Estudante baiano ganha prêmio com app e vai conhecer o Vale do Silício 

Darlei Pereira reside em povoado de Senhor do Bonfim e teve primeiro computador aos 19 anos 

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  • Marcela Vilar

Publicado em 10 de junho de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal
Aplicativo também tem rede social para usuários compartilharem pontuações por Reprodução

Em Várzea do Mulato, um povoado de menos de 200 habitantes, a 20 quilômetros do município de Senhor do Bonfim, no Centro Norte da Bahia, mora o geógrafo e estudante do 2º semestre de engenharia da computação, Darlei Pereira da Silva, de 25 anos. Sem pretensões, ele se inscreveu, em dezembro de 2020, para a 9ª edição do Campus Mobile, um concurso de tecnologia e inovação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico (LSI-TEC), da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Instituto Claro.  

Seis meses depois veio a resposta não só de que ele venceu o concurso - o que garantiu um prêmio de R$ 6,8 mil - mas que teria uma viagem com tudo pago para o Vale do Silício, na Califórnia, nos Estados Unidos, onde ficam sediadas as principais empresas de inovação e tecnologia do mundo, como a Google, Apple e Facebook.  A premiação cobre as despesas de deslocamento, alimentação e estadia dos ganhadores desde a saída de casa, até o retorno.

Filho mais velho de três irmãos, o prodígio nem passaporte tem ainda, pois nunca precisou ou pensou que ia sair tão cedo do país. A única viagem internacional que ele fez foi para o Paraguai, para um simpósio de geografia, quando ainda estava na graduação do curso. Por ser região do Mercado Comum do Sul (Mercosul), só foi necessária a identidade.  

Darlei nasceu e estudou a vida inteira na zona rural de Senhor do Bonfim quando decidiu fazer o curso na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Foi ali que teve o primeiro contato com um computador, em 2015, quando tinha 19 anos. Os parentes juntaram R$ 400 para poder comprar o equipamento para o filho. 

“Antes de iniciar o curso, eu não tinha contato nenhum com computador, não tinha internet em minha casa. Se tinha internet no povoado, era só meia-noite que pegava”, conta Silva. Mas era aquela famosa “carroça”. “Quando botava para rodar os softwares, ele praticamente falhava, não conseguia usar”, destaca. Ele só conseguiu outro três anos depois, em 2018. 

Pioneiro

Ele é o primeiro da família a ingressar em uma universidade federal e parte da primeira turma a receber o diploma de geógrafo na Univasf. “A maior parte das pessoas onde vivo não tem nem perspectiva de nível superior”, explica. Depois de concluir a graduação em geografia, ele partiu para engenharia da computação. Porém, antes de ingressar no curso, aquele desejo de programar já estava dentro dele.  

“Aqui não tem tantos cursos e como eu não tinha dinheiro e a cidade mais próxima era Juazeiro ou Petrolina, dentro dos cursos que tinha, avaliei que o que mais gostara seria geografia. Gostei do curso, só que não era uma área que queria seguir. Por volta do terceiro semestre, já comecei a ver algumas coisas de tecnologia, como geoprocessamento, mapeamento e mexer com dados de satélite, e fui desviando”, narra Darlei.  

Ainda em geografia, ele chegou a desenvolver um aplicativo para a Reserva Ambiental. “Foi um aplicativo muito amador, eu não tinha tanto os conceitos de programação, não tinha noção do que era programar”, confessa. 

Alguns anos depois, ele cria o app que o faz ganhar o concurso para o Vale do Silício: “Educação + Cuidados da Saúde = –Doença (E + CS = -D)”. Ele é voltado para ensinar crianças e adolescentes sobre a prevenção da dengue, chikungunya, zyka, gripe e covid-19. Com uma temática de quadrinhos, o nome ainda será mudado - é que Darlei fez a inscrição nos 45 do segundo tempo.  

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“Fiquei sabendo pelo Instagram, só que, na época, eu não tinha confiança de que ia passar nem da primeira fase, para ser bem franco. Fiquei pensando se ia me inscrever ou não e, no último dia, faltando poucos minutos para acabar o prazo de inscrição, decidi. Não conseguia imaginar que ia ganhar a competição, mas falei que pelo menos seria para ter uma experiência, e é uma oportunidade única. Geralmente, ela é feita em São Paulo, na Usp, então aproveitei que, dessa vez, seria remota”, conta.  

O cenário do aplicativo é o Nordeste, para que os usuários sintam uma sensação de pertencimento – o público-alvo são principalmente os moradores da região norte da Bahia. A ideia de focar nas doenças transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti foi por a localidade ter passado por alguns surtos das doenças, em 2014. Até a mãe dele, Jucilene, pegou chikungunya.  “Meus familiares sempre reclamavam dos problemas em relação a essas doenças e eu pensei: ‘por que não criar um app para tentar mudar os hábitos e diminuir a proliferação delas?’, indagou.O projeto concorreu com outras 91 ideias classificadas para a primeira fase, que teve a participação de 198 estudantes de 68 universidades brasileiras. Na categoria de Educação, a qual o aplicativo de Darlei pertence, tinha 16 projetos.  

Apenas três projetos de cada categoria foram classificados para a final, que são os que irão para o Vale do Silício, quando as condições sanitárias permitirem. A duração será de cerca de cinco dias. A 9ª edição do Campus Mobile foi dividida em seis categorias: Educação, Games, Smart Farms, Smart Cities, Saúde e Diversidade. Todas as atividades, painéis, maratonas de programação e bancas das quatro etapas foram realizadas on-line. No total, o concurso teve seis meses de duração. 

Para ele, o mais difícil foi tirar do papel o modelo inicial, pois ele ainda engatinhava nos conceitos da linguagem de programação Kotlin. “A gente teve um mês para programar tudo e essa fase para mim foi a mais difícil. Algumas ideias eu não sabia se teria como fazer na realidade, porque na prática o que a gente imagina é diferente”, desabafa. 

Ele ainda consultou moradores da região para opinarem na utilidade do app, disponível na App Store desde 3 de maio. Até então, foram 53 downloads. Darlei explica que ainda não quis investir na divulgação do projeto, pois ainda mudará o nome, o design e fará alguns ajustes nos jogos. Os R$ 6,8 mil que ele ganhou do concurso serão aplicados no aperfeiçoamento dele. Ele pretende ampliar o cenário para todas as regiões do Brasil, não só o Nordeste, e disponibilizar em outras línguas.  

A viagem para o Vale do Silício é o principal motivo da animação do geógrafo. “Quem é da área de TI, o ápice é ir para o Vale do Silício, então é como se eu tivesse zerado a vida”, brinca. A mãe, roceira, é só orgulho. “Estou muito feliz. Ele sempre foi muito bom menino, nunca deu trabalho e sempre foi muito bom nos estudos”, comemora.  

O objetivo, daqui para frente, é evoluir na carreira de programador e, se possível, morar fora do país. Atualmente, ele estagia em uma empresa de programação do Rio Grande do Sul, de forma remota. “Tenho vontade de morar fora um tempo e quero seguir como desenvolvedor android nativo”, conta. Os países que ele mais tem interesse de morar são Nova Zelândia e Canadá.  

Três baianos também são vencedores 

Outros três baianos também são ganhadores da 9º edição do Campus Mobile. São ele Antonio Lêvi Pinto de Jesus, Carina Silva de Sá Santos e Fernando José de Jesus Silva, representantes da Faculdade Anísio Teixeira. O trio criou o aplicativo para smartphones BemAli, na categoria Saúde, que foi formatado para auxiliar na manutenção da saúde e no dia a dia das pessoas que convivem com algum tipo de alergia ou intolerância alimentar. 

Nos anos do concurso, a Bahia também venceu na quarta edição, na categoria Facilidades, com o projeto Mototáxis, desenvolvido por Mateus Carvalho, Vinícius Lima e Vitor Silva. O app conecta usuários e mototaxistas, permitindo que o serviço seja solicitado por intermédio do aplicativo. Na segunda edição, a baiana Ana Paula Gomes Ferreira também venceu, na categoria Tecnologias Digitais, com o Projeto Radar.

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro