir da produção, após 10 anos plantando café”, declarou.

Nelson Quadros, agora, se dedica somente à pecuária, atividade que já exercia paralelo à de cafeicultor e presidente do Sindicato Rural de Vitória da Conquista, posto que ocupou por 20 anos, até a semana passada. “A legislação ambiental precisa de uma reforma urgente para atender melhor às demandas dos produtores na atualidade. Da mesma forma, as leis trabalhistas precisam passar por reformas. Ninguém é a favor de desmatamento ilegal ou trabalho escravo, por exemplo, mas ao mesmo tempo não podemos punir os produtores que geram renda para regiões inteiras com leis antiquadas”, afirmou.

Superintendente do Ibama-Ba, Rodrigo Alves, a sustentabilidade favorece os negócios (foto: Marina Silva)

Sustentabilidade favorece a valorização da produção 

Um levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) aponta que três em cada dez consumidores (29%) se classificam como ‘consumidor consciente’, enquanto mais da metade (58%) é considerado um consumidor em transição.   Esses dados ilustram bem a forma como os consumidores se comportam quando vão comprar um produto, o que influencia também no modo de as empresas realizarem o processo fabril. 

Pensando nisso, empresas ligadas ao agronegócio estão buscando cada vez mais estar alinhadas ao desejo e valores dos consumidores em todos os processos de produção, seja para desenvolver novos produtos ou para atuar em outros ramos. 

Em Eunápolis, extremo sul da Bahia, por exemplo, a empresa Veracel Celulose, que planta eucalipto para produção de papel e celulose, aproveita o que sobra da sua produção para a gerar energia elétrica, um ação de sustentabilidade ambiental que impacta positivamente em sua imagem e em seus negócios. 

A Veracel produz não só toda a energia necessária ao processo fabril, como disponibiliza o excedente para o Sistema Interligado Nacional (SIN). Com licença para exportar 27 megawatts para o SIN, a empresa passou a ver esse mercado livre como oportunidade de diversificação dos negócios e investiu em ações internas para ampliar a produção de energia.   “Essa é uma relevante fonte de receita para empresa”, diz Melissa Pimenta, assistente técnica da área de Recuperação e Utilidades da empresa, que deu início às pesquisas internas, explorando novas fontes, além das que já são utilizadas pelo setor de modo geral.

A capacidade de produção anual da empresa é de 1,1 milhão de toneladas de celulose branqueada de eucalipto, atingindo em maio deste ano a marca de 15 milhões de toneladas produzidas. Até o ano passado, a geração de energia era feita a partir da queima do lodo primário (resíduo da produção de celulose), da madeira inservível (tora de eucalipto desclassificada como madeira de processo) e ainda da biomassa gerada internamente na picagem da madeira de processo (cascas, “overs e finos”).

A quantidade de madeira inservível, em 2018, reduziu e isso motivou a equipe a procurar alternativas que não impactasse nos custos nem no processo de produção. O bagaço de cana, utilizado também em usinas de açúcar, foi o primeiro combustível pesquisado. “Foi uma aplicação totalmente inovadora. Não temos conhecimento de outra empresa do setor que tenha feito isso”, conta Melissa.

Os estudos deram certo e a preocupação da equipe passou a ser o volume do bagaço que poderia ser queimado diariamente na caldeira. “Em 2018, a receita virou um mix composto por de 6% de bagaço de cana, 38% de inservíveis, 1% de lodo primário e 54% de biomassa gerada internamente”, revela. Esse mix de combustíveis para geração de energia possibilitou à Veracel a venda de 13 MW para o mercado nacional no ano passado.

“Continuamos em busca de novas alternativas para aumentar a queima da biomassa e consequentemente exportar mais energia para o SIN. Em breve estaremos testando a queima de caroço de açaí, porém, a madeira inservível é imprescindível na composição desse mix – não podemos queimar o bagaço ou o caroço de açaí sem a madeira, um depende do outro, em proporções diferentes para os equipamentos que temos e sem grandes investimentos em melhorias”, explica Melissa.

Outro fator importante que deixou a fábrica da Veracel com mais eficiência energética foi a contenção do vapor resultante do processo de produção. Esse vapor também é usado para a geração de energia. “Havia um desperdício de vapor e não sabíamos onde. Na Parada Geral deste ano, quando todos os equipamentos da fábrica entraram em manutenção, conseguimos identificar o local e corrigimos a falha”, conta Saulo Pignaton, especialista da área. Com a eliminação desses pontos de vazamento de vapor, a empresa conseguiu retomar a economia de 1 MW/hora, volume significativo no custo de energia.

Unidade da Veracel em Eunápolis (BA) produz sua própria energia utilizando resíduos da produção de celulose (foto: divulgação)

Ibama

Para o superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Alves, ações como estas favorecem não só para uma melhor imagem da empresa junto aos clientes, mas demonstra também uma preocupação para com o meio ambiente, tendo em vista que a energia elétrica no Brasil é fornecida principalmente por usinas hidrelétricas, que depende do regime de chuvas e podem ter a produção comprometida por causa dos frequentes períodos de seca.   “Nossos produtos, lá fora, estão tendo melhor desenvolvimento por conta de empresas que buscam fazer com que haja cada vez mais aproveitamento dos materiais que produzem. Há vários exemplos que o agronegócio apresenta e servem de modelo para outros países também, por isso temos um dos setores mais sustentáveis do mundo”, comentou.

Programação do FISC

Fórum de Inovação e Sustentabilidade para a Competitividade (Fisc)

 14:30   Eduardo Athayde -  Diretor do WWI: e-Agro na “economia digital”

 15:00  Rodrigo Alves - Superintendente da Bahia do Ibama: Desafios e Oportunidades

 15:30   Matheus Ferreira -  Diretor de Inovação do Sistema CNA/Senar: Senar AgroUp: A plataforma de inovação do Sistema CNA/Senar

 16:00   Fabiano Borré - Produtor Rural: Chapada Diamantina - Equilibrando propó- sitos para um legado sustentável.

 16:30   Anna Luísa Beserra -  Vencedora do Prêmio Jovens Campeões da Terra da ONU: Aqualuz: usando o sol para tratar à água.

O I Fórum de Inovação e Sustentabilidade para a Competitividade - edição Vitória da Conquista é uma realização do Ibama e WWI, com apoio editorial do Jornal CORREIO e apoio institucional da Faeb/Senar.