'Escolinha do Professor Política': novos líderes recebem curso de formação pública

1.400 nordestinos foram selecionados para o curso da RenovaBr; 296 são nordestinos

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  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 20 de outubro de 2019 às 07:57

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda

Em tempos de polarização  acirrada e de intolerância com diferenças ideológicas, é cada vez mais difícil imaginar uma conversa tranquila entre filiados ou simpatizantes de partidos antagônicos. Mas se o papo for travado por alunos do RenovaBR, instituto fundado em 2017 e que se apresenta como a primeira escola voltada à formação de políticos do país, é bem possível que, além de debaterem em clima de paz, eles saíam para tomar chope, jantar ou, quem sabe, até trocar uns beijos.

Criado pelo empresário paulistano Eduardo Mufarej, sócio da Tarpon Investimentos e tido como um dos mais destacados representantes da geração de nomes dedicados a renovar práticas e quadros políticos do país, o RenovaBR começou a atuar de modo discreto há dois anos. Inicialmente, foram formados 133 lideranças para a disputa de 2018.

Destes, 17 saíram vitoriosos das urnas. Entre eles, o senador Alessandro Vieira (Cidadania). Ex-delegado-geral da Polícia Civil de Sergipe, Vieira obteve 474 mil votos ano passado em uma campanha feita com poucos recursos e basicamente por voluntários. De modo surpreendente, desbancou políticos de expressão no estado, como o ex-governador Jackson Barreto (MDB), o ex-senador Antônio Carlos Valadares (PSB) e o ex-deputado André Moura (PSC).

Junto ao senador de Sergipe, que este ano trocou a Rede pelo Cidadania (ex-PPS), outro político eleito em 2018 após receber formação do RenovaBR é o deputado estadual de Alagoas  Davi Maia (DEM). Filho de políticos tradicionais, Maia se notabilizou  por comprar briga com grandes empresários quando era secretário do Meio Ambiente de Maceió. Atualmente, é o membro mais influente da oposição ao governador Renan Calheiros Filho (MDB), por ironia, aliado de seus pais.

Ampliação Com 4,5 milhões de votos obtidos pelos candidatos-alunos na última eleição, o RenovaBR traçou metas mais ambiciosas para a sucessão municipal de 2020. Este ano, selecionou 1.400 lideranças de todo o país, em um universo de 31 mil inscritos, para participarem do novo curso de formação do instituto, cujas aulas estão focadas nas cidades. Grande parte do conteúdo é transmitido à distância, mas para a atual edição foram organizados, mês passado, seis encontros presenciais nas cinco regiões brasileiras.

À convite da entidade, o CORREIO viajou a Recife em 28 de setembro para o último encontro, direcionado aos 269 alunos selecionados no Nordeste, 50 deles da Bahia, sendo 23 na capital e os demais oriundos de 19 municípios do interior. 

Em um auditório do Museu do Cais do Sertão, no Recife Antigo, os professores e dirigentes do Renova BR se revezavam em aulas sobre sustentabilidade, desenvolvimento urbano, mobilidade e toda a sorte de problemas enfrentados pelas cidades. 

Além de demonstrar soluções que vem sendo tocadas no Brasil e mundo afora para resolver entraves aos municípios, sobretudo, em relação à educação infantil, saneamento básico e lei de ordenamento urbano, as aulas também abordam temas ligados à ética na política, diversidade de raça e gênero, legislação eleitoral, responsabilidade fiscal e princípios básicos da relação entre os poderes. 

O pacote inclui ainda instruções sobre como montar uma campanha e criar uma marca facilmente, técnicas de marketing eleitoral e estratégias eleitorais diante do fim das coligações proporcionais, que impõe desafios a quem deseja se candidatar a cargos no Legislativo. Todo o conteúdo é ministrado por profissionais com expertise em disputas eleitorais e políticas públicas.

Experiência “Fora capacitar lideranças de acordo com princípios totalmente distantes da política tradicional, levando em conta a ética e a necessidade de renovar os quadros com pessoas dispostas a mudar a realidade do país, o RenovaBR ensina como fazer, como falar e como articular uma campanha. Foi fundamental para minha vitória e está sendo de extrema importância para minha atuação parlamentar na Assembleia Legislativa de Alagoas ”, afirmou o  deputado Davi Maia. 

Para o senador Alessandro Vieira, as técnicas passadas pelos professores do instituto deram a régua e o compasso para que ele conseguisse derrotar os clãs políticos de Sergipe na corrida por uma vaga no Congresso. “Em uma campanha em que contei com pouco dinheiro e pouco tempo na propaganda eleitoral, a dica para apostar no voluntariado foi crucial. Pude confirmar que um voluntário apenas vale mais que cem cabos eleitorais, porque ele se dedica por vontade própria, não está ali por dinheiro ou interesses pessoais”, destacou.

Na lista de instrutores do RenovaBr, estão o publicitário carioca Pedro Simões, profissional com passagem em grandes campanhas no Brasil e no exterior, e o mineiro Gabriel Azevedo, jornalista, advogado, professor de Direito Constitucional e dirigente da Jus Brasil, ONG voltada a ampliar e facilitar o acesso do cidadão à Justiça. 

Diretor de Formação do instituto, Azevedo se notabilizou também por se eleger, em 2016, vereador pelo PHS de Belo Horizonte, onde ganhou visibilidade pelo perfil combativo e pela pouca capacidade de guardar para si o que pensa sobre os outros, mesmo que sejam eles aliados. Um dos fundadores da Turma do Chapéu, grupo da chamada “nova direita de Minas”, Azevedo foi coordenador de mídias sociais na vitoriosa campanha de Alexandre Kalil (PHS) a prefeito da capital mineira, mas não se furtou de duelar publicamente com nomes da linha de frente na administração municipal.

Tropa baiana Nos bastidores do encontro, o CORREIO conversou com alunos da Bahia selecionados pelo RenovaBR. Quase todos jovens com atuação político-partidária em variadas legendas ou ativismo na sociedade civil organizada. Parte é filiada a alguma sigla e pretende concorrer ao cargo de prefeito, vice ou vereador na próxima eleição. A outra ainda se mostra indecisa, mas vê no instituto a possibilidade de ganhar experiência para agir politicamente sem a necessidade de ter mandato.

No meio da tropa baiana, a reportagem identificou um rosto conhecido: o secretário de Cidade Sustentável e Inovação de Salvador, André Fraga, 35 anos. Dirigente do PV, Fraga descarta, por enquanto, se lançar candidato, mas não a formação oferecida no curso. “O RenovaBR ocupa a lacuna dos partidos, que recebem recursos para capacitar filiados, mas usam para outros fins”, criticou. 

De Vitória da Conquista, Caio Coelho, de 26 anos, também não é novato na política. Professor, advogado e ativista sócio-ambiental, Coelho foi candidato a vice-prefeito da cidade pela Rede na disputa de 2016, em composição com o Psol. “Agora, minha pretensão é a Câmara de Vereadores, mas não é uma decisão só minha. Depende do partido, já que há a chance de compor uma chapa majoritária”, disse.

Aos 23 anos, a soteropolitana Isabela Souza chegou ao RenovaBR por meio dos chamados movimentos de renovação política, como o Acredito!. Moradora de Campinas de Pirajá e fundadora da ONG Mais Alcance, voltada à educação pública, Isabela ainda não tem partido e nem decidiu se entra no páreo de 2020, embora enxergue na política um meio para mudar a realidade de comunidades pobres. 

Ao fim da aula presencial, o CORREIO acompanhou um grupo de alunos nordestinos na incursão pela noite da capital pernambucana. No Recife Antigo, filiados a partidos de direita conversavam, bebiam e dançavam animadamente com os de esquerda. Sem as brigas ou os ataques verbais que se tornaram tão comuns. Deu até para ver quando um petista baiano e uma democrata pernambucana se beijaram no maior love.

Depoimentos

André Fraga, secretário de Cidade Sustentável de Salvador e dirigente do PV Um dos novos alunos da segunda turma do RenovaBR, André Fraga é engenheiro ambiental e membro da cúpula do PV na Bahia. Oriundo do movimento estudantil, Fraga foi coordenador nacional do Fórum de Secretários de Meio Ambiente das Capitais Brasileiras (CB27) por dois mandatos (2017-2019), além de representar Salvador em redes internacionais de cidades como a C40 Cities-Climate Leadership Group'O RenovaBR ocupa a lacuna dos partidos, que recebem recursos para capacitar filiados, mas utilizam para outros fins'Caio Coelho, professor e candidato a vice-prefeito de Vitória da Conquista em 2016  Filiado à Rede Sustentabilidade,  Caio Coelho é também advogado e ativista sócio-ambiental em Conquista. Está em busca de uma vaga na Câmara de Vereadores da cidade em 2020 e foi selecionado para a nova turma do curso do instituto entre os 50 alunos baianos. Na eleição de 2016, compôs a chapa majoritária liderada pelo Psol na corrida pela prefeitura do município situado no Sudoeste do estado'O aprendizado que recebemos aqui nos dá ferramentas para que tenhamos condição de atuar na política e fazer uma boa campanha'Alessandro Vieira, senador por Sergipe eleito em 2018 e aluno da primeira turma Protagonista de uma vitória surpreendente na corrida pelo Senado na eleição passada, Alessandro Vieira derrotou políticos tradicionais de Sergipe, como o ex-governador Jackson Barreto (MDB), e recebeu 474 mil votos. Aluno do primeiro curso de formação do RenovaBR, era filiado à Rede, mas migrou para o Cidadania este ano. Foi delegado-geral da Polícia Civil sergipana e fez campanha basicamente com a ajuda de voluntários'Em uma campanha com pouco dinheiro e pouco tempo na propaganda eleitoral, a dica para apostar no voluntariado foi crucial'‘RenovaBR não é movimento e nem movido por partidos’, diz diretor

Estrela entre os professores do RenovaBR, o mineiro Gabriel Azevedo tem o dom da oratória. Último a palestrar no encontro com a turma do Nordeste, foi capaz de falar por duas horas sobre a evolução das cidades ao longo da história sem soar cansativo ou perder a atenção dos alunos. Ao fim, sintetizou em uma expressão o que a escola de formação política tenta traduzir sobre si: “Aqui, nós toleramos tudo, menos os intolerantes”. 

Embora tenha surgido em meio ao boom de movimentos que se autodefinem como representantes da “nova política”, o RenovaBR procura, no posicionamento público, se distanciar de grupos como o Livres, Acredito e Rede de Ação Política Pela Sustentabilidade (Raps).  

“Movimentos têm causas e posicionamentos unilaterais. Nós somos só uma  escola para formar políticos, preocupada em renovar quadros com pessoas dispostas a dialogar e que simpatizam com nossos princípios de ética, diversidade  e responsabilidade social. Não somos ligados e nem movidos por partidos”, disse Azevedo, que cuida da área de formação do instituto.

Para provar a diferença, o instituto alega ter selecionado alunos de 30 legendas de todos os campos políticos, apesar da predominância dos partidos Novo, Rede e Cidadania e de movimentos como o Livres. Ao mesmo tempo, 41% não possuem filiação partidária. De 1.400 escolhidos, 433 são mulheres e 40% autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.

O instituto é mantido por  doadores privados. A lista com mais de 500 colaboradores está diponível na página do instituto: www.renovabr.org. Nenhum doador, segundo o RenovaBR, contribuiu com mais de 5% da receita.

“Os critérios de seleção levam em conta o histórico de cada um. Ter a ficha limpa é condição prioritária. Analisamos o currículo e a trajetória de atuação política. Não importa a orientação partidária, mas a capacidade de diálogo e o compromisso com o dinheiro público. É preciso também acreditar de verdade que existe uma nova forma de fazer política”, disse Azevedo.

Os candidatos tiveram que responder a três testes online – atualidades, posicionamento político e raciocínio lógico –, além de gravar um vídeo sobre as realizações e motivações para entrar na vida pública. Tudo inteiramente grátis.