Eterna Infância

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  • Horacio Hastenreiter Filho

Publicado em 6 de maio de 2021 às 05:33

- Atualizado há um ano

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Eduardo Gianetti, em seu livro O Valor do Amanhã, expõe de forma muito clara a visão de que parte importante das nossas decisões envolve o trade-off entre a extensão dos ganhos que podemos auferir e o momento em que esses nos chegam. Sendo assim, não somente os juros recompensariam a nossa paciência e disposição em postergar o usufruto imediato do nosso capital para que tenhamos uma fruição maior no futuro. Outras decisões cotidianas recompensam que não sucumbamos às tentações do prazer imediato, como as dos jovens que abrem mão de uma balada às vésperas de uma prova importante ou dos cervejeiros que cedem à tentação de uma gelada na véspera de uma longa jornada de trabalho. Ambas são decisões que obedecem à lógica de considerar o futuro na decisão presente.

A pandemia de covid-19 vem expondo o empresariado brasileiro a uma situação extremamente difícil. Desde o seu início, iniciativas de lockdown vêm exigindo o fechamento ou funcionamento precário de diversos estabelecimentos, impactando sobremaneira as suas possibilidades de sobrevivência. Em situação vexatória e com dificuldades de cobrir, sequer, os custos operacionais, parte significativa do empresariado passa a defender um relaxamento nas medidas impostas pela necessidade de distanciamento, suscitando mais uma divisão opinativa na nossa sociedade: privilegiar a saúde ou a economia?

O impacto pandêmico na economia mundial é significativo, refletindo-se num retrocesso do PIB Global de 4,4%. No entanto, alguns dos países que mais obtiveram sucesso no combate à pandemia, como China, Coreia do Sul, Noruega e Nova Zelândia, estão também entre os que melhor performaram economicamente em 2020. O lockdown abrangente e a suspensão de atividades diversas lhes permitiram uma retomada da economia de forma mais rápida e intensa do que nos países que agiram tibiamente, adotando medidas parciais e territorialmente restritas, as quais combinaram ônus imediato e reduzido bônus futuro.

A observação da questão na perspectiva micro pode ajudar. Imaginemos um restaurante obrigado a se manter fechado por 60 dias, sem faturamento. Admita-se que haja colaboração social nesse período de fechamento e que as taxas de transmissão se reduzam significativamente. (A redução da taxa de contaminação R para 0,7 já diminuiria os novos contaminados a menos de 25% do valor base em 30 dias). Após os 60 dias, com níveis mais baixos de contaminação, os restaurantes são, então, autorizados a abrir com 80% de seus espaços disponíveis. Adotando-se um período temporal de seis meses, o restaurante terá, então, um faturamento nulo nos meses iniciais e de 80% nos outros quatro meses. O faturamento médio, seria, então de (80x4+2x0)/6 = 55% do potencial do restaurante nos seis meses. Com a permanência da contaminação em alta e com restrições de funcionamento mantidas em 40% da lotação durante todo o período, esse seria o faturamento médio nos seis meses. 

A cultura curto-prazista é uma das características mais evidentes do nosso país. As nossas escolhas individuais e coletivas refletem o nosso pouco apreço pelo amanhã. Talvez essa seja uma das explicações pela baixa prioridade que atribuímos à educação, exigente de muito investimento antes dos garantidos retornos. Mimetizamos sistematicamente o comportamento do garoto que, consultado se prefere um chocolate hoje ou cinco amanhã, se deixa levar pelo enganoso salivar da boca e não hesita em optar pelo prazer imediato. O problema é que o amanhã chega e os cinco chocolates não degustados lhe custarão mais que o prazer postergado do único chocolate comido. Mas aí, então, como dizem por aí, já foi.

Horacio Nelson Hastenreiter Filho é professor associado da UFBA