Eu vivi: de gringa chorando a foliões-dançarinos, quem viveu o Carnaval?

Conheça as experiências que fazem a folia de Salvador

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  • Fernanda Santana

Publicado em 26 de fevereiro de 2020 às 06:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Vimos o gringo parar só para ver pela primeira vez, compenetrado, o trio elétrico. Vimos outros foliões passarem pela avenida aos pulos, como numa avalanche de gente. Alguns preferiram os becos, outros a balaustrada e muitos ficaram espremidos nas calçadas. Vimos um bebê dormir, no colo do pai, que, enquanto ninava o filho, pulava em pleno circuito de Carnaval. Vimos ambulantes rebolarem e trabalharem. Vimos até gente casar em cima do trio. Tudo ao mesmo tempo, agora. Vimos e vivemos o Carnaval 2020 de Salvador pelos olhos do folião. 

Pular foi uma questão de escolha, mas também de sobrevivência. Quando Daniela Mercury cruzou a passarela principal do Circuito Dodô, na terça-feira (25), último dia de Carnaval, os foliões começaram a se espremer, sem interromper as coreografias. “Não há Carnaval com cultura sem ela”, definiu Eliana Rosa, 50. O mesmo aconteceu quando outros grandes nomes do Carnaval, como Ivete Sangalo, Bell Marques e Baiana System, passaram. 

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No meio do caminho, quando o trio de Bell entrava no Circuito Dodô, na segunda (24), e os cordeiros levantavam as cordas, uma foliã pareceu se dar conta, só ali, de que não adiantaria ficar parada: o Carnaval a levaria. Durante o Carnaval de Salvador, os estrangeiros serviram de termômetro para medir o impressionismo da festa. No início do Circuito Osmar, a aposentada Julia Humiston, 70, de Nova York, chorava enquanto via o Olodum passar.“É a coisa mais fantástica que existe. Estava chorando até antes de chegar aqui”, disse ela, que ensaiava alguns passos.  Encantamento e impressionismo  Um dia antes, no Circuito Dodô, um grupo de Berlim havia acabado de desembarcar da Amazônia direto na folia. Os quatro sociólogos estavam fantasiados – um até com flores desenhadas pelo corpo – e dançavam, sem ritmo, ao som do ijexá dos Filhos de Gandhy. Estavam todos de chinelos, com os pés já escuros das pisadas e do pula-pula. “Estou encantada com esse modelo de blocos. Me parece tudo muito amigável”, contou Nicole Maziarka, 25, sem reclamar.

Num ponto mais à frente, com três cervejas à mão só para ele, o investidor Ryan Oneill, 37, também de Nova York, fez do Carnaval seu refúgio. Pelo celular, acompanhava as ações despencarem devido ao Coronavírus. “Só hoje já perdi R$ 200 mil”, calculou, sem deixar de admirar a variedade de ritmos. “Tudo é mais espontâneo aqui nesse Carnaval”, opinou. Inclusive, na medida do possível, todo mundo esqueceu do Coronavírus no Carnaval e curtiu sem medo. Exceto por Ryan e quem saiu fantasiado do vírus respiratório. 

A trupe dos fantasiados são um capítulo à parte da experiência foliã. Ela passa pela avenida para fazer graça com os outros foliões, mas também pulam junto com a multidão.“Isso resume a alegria do povo”, sintetizou Marcio Picanço, 43, vestido de uma das irmãs do filme As Branquelas.Quem preferiu ficar nos becos, acompanhou tudo como a um verdadeiro desfile, sem se prender a nenhuma artista. Eram, geralmente, casais acompanhados de amigos, filhos e familiares. Duas amigas dançavam e cantavam de pé, em cima da balaustrada e vestidas de tule e maiô azul, se surpreenderam ao ver Claudia Leitte surgir suspensa no ar, pendurada em um guindaste, antes de pousar no trio, na última sexta (21). Em que outra época isso seria possível? 

Vimos uma ambulante, toda de rosa e com uma pena na cabeça, dançar no ritmo do cantor Bell Marques. “Dá para trabalhar e curtir tranquilo. É só estar atenta aos clientes e aos trios”, brincou Lilian Rodrigues, 31, atrás do seu isopor de bebidas. Os cordeiros tentavam repetir a mesma fórmula, embora, vez ou outra, precisassem correr para erguer uma corda caída.

Mais diversidade  Sim, porque os blocos também vivem e os foliões de abadá insistem em vestir a camisa do bloco puxado por seus cantores e cantoras favoritos. Quem curte samba, por exemplo, desfilou elegância – principalmente no Circuito Osmar – nos tradicionais blocos do gênero na folia. 

Na pipoca, cada vez mais diversidade e espaço. A pipoca da banda Baiana System, por exemplo, já está consolidada como uma das mais cheias da folia. Até o vendedor de cerveja equilibrou o isopor nas costas para ver o grupo passar. Crianças foram iniciadas na folia –entre o espanto e a sensação de liberdade –, jovens e adultos mantiveram a tradição e idosos aproveitaram os momentos de intervalo entre um trio e outro para circular.

“É uma brincadeira para começar a acostumar eles no Carnaval”, contou o barraqueiro Dielson Santos, 28, sobre o bloco “É o baba”, criado neste ano para levar seu filho, Heitor, 5, e os dois filhos de um amigo, para a folia. Todos estavam vestidos de jogadores de futebol. 

Na hora do cansaço, teve folião que sentou no chão à espera do próximo trio e outros que aproveitaram para posar na frente dos trios. O público do camarote passava direto para o conforto do ar-condicionado, onde parece acontecer um carnaval particular. As mulheres curtem de salto, com camisas personalizadas e cabelos impecavelmente arrumados.“São festas diferentes. Tem a pipoca, o bloco e o camarote”, afirmou Roberta Andrade, 43, quando seguia para um camarote.Pela avenida, encontramos os rastros de todas essas experiências, como camisinhas e sapatos encontrados no chão. 

Vimos uma minoria de criminosos se disfarçarem de foliões para agredir e furtar. “Mas eu vi como exceção. Achei seguro”, disse o bancário Jonathan Veras, 31. Um policial, num posto da Polícia Militar, batucava e cantarolava enquanto os trios passavam. Mas reinou a alegria, o verdadeiro espírito do Carnaval.

O CORREIO proporcionou a Rita Gaspar, que estava sem dinheiro para ir para o Carnaval, um lugar no Trio Pagodão, da Skol, e um casal de baiana e suíço decidiu se casar em cima do trio de Durval Lelys, no penúltimo dia do Carnaval. No chão, foliões pediam que a noiva jogasse buquê – mesmo que o clima não fosse de casamento. 

Nas próximas páginas desta edição, nossa equipe também experimentou o Carnaval de Salvador de outra forma e te faz um convite para as experiências mais marcantes da folia, do folião pipoca ao bloco Muquiranas. Um convite a um Carnaval que se reinventa a partir de quem vive, da forma mais esdrúxula à mais luxuosa, a folia. Vamos? 

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