Everson fala sobre perda do pai, lembra época que lavava carros e revela resenha com elenco

Zagueiro de 20 anos, que deve ser titular contra o Botafogo-PB, contou sua história de vida ao CORREIO

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  • Fernanda Varela

Publicado em 2 de maio de 2018 às 05:24

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Talvez, os torcedores do Bahia menos atentos ainda passem batidos ao ouvir o nome de Everson. O zagueiro fez três jogos este ano, sendo dois pelo Campeonato Baiano, contra Bahia de Feira e Fluminense de Feira, além de ter entrado na partida contra o Atlético Paranaense, domingo, na Fonte Nova. Hoje, o CORREIO apresenta a história desse talento da base, que tem apenas 20 anos, mas muita história para contar.

De pés descalços e sorriso largo, Everson surgiu na escada da casa amarela onde mora, no Jardim das Margaridas, pertinho do Fazendão. O garoto, que começou a trabalhar aos 7 anos, falou sobre o assassinato do pai, a admiração que tem pela mãe e como cresceu se virando até chegar ao profissional.

Basta um breve diálogo para notar que o ídolo dele não usa chuteiras, nem uniforme, e atende pelo nome de Meire. “Eu sou filho de uma mãe muito guerreira, que luta pelos quatro filhos. Ela sempre batalhou muito e superou muitas coisas para que nunca faltasse nada para a gente. Eu tenho um padrasto, mas ele nem sempre esteve presente. É minha mãe quem chega junto”, explica.

O amor pela mãe é mesmo bonito de ver. Ele fala com tanto afeto de Dona Meire que quem não a conhece tem vontade de conhecer. Sobre o pai biológico, pouco diz, já que a convivência limitou-se a alguns meses.

“Eu tenho dois pais, na verdade. Meu pai de sangue, Cláudio, faleceu quando eu era muito pequeno. Eu tinha alguns meses. Ele morreu em uma briga de família. Foi meu tio (quem matou). Eu não sei explicar, minha mãe não gosta de tocar nesse assunto, então eu respeito e não pergunto a ela. É irmão dela, então é família. Ela tem um coração muito bom e perdoou. A minha relação com ele é normal, eu não guardo mágoa de ninguém. E tem meu pai Adilton, que foi quem me registrou. Temos uma relação boa”, explica de forma breve, sem querer entrar em detalhes.

Espelhado no exemplo materno, Everson começou a trabalhar desde quando se entende por gente. Segundo ele, queria ajudar a mãe e ter o seu próprio dinheiro. “Comecei a trabalhar cedo, mas não porque minha mãe queria. É porque eu queria mesmo. Eu gostava e queria ter meu próprio dinheiro. Sabia que era minha mãe sozinha para pagar tudo e tinha coisas que ela não podia dar, porque preferia comprar as coisas para a gente comer, claro. Eu entendia, aí quis ajudar. Comecei carregando compras, no bairro vizinho, Colinas de Pituaçu. Depois, com 10, 11 anos, eu comecei a trabalhar em um lava a jato. Fiquei lavando carro até os 15 anos, que foi quando eu comecei a jogar bola”, relata.

O encontro com o futebol foi tardio em relação a milhares de garotos. Ele, que sempre foi torcedor do Bahia, nunca assistiu a nenhum jogo no estádio. Já começou no campo. E foi lá que encontrou suas primeiras dificuldades. “Cresci em Sussuarana Nova. Só que, quando eu treinava na base, eu faltava muito. Lá só tem uma opção de ônibus e demora muito. Muitas vezes chegava duas horas antes e outras eu chegava super atrasado ou nem conseguia ir. Não tem um horário certo para o ônibus passar. Eu cheguei a morar no alojamento do clube e, quando as coisas foram melhorando um pouco, me mudei para cá, pertinho do treino. Vou de carro e não me atraso mais”, conta.

Treinando com o elenco profissional desde 2015, Everson fez apenas cinco jogos até agora. Estreou em 2016, quando o Bahia enfrentou a Juazeirense com um time formado por garotos da base, já que o calendário previa duas partidas no mesmo dia; depois atuou em 2017, pelo Campeonato Brasileiro, quando foi improvisado de lateral-direito contra o Coritiba; e fez mais três partidas este ano. Foi em uma delas que o garoto agradeceu por Dona Meire não gostar de assistir aos jogos do Bahia.

Contra o Fluminense de Feira, em Pituaçu, entrou em campo com a missão de substituir o lateral João Pedro, que deixou o campo machucado. Poucos minutos depois, foi ele quem precisou sair. “Nesse jogo eu machuquei a cabeça e desmaiei. Se ela tivesse assistido, não deixaria eu jogar mais”, brinca.

O menino cresceu, virou jogador, casou, já tem até um filho de quatro meses, mas a mãe ainda pega no pé quando o assunto é alimentação. “Ela manda eu me alimentar direito. Eu nunca gostei muito de comer comida mesmo. Eu gosto mais de merenda, tipo biscoito, batata frita e refrigerante. Minha sogra, que é enfermeira, também reclama. Eu dou trabalho para os nutricionistas do clube, mas eles sempre me falam que o problema não é eu engordar. Eu não engordo, mas eles falam que isso pode me prejudicar lá na frente”, reconhece o zagueiro de 1,87m.

O respeito à mãe é tão grande, que, além de tentar comer melhor, Everson segue outro conselho. Mesmo a fim de aumentar a quantidade de tatuagens – já tem 14 –, ele promete não fazer nenhum novo desenho por enquanto. “Eu queria fazer mais no outro braço, mas ela não deixa, então eu respeito”. Everson com o filho, Everton Kawan, de quatro meses, e a esposa, Maria (Foto: Marina Silva/CORREIO) Rapaziada da base Everson já está familiarizado com a rotina de um jogador profissional, mas ainda mantém o hábito de se definir como um “jogador da base”. É com a rapaziada que cresceu no Fazendão que ele garante a resenha diária.

“Eu gosto mais de andar com a rapaziada da base. Marco Antônio, Felipinho, Brumado um pouco menos. Eu me junto mais com eles, porque as conversas são mais parecidas. A gente brinca muito, até o próprio Becão, que é base também. Alguns que já eram do profissional também brincam bastante, como Zé Rafael, Anderson, Edson, Régis, Élber também resenha direto, mas eu ando mesmo com os da base. Me identifico mais”, admite.

“Prefiro concentrar com eles. Nunca fiquei com nenhum dos mais veteranos. Quando me colocaram para concentrar, eu pedi para trocar, mas é mais por ter uma resenha parecida com os da base mesmo”, explica. “Eu fico meio tímido de andar com os caras mais profissionais às vezes”, completa.

A ficha ainda está caindo. O próprio zagueiro percebeu isso quando se viu em campo ao lado de um atleta que antes só admirava. “Eu até falei com Lucas Fonseca outro dia que antigamente eu assistia ele, e hoje estamos jogando juntos. É um prazer enorme para mim. Não me acostumei muito com entrevistas, essas coisas, mas é meu jeito também. Não sou muito de conversar, sou mais calado”, confessa.

Everson e Lucas Fonseca, inclusive, podem formar a zaga na quinta-feira (3), quando o Bahia enfrentará o Botafogo-PB, às 21h45, em Pituaçu, pela Copa do Nordeste. O jogador deve ganhar oportunidade porque Tiago, Grolli e Becão, todos se recuperando de contusão, são dúvidas.

Ele promete não decepcionar se for escolhido por Guto Ferreira. “Eu fico ansioso, mas não tem esse negócio de nervosismo, não. Quando eu toco na bola, passa tudo”. Como o Bahia venceu por 2x1 em João Pessoa, pode até perder por 1x0 para ficar com a vaga na semifinal.

É só o começo do sonho. Everson dá os primeiros passos e começa a trilhar um caminho para, quem sabe, realizar seus dois grandes sonhos na carreira: defender um grande clube europeu e servir à Seleção Brasileira.