Escola impede que estudante assista aulas com roupas do candomblé

Caso aconteceu em Salvador e foi denunciado por ialorixá da adolescente

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  • Luana Lisboa

Publicado em 23 de julho de 2021 às 20:04

- Atualizado há um ano

. por Acervo pessoal

Para muitas crianças e adolescentes, retomar a rotina presencial nas escolas beirava a um sonho após mais de ano de ensino à distância. Mas, para Júlia Almeida Lima, de 13 anos, a volta às aulas pareceu mais com um pesadelo. Ao chegar à Escola Municipal Arx Tourinho, onde estuda, a estudante foi surpreendida pela portaria e diretoria do colégio: ela não iria passar da porta. O caso aconteceu na manhã da última quarta-feira (21).

Júlia estava vestida com as roupas brancas do "regime religioso", característico de quem está se iniciando no candomblé. Saia de baiana, colares do orixá no pescoço e a instrução de andar de cabeça baixa, pelo menos, durante os três primeiros meses, que se iniciaram no dia 5 de junho. Segundo sua mãe de santo, ialorixá Ya Ivone Maria, ela também não pode sentar em qualquer lugar: apenas no banquinho "apoti", que também foi levado para a escola.

"Quando ela chegou na portaria, foi barrada pelo porteiro, junto com a mãe biológica dela, na frente de todos os colegas", relata Ya Ivone. Ele teria afirmado que, caso ela entrasse daquele jeito, iria sofrer bullying dos colegas. Em seguida, a mãe pediu para que a diretora do colégio fosse chamada. "Tentaram chamar a diretora para que ela liberasse a entrada da menina, porque ela foi para estudar. E o porteiro só chamou depois de muita insistência. Quinze minutos depois, ela desceu e gritou de longe para que Júlia fosse para casa, que não receberia falta se fosse".

Aos prantos, a estudante ligou para a mãe de santo, que foi resolver a situação. "Quando entrei na sala da diretora, a única coisa que ela fez foi me pedir desculpa. Não chamou atenção ou reclamou da conduta do porteiro e disse que não estava a par da situação de mais cedo", conta a ialorixá.

Na rede municipal, as aulas presenciais estão acontecendo desde o último dia 3 de maio, mas, até esta semana, Júlia ainda estava assistindo as aulas online. "Isso não existe, todos nós temos direito de ir e vir. Júlia estava doida para ir para o colégio e agora, diz que não vai mais, está com vergonha. Ela é uma criança e, desde o seu início, já está marcada pela intolerância, com medo dos colegas chamarem ela de macumbeira", lamenta.

Após o caso, a ialorixá registrou queixa por racismo religioso na delegacia virtual. A Polícia Civil afirmou que investigará o caso, ainda a ser encaminhado à uma unidade territorial, que vai apurar os fatos.

Em nota, a Secretaria Municipal da Educação (Smed) informou que está ciente do ocorrido na Escola Municipal de Nova Esperança Professor Arx Tourinho, situada na Cepel e não coaduna com atitudes de intolerância ou indiferença como essa. "A instituição está tomando as devidas providências, com o objetivo de reforçar as ações de combate à intolerância religiosa", diz o pronunciamento.

O órgão de educação ainda informou que na manhã desta sexta-feira (23), a Secretaria Municipal de Reparação (Semur) realizou uma reunião na referida escola, com a presença de representantes da Smed, da Gerência Regional de Educação de Itapuã (GRE- Itapuã), do Conselho Municipal das Comunidades Negras (CMCN), Grupo Gestor da Escola e demais colaboradores. No encontro, destacaram a necessidade de reforçar ações afirmativas no intuito de desenvolver uma consciência crítica, de respeito e de valorização de ações éticas para combater o racismo, a intolerância religiosa e outras formas de discriminação e violações de Direitos Humanos de qualquer natureza, com a capacitação de funcionários e demais profissionais de toda a Rede Educacional.