Escolas particulares lutam por decisão sobre retorno das aulas presenciais em 2021

Reunião com o Governo do Estado e a Prefeitura de Salvador terminou sem uma decisão sobre o próximo ano letivo

Publicado em 2 de dezembro de 2020 às 20:36

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

As escolas particulares da Bahia vão iniciar seu recesso em dezembro sem saber como serão as aulas no próximo ano letivo. Em meio à pandemia do coronavírus, as instituições privadas pressionam para obter uma resposta sobre as atividades escolares em 2021, mas a Prefeitura de Salvador e o Governo do Estado ainda não divulgaram os protocolos que o setor deve seguir no próximo ano. Sem definição, entidades do setor privado de educação e órgãos governamentais discutiram o tema em reunião na última terça-feira (1º).

A proposta das escolas particulares, tanto do Grupo pela Valorização da Educação (GVE) quanto do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado (Sinepe-BA), é de que as instituições possam ofertar um retorno das aulas híbrido e facultativo com 50% dos estudantes nas salas de aula e a outra metade em casa logo em fevereiro para quando está programado o começo do próximo ano letivo. Segundo o porta-voz do GVE, Wilson Abdon, a sugestão é que a rede pública trabalhe com este mesmo modelo em 2021.

Em resposta ao CORREIO, a Secretaria Municipal da Educação (Smed) afirmou apenas que as atividades educacionais devem ocorrer em um formato híbrido, mas não informa as regras que deverão ser seguidas ou quando as aulas podem retornar. “As atividades educacionais serão retomadas de acordo com a dinâmica da pandemia”, respondeu a pasta.

Nesta quarta-feira (2), o governador Rui Costa afirmou que "não há como sinalizar o retorno às aulas". De acordo com ele, a expectativa era de que os números recuassem em dezembro, mas as aglomerações causadas por festas e atividades de campanhas políticas fizeram com que os índices de contaminação aumentassem. 

O Governo do Estado ainda prorrogou até o dia 17 de dezembro o decreto nº 19.586, que mantém suspensas as aulas nas unidades de ensino das redes pública e privada em toda a Bahia. O decreto também proíbe a realização de atividades com público superior a 200 pessoas, como shows, eventos religiosos, feiras, apresentações circenses, eventos científicos e passeatas. O texto foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) desta quarta.

Para o porta-voz do GVE, a indefinição indica um descaso com a educação. “Queremos uma proposta para a educação. A rede particular quer ajudar a fazer um projeto para a educação no geral. Vemos crianças nas ruas, em outras aulas, no parquinho, elas só não estão na escola. Precisamos de definições, qual é o plano para o retorno? Com quantos alunos? Estamos às cegas e a impressão é que a educação não é importate”, apontou Abdon.

A grande pergunta das entidades do setor privado de educação é como diversos setores puderam retomar as atividades, enquanto as instituições de ensino devem continuar com atividades remotas.

Matrícula A indefinição tem afetado as matrículas nas escolas particulares. Segundo o diretor do Sinepe-BA, Jorge Tadeu Coelho, as escolas particulares da Bahia chegam a registrar apenas 30% dos alunos matriculados neste momento, o que representa metade do número de estudantes comumente inscritos nas instituições de ensino neste período do ano.

Nas escolas do GVE, em Salvador e Região Metropolitana, a estimativa é de que o número de matrículas tenha caído em 30% a 50% na comparação com 2019. De acordo com Abdon, algumas escolas menores nem abriram matrícula e devem fechar suas portas no final do ano. 

“O pais vão postergando a matrícula o quanto puder para ter alguma certeza. Acreditamos que essa baixa taxa de matrículas é resultado da falta de uma sinalização de como as escolas devem funcionar no próximo ano. Tem escola de educação infantil que de 100 alunos só matriculou 20 justamente pela insegurança que ainda existe. O ideal seria receber uma resposta sobre o ano letivo de 2021 ainda em 2020”, afirmou Coelho.

Na escola Cresça e Apareça, em Salvador, nenhuma matrícula foi realizada para as turmas de berçário ao grupo 3. Segundo a educadora e gestora da instituição, Mariana Morgenroth, existe muita procura dos pais, mas as vagas não são preenchidas. “O impacto é enorme do ponto de vista empresarial. Com esse cenário, como vou contratar professores se não sei quais turmas vou abrir? Geralmente, o calendário está pronto até setembro, mas a falta de informação dificulta muito o planejamento”, relatou.

A educadora ainda aponta que as escolas precisam de um tempo para se prepararem para a reabertura, então, é preciso ter acesso aos protocolos de funcionamento e saber qual formato poderá ser usado com antecedência.

Até o momento, as unidades de ensino estão se preparando para várias opções de funcionamento para o próximo ano, seja ele presencial, híbrido ou online. Isso também aumenta os custos das empresas do setor da educação que já passam por um momento complicado financeiramente. 

Mensalidade O preço da matrícula depende do modelo que a escola vai ofertar em 2021, com valores diferentes para atividades presenciais, híbridas e online. O superintendente do Procon Bahia, Filipe Vieira, indicou que os pais devem se atentar ao reajuste das mensalidades e às condições de pagamento do próximo ano letivo. O órgão, em conjunto com o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), a Ordem dos Advogados do Brasil seção Bahia (OAB-B) e a Defensoria Pública do Estado da Bahia, vai acompanhar o processo.

“A autorização ou não das aulas presenciais tem impacto direto no custo das escolas. Se o custo das escolas cai, tem que reduzir a mensalidade. Se a aula presencial voltar, a escola volta a ter os custos mais altos e pode retomar a mensalidade cheia. Esse cálculo é feito com base nos custos para saber como pode se chegar a um equilíbrio”, explicou o superintendente.

De acordo com Abdon, as escolas do grupo já vão apresentar um contrato readequado com o novo cenário para 2021 para o Procon, o MP-BA, a OAB e a Defensoria Pública. Em meio as indecisões parte das escolas preparam múltiplos formatos de contrato com base nos custos de módulos diferentes de aulas.

Vieira ressaltou ainda que é necessário observar o pagamento das mensalidades de 2020 e analisar se todo o conteúdo já foi dado ou se as aulas do atual ano letivo vão precisar se estender por um período de 2021.

As entidades garantem que as escolas estão prontas para receber os alunos tendo feito adaptações estruturais e pedagógicas. As janelas, por exemplo, foram trocadas por outras maiores que permitem uma maior ventilação, mais pias foram instaladas, os funcionários devem ser treinados para o uso do Equipamento de Proteção individual. Do ponto de vista pedagógico, é preciso criar uma nova cultura no aluno para que o estudante conviva com a situação do vírus na escola.

O GVE pede ainda que as escolas possam fazer um acolhimento dos alunos antes do começo das aulas. A ideia é que as escolas do grupo comecem as atividades híbridas em 1 de fevereiro para só retomar as aulas no dia 8 do mesmo mês, utilizando a primeira semana para receber os alunos de volta nas instituições. 

Participaram da reunião de terça-feira, o MP-BA, a Smed, a Secretaria Estadual de Educação (SEC), o Conselho Municipal de Educação (CME) e Conselho Estadual de Educação (CEE), o GVE e o Sinepe-BA.

Decisão coletiva A Sociedade Baiana de Pediatria (Sobape) não possui uma recomendação explícita sobre o dilema da retomada das aulas presenciais no estado, sendo signatária das considerações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). A presidente da entidade estadual, Dolores Fernandez ressalta que o necessário é que a decisão parta de um comitê composto pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde e Educação.

O trabalho conjunto que vai permitir que todas as nuances de uma liberação das aulas presenciais sejam analisadas para que a decisão seja a mais acertada. O comitê ainda poderia se beneficiar da parceria com a Sobape e das entidades de assistência social de ambas as esferas governamentais. "Entendemos que não existe um consenso a respeito da reabertura das escolas de forma uniforme porque o ensino público e privado tem várias nuances. É preciso ter cautela, ainda mais nesse momento em que se vê um aumento no número de casos ao invés de uma estabilidade”, ressaltou Fernandez.

O consenso é que é necessário se preparar para o momento da reabertura, por isso, um diagnóstico para embasar um futuro retorno das atividades presenciais é essencial. A presidente da Sobape aponta que uma das questões que devem ser discutidas pelas pastas de saúde e educação é o atendimento dos estudantes com suspeita de coronavírus. “Quais serviços serão orientados para o atendimento de crianças e adolescentes? É necessário que as unidades utilizadas para este fim tenham pediatras e equipes de profissionais para atender essa faixa”, afirmou.

A presidente da entidade aponta que, sem as escolas, as crianças perdem o contato com os colegas que é tão importante para o desenvolvimento neuropsicomotor, especialmente na primeira infância, entre 0 e 6 anos. Para parte dos alunos, não ter aulas presenciais também significa uma perda do ponto de vista nutricional e de acompanhamento da saúde. Entretanto, é necessário balancear as perdas e os riscos para compreender em qual escola o estudante estuda e como o espaço pode proteger a criança e o adolescente. 

Caso o retorno das atividades presenciais seja liberado, é necessário que todas as regras do protocolo de saúde sejam seguidas, pontua Fernandez. “É preciso ter distanciamento, lavagem das mãos, uso de álcool em gel, coibir aglomerações na entrada e na saída, uma maior higienização das áreas, ventilação para a troca de ar. Isso precisa ser observado porque existem escolas que têm problemas de uso de água”, completou a presidente da entidade sobre a reabertura de forma organizada.

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lobo