Exu, luminoso

Por Aninha Franco

  • D
  • Da Redação

Publicado em 4 de agosto de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A Bahia amanheceu quinta-feira sem Mário Cravo Jr., o último dos Cavalheiros da Baianidade, nascidos próximos, criadores ligados no combate ao colonialismo do território invadido em 1500 e re.invadido em 1549 para enriquecer os países ibéricos e o Vaticano. Mário nasceu em 1923, Jorge Amado em 1912, Caymmi em 1914, Carybé em 1911, todos na Bahia, exceto Carybé que nasceu baiano na Argentina. A transgressão artística assegura uma função essencial da Arte: a dissonância. E a dissonância desses Cavalheiros protagonizou o povo em suas obras poucas décadas depois do fim da escravização humana na Bahia, a mais longa do Brasil, quando o Povo era seu personagem oculto. E reverenciou a religião do candomblé quando ela era, ainda, perseguida num Estado de religião oficial católica, e de perseguição a Terreiros, Sacerdotes e Fiéis.

Perdemos esses faróis a partir dos Anos 1990, até que o último deles se foi quinta-feira, aquele que bateu muitos cravos na ferradura do autoritarismo e muitos outros na ferradura do puritanismo. Assistimos a Ditadura Civil/Militar de 1964/1989 retirar e esconder a escultura de Conselheiro criada por Cravo e instalada na porta do TCA, e entendemos que era insuportável às Forças Armadas, no Poder, ser advertida todos os dias, numa das praças mais importantes da Cidade, que cangaceiros armados de ferrões e badogues, liderados por um guia messiânico, tivessem derrotado suas forças bem armadas três vezes. E é função da Arte advertir o autoritarismo dos seus limites!

Quando Mário, o Ferreiro de Exu, cognome que lhe deu Jorge Amado, espalhou Exus pelo Brasil, Exu dos Ventos na UFRJ, Campos do Fundão, no RJ, Exu Mola de Jipe no Jardim de Esculturas do MAM de SP, Exu no Jardim da Agência Central dos Correios da Pituba, visibilizando o poderoso Orixá africano da comunicação, senhor do Movimento, associado ao Lúcifer católico, reverenciou o poder da Opinião e da Transgressão.

O Brasil tornou-se Estado laico em 1890, por decreto de autoria de Ruy Barbosa, mas só em 1934 a Constituição reconheceu a liberdade de culto, desde que não contrariasse a ordem pública e os bons costumes. O jeitinho do sistema brasileiro de proteger a ordem pública e os bons costumes permitiu que a polícia, alertada pela igreja católica, invadisse Terreiros, prendesse Sacerdotes e fieis e apreendesse ferramentas sagradas até 1946 quando, finalmente, a religião do Candomblé pode ser praticada sem a ameaça da lei. Nesses anos, Jorge Amado, Caribé, Mário Cravo Jr e Caymmi já escreviam, pintavam, esculturavam e cantavam o Povo e as suas tradições, e eram ligados ao candomblé.

Gregório de Mattos, no século 17, enfrentou a colonização que ainda rege a nossa mentalidade, com sua poesia picante. Castro Alves, no século 19, lutou contra a escravização com sua obra madura criada pelo jovem que viveu 24 anos. Esses Cavalheiros, dos quais o último se foi quinta-feira, enfrentaram seqüelas de 339 anos de escravização humana e 340 anos de colonização, no século 20, guias da Baianidade ainda em processo de construção, não por acaso tão difícil.

Continuemos sob suas inspirações.