Estabelecimentos comerciais descumprem decreto

Somente atividades essenciais estão permitidas; confira o que pode e não pode 

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  • Marcela Vilar

Publicado em 3 de março de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Correção: na edição de ontem, publicamos que os estabelecimentos não essenciais não poderiam fazer o delivery, mesmo com a porta fechada, como informou a assessoria da Casa Civil do Governo do Estado. Após confirmar com a assessoria da prefeitura de Salvador, o CORREIO foi informado que os serviços não essenciais podem funcionar por delivery, no entanto, com a porta completamente fechada, e não entreaberta, como foi flagrado pela reportagem. Não é permitido gerar aglomerações na porta nem autorizar a entrada de clientes no estabelecimento. Bares e restaurantes podem fazer o drive-thru. Pedimos desculpas pelo erro.

O lockdown parcial - imposto por decreto pelo governo do estado para tentar conter o avanço da pandemia e que proíbe o funcionamento de atividades não essenciais  - está sendo desrespeitado, sem a menor cerimônia, por estabelecimentos comerciais de todos os tipos, portes e segmentos. O CORREIO circulou, ontem, por Cajazeiras V, X e XI, Baixa de Quintas, Sete Portas e Nordeste de Amaralina e flagrou lojas de material de construção, barbearias, bar, depósito de bebidas, oficinas e até loja de impressão de documentos funcionando normalmente. 

Segundo a Polícia Militar da Bahia (PM-BA), 104 pessoas foram presas em flagrante no estado por descumprimento de decreto, desde a última sexta-feira. A PM também encerrou, neste mesmo período, 107 festas e paredões e fechou 1.314 estabelecimentos. Pelos menos 250 deslocamentos por denúncias de desrespeito ao decreto são feitos por dia desde então. O recorde foi no sábado, quando as equipes policiais precisaram se deslocar 355 vezes.   

Já a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), só na última segunda-feira (1), interditou 28 locais, dentre centros automotivos, lojas de comércio de rua, lavanderia, oficinas mecânicas. Foram 1.529 vistorias realizadas na última segunda, de acordo com o boletim mais recente do órgão. A maioria das infrações foi em Granjas Rurais, Periperi, Pituba, Paripe, São Caetano e Pau da Lima. Ao todo, desde o início do toque de recolher na Bahia, em 19 de fevereiro, a Sedur realizou 106 interdições, apreendeu 11 equipamentos e dispersou 29 aglomerações nas mais de 7 mil vistorias feitas.  

Delivery de atividade não essencial   No Nordeste de Amaralina, a loja de material de construção Roque Ferragens estava aberta por volta de 13h da tarde. A dona do empreendimento garantiu que tinha aberto há pouco tempo, só para fazer entrega a um cliente. “Aqui tá fechado, porque não tá podendo abrir, abri rápido pra poder despachar uma pessoa. A criatura ligou para mim pelo celular, eu tava em casa, e vim só para despachar ela”, conta a empresária, que não quis se identificar. O cliente estava precisando “urgente” de uma argamassa e areia para terminar de colar o piso de sua casa e foi embora logo depois que a reportagem os abordou.   

Uma barbearia ao lado também estava aberta. O atendente confessou que sabia do decreto: “Tô sabendo”, disse, sem graça, e continuou a corta o cabelo do cliente, que estava sem máscara. Em outra rua do bairro, uma loja de material de limpeza funcionava. A funcionária da loja assegurou que tinha acabado de abrir, a pedido dos moradores. “O pessoal tava querendo cloro aí eu vim. Tá todo mundo com medo do corona e usa muito para limpar”, explica. Ela informou que não tinha aberto na segunda-feira nem no final da semana.  

Um depósito também foi encontrado vendendo bebidas. O proprietário argumentou que só estava atendendo por delivery ou drive-thru. “A pessoa compra e eu levo. Se precisar, tem zap”, informa o dono, que preferiu manter o anonimato. A compra de bebidas alcóolicas está permitida desde segunda-feira (1), mas somente pelos serviços essenciais que estão abertos, como em mercados. Como depósito não se enquadra nessa categoria, não pode abrir. 

Até loja de impressão adotou a modalidade “delivery”. Afinal, baiano não inova, faz arte. “A gente tá fazendo atendimento delivery. Eu fico com a porta fechada, a pessoa envia pelo Whatsapp e eu dou o documento embaixo da porta. Tem que abrir porque o pessoal tem que pagar os documentos e, pra pagar, tem que fazer a impressão pra ir na lotérica”, narra a dona do estabelecimento, Crislaine Mercês, de 28 anos. Ela adotou esse sistema desde o início da pandemia, quando começaram as medidas restritivas do comércio no bairro. Os clientes aprovaram. “Desde quando deu o lockdown no bairro tô fazendo assim e o pessoal adotou. Às vezes eu tenho que sair [da loja], porque nem todo mundo sabe enviar documento por Whatsapp e ajudo”, acrescenta Crislaine.  

Na rua Djalma Dutra, entre Matatu de Brotas e Nazaré, várias lojas de material de construção aderiram ao formato, que não está permitido. Nem todas quiseram falar com a reportagem. Umas das que aceitou foi a Comercial Lemos. “A gente abriu no horário normal, às 8h, só que tá funcionando delivery ou drive-thru. O cliente compra, a gente entrega, e ele vai embora, não permitimos que ele pare com o carro nem entre no estabelecimento de jeito nenhum”, informa Marcos Júnior, 34, gerente da loja.  

A loja trabalha com quatro funcionários a menos, já que a demanda não é a mesma. A entrega é por horário marcado e o pagamento feito na porta, com distanciamento e álcool em gel. Edileuza Andrade, 52, por exemplo, foi até o local trocar uma lâmpada que tinha comprado errado. “Já tomei a segunda dose da vacina, por isso que estou aqui”, diz. Ela é técnica em radiologia. A orientação das autoridades de saúde, entretanto, é não relaxar nos protocolos sanitários e se manter em isolamento o máximo possível, mesmo após as duas doses da vacina.  

A psicóloga Rocheane da Silva, 46, discordava das medidas restritivas. Ela tentava comprar telhas em um dos estabelecimentos da rua. “Acho isso tudo uma palhaçada, a gente fica comprando escondido como se fosse bandido e os funcionários estão abrindo as lojas para não perder o pão de cada dia, enquanto tem pessoas aí fazendo festas e se aglomerando. E nós, honestos, que pagamos nossos impostos, estamos nos submetendo a essa palhaçada”, critica Rocheane, sem máscara. 

O comerciante Liberado Magalhães, 61, dono de uma loja de autopeças na Baixa de Quintas, também é contra o pseudo-lockdown na cidade. Sua loja, a Autolatina, era uma das poucas que estava fechada. Todas as outras estavam meio-abertas, funcionando, mas não quiseram dar entrevista. “Estou cumprindo com minha obrigação, ontem e hoje estou aqui atendendo telefone mandando o cliente voltar amanhã, amanhã, mas estou muito preocupado, porque o pequeno empresário não tem capital de giro, a gente vai tecendo hoje o dinheiro de amanhã, nosso salário não é garantido e a situação está cada vez mais apertada”, desabafa Magalhães. O empresário confidencia, porém, que amanhã funcionará, mesmo de portas fechadas: “É questão de sobrevivência”. Liberato já demitiu quatro dos 16 funcionários da oficina durante a pandemia da covid-19.  

Em Cajazeiras XI, quase nenhum local apresentava irregularidade em relação ao cumprimento do decreto, exceto um bar, que estava aberto, apesar da porta fechada pela metade. “Abri agora por volta das 14h, só para o pessoal que sempre vem no bar tomar uma e daqui a pouco, 17h, estou fechando. Mas o movimento aqui tá muito fraco, não sei nem como vou pagar o aluguel”, revela o proprietário, Decival Barbosa.  

Já em Cajazeiras V, um local de impressão também funcionava por delivery e uma barbearia estava aberta. O dono, Elísio Dantas, 67, disse que não atendeu pessoa alguma hoje e que “estava trabalhando assim, de porta fechada”. Questionado sobre a abertura da porta, ele retificou, dizendo que era para poder ventilar o espaço. “Tá aberto assim meio pau para poder tomar um refresco, mas trabalhar mesmo a gente não tá não. Só abre pra fazer a resenha”, explica Dantas, que jogava baralho com amigos na frente da barbearia.  

Denúncias nas ouvidorias  Entre sexta e terça-feira (2), a Central Disque Coronavírus, da Ouvidoria do município, recebeu 8.968 chamadas. Dessas, 39,57% foram solicitações de serviço e denúncias. As principais demandas foram por poluição sonora e aglomerações (19,54%), atividade irregular de estabelecimentos comerciais -supermercados, lojas, concessionárias, call center, shoppings, academias – (19,03%), e 13,59% ligaram para denunciar atividade irregular de bares, restaurantes, depósitos e mercados. A ouvidoria também informou que o perfil das demandas durante a semana mudou, sendo mais voltado às questões comerciais. Os dez bairros mais solicitados nesse período foram Cajazeiras (144 denúncias), Pituba (135), Itapuã (118), Liberdade (95), Pernambués (93), Fazenda Grande do Retiro (82), São Marcos (80), Boca do Rio (77), Caminho das Árvores (77) e Águas Claras (75).  

Já a Ouvidoria Geral do Estado (OGE) registrou, durante esse mesmo período, 30 denúncias por descumprimento de decreto em Salvador. Os estabelecimentos irregulares foram bares, comércio abertos e faculdades. Os bairros denunciados foram o da Liberdade, Pau da Lima, Paralela, Armação, Periperi, Comércio, Valeria, Vila Rui Barbosa, Granjas Rurais e Uruguai. A OGE indicou ainda reclamações anônimas feitas em Lauro de Freitas, Maracás, Apuarema, Vera Cruz, Chapada Diamantina, Camaçari, Santo Estevão, Pojuca e Valente.  

Em relação às prisões em flagrantes de pessoas que desrespeitam as leis municipais e estaduais, a PM-BA declarou, por meio de nota, que “quem descumprir sem motivo que corresponde à necessidade essencial, será conduzido”. Aquelas que forem “flagradas sem o uso de máscara nas ruas serão orientadas, se houver resistência, serão conduzidas a delegacia por descumprimento de ordem”, adiciona. A instituição informou ainda que “está com os esforços voltados para o cumprimento do decreto de toque de recolher, com o objetivo de conter a disseminação da Covid-19".  

Pode funcionar:   - Somente serviços essenciais, como mercados  - Restaurantes por delivery até 00h  - Shopping e centros comerciais por drive-thru  - Pet shops, exceto serviço de banho e tosa  - Atividades relacionadas a saúde  - Comercialização de gêneros alimentícios  - Feiras livres  - Serviços relacionados à segurança e ao enfrentamento da pandemia  - Transporte e o serviço de entrega de medicamentos e demais insumos necessários para manutenção das atividades de saúde  - Obras em hospitais e a construção de unidades de saúde 

Não pode:  - Depósito de bebidas  - Salões de beleza e barbearias  - Academias  - Lavanderia  - Todo serviço que não for essencial 

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro