Falar do risco em Itapuã: casos no bairro preocupam, e moradores ignoram isolamento

CORREIO esteve no bairro, que preocupa secretaria municipal da saúde

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  • Vitor Villar

Publicado em 4 de maio de 2020 às 06:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho / CORREIO

Os moradores de Itapuã, sexto maior bairro da cidade, com 67 mil habitantes, parecem não estar preocupados com a covid-19. A doença já matou 80 pessoas em Salvador, mas, ainda assim, as pessoas ali continuam se aglomerando.

Segundo artigo publicado no CORREIO pelo secretário municipal de saúde, Léo Prates,  há uma curva de crescimento de casos de infecção pela doença no bairro. Até a última quinta-feira, eram 21 casos na região (considerando também Alto do Coqueirinho e Bairro da Paz). Brotas tinha 50.

A reportagem ouviu moradores do bairro e eles se queixam de que a população local não têm seguido as recomendações de distanciamento e os decretos estabelecidos pelas autoridades municipal e estadual. É comum, segundo eles, encontrar aglomerações de pessoas em praças e vielas, em frente às suas casas, confraternizando com familiares e vizinhos.

“Aqui tem muita gente levando o caso na brincadeira. É a coisa mais fácil do mundo você ver o povo no meio da rua, mesmo, queimando carne, comendo água, em aglomeração. Por isso que tá aumentando”, reclama o motoboy William Conceição, morador da região do Abaeté. Idosas dividem banco em praça de Itapuã (Foto: Arisson Marinho / CORREIO) “Onde eu moro não tem uma praça por perto, então os moradores compram a cerveja no bar – que tá fechado, mas continua vendendo – e ficam tomando na calçada. Outros levam para a porta de casa. Ninguém está seguindo as recomendações. Pessoas de diferentes casas se encontrando”, lamenta o mestre de capoeira Gerdilson Farias, morador da Baixa do Soronha.

Alguns até brincam com a situação quando são cobrados: “Ontem (sábado) eu passei de carro pela ‘praça do coreto’ (Rua Alto da Bela Vista, no Abaeté) e estava lotada, velho. Um monte de gente sem máscara, pagodão rolando, churrasco, todo mundo grudado”, conta um morador da região do Farol de Itapuã, que não quis ser identificado por receio da reação dos vizinhos.

Ele continua: “Parei e falei com amiga: ‘você não tem medo de pegar o vírus e levar para a sua avó, não’? Ela disse: ‘não, porque aqui todo mundo é família, todo mundo é parente, tá vendo não’? Quer dizer, é essa ignorância, da maioria do povo de Itapuã, que vai acabar com o bairro”.

Além da ‘praça do coreto’, como é conhecido informalmente o local, moradores relataram também aglomerações, sobretudo nos finais de semana, na comunidade Água Suja (Rua Álvaro Baqueiro), na Rua Guararapes, na Praça do Jenipapeiro e nas redondezas do Alto da Cacimba.

“Venha ‘descendo’ do Abaeté num final de semana para você ver. É baiana de acarajé, é festa, é som... Tem um depósito de bebidas no pé da Ladeira do Abaeté que está vendendo para pessoa física. São 30 pessoas em pé bebendo, todo mundo sem máscara”, relata o morador que não quer ser identificado.

Feira e Caixa Além da confraternização inadequada de pessoas, moradores reclamam também das aglomerações em torno de estabelecimentos comerciais que seguem abertos ou feiras.

Um dos pontos mais citados é uma feira a céu aberto ao redor do Mercado Municipal de Itapuã, nas ruas Genebaldo Figueiredo e da Cacimba, nas proximidades da 12ª Delegacia. O mercado foi fechado por decreto da Prefeitura, mas moradores relatam que os feirantes seguem vendendo, agora num ambiente mais apertado e propício às aglomerações.

O CORREIO esteve no local citado e, de fato, presenciou uma movimentação grande de pessoas, ainda que quase todas de máscara. “Ontem (sábado) passei lá perto e parecia um Carnaval, uma aglomeração enorme de gente sem máscara, sem higiene ideal”, disse Luís Santos, morador da região do chamado “Km 17”.

“O mercado foi fechado por decreto, então os comerciantes de lá improvisaram essa feira em frente. Num ambiente mais apertado, acaba aglomerando e tem bagunça. Tem dia que você não consegue nem passar”, continua Luís. “Tá tudo funcionando normalmente, como se nada tivesse acontecido. Sábado, por volta das 11h, você não consegue nem passar por essa rua”, disse o morador que não quer ser identificado.

Os moradores ouvidos apontam que os estabelecimentos comerciais das vias principais do bairro – Avenida Dorival Caymmi e Orla – estão constantemente fechados em virtude dos decretos. Algumas lojas das ruas internas de Itapuã, no entanto, seguem funcionando normalmente, segundo eles.

“A verdade é que somente as grandes lojas fecharam. As de esquina continuam abertas e movimentadas. Somente na primeira semana o isolamento foi plenamente respeitado”, conta Caíque Lima, morador da região da Vila Militar. “Hoje (domingo) fui no ‘(Km) 17’ e o clima era de um domingo normal. A obrigatoriedade do uso de máscaras infelizmente não vem sendo respeitada”, completou.

Moradores reclamaram também das filas ao longo da última semana em frente à agência da Caixa Econômica Federal na Av. Dorival Caymmi – ponto já de movimento intenso por conta dos pontos de ônibus e da circulação de pedestres. A aglomeração deu-se por conta dos saques do auxílio emergencial do Governo Federal. Banhistas ocuparam praia de Itapuã na manhã de domingo (Foto: Arisson Marinho / CORREIO) “A fila tinha vários metros sem um devido distanciamento. Se fizessem o distanciamento correto acho que ela ia na (estátua da) sereia (na orla), de tanta gente”, conta Paulo Vítor, morador da região da Rua Beira Rio. “Não vi ninguém tentando organizar as filas para que tivessem o distanciamento certo”, completa.

A reportagem do CORREIO também registrou alguns banhistas na praia de Itapuã, apesar da interdição de todas as praias da capital baiana por decreto municipal.

“Tenho saído só pra ir ao supermercado, mas na sexta-feira (1º), que foi feriado, vi uma movimentação nas ruas de dentro da comunidade que não via há muito tempo. No início parecia que as medidas estavam sendo obedecidas, mas aos poucos vêm sendo relaxadas. Nessa última semana relaxou muito”, confessa Jean Rios, morador de Nova Brasília.

As autoridades Secretário municipal de saúde, Léo Prates lamentou que parte dos moradores de Itapuã não esteja colaborando com as autoridades: “A Prefeitura e o Governo do Estado têm feito o maior esforço possível, inclusive contratando profissionais para trabalharem nos finais de semana, a fim de intensificar a fiscalização dos decretos. Mas é impossível para o poder público fazer tudo sozinho ou atingir todas as ruas. Precisamos da participação da população, de cada um fazer a sua parte”.

“Nosso trabalho é para conter o avanço dessa doença, para que ela não tenha um volume expressivo de doentes ao mesmo tempo. O objetivo final é pelo menos igualar a oferta de leitos de UTI com a demanda por eles”, disse Prates. “Se as pessoas não colaborarem, vamos ter um colapso da saúde entre 31 de maio e 15 de junho. Não teremos leitos de UTI disponíveis para todas as enfermidades, não só para a covid-19”, completou.

Sérgio Guanabara, titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), garante que as operações de fiscalização têm ocorrido com frequência em Itapuã, inclusive nas ruas e vielas mais internas do bairro.

“A nossa equipe chega lá, sim. Há mais de 45 dias que a Sedur vem fiscalizando as ruas vicinais de Itapuã, não só lá, mas de todos os bairros”, disse Guanabara. “Agora, existem muitas lojas nessas vias que estão abaixo dos 200 m². São estabelecimentos de pequeno porte que, pelo decreto, estão autorizadas a abrir”, explica o secretário.

“O que não está permitido, em qualquer porte, são bares e restaurantes. Neste sentido, a Sedur tem fiscalizado essa região e tem constatado que muitos estão fechados e aqueles que insistem em abrir a gente tem interditado. Já são mais de 16 mil interdições na cidade. Onde estiverem agindo de maneira irregular a gente vai interditar”, disse Guanabara.

No caso da denúncia de que depósitos de bebida estejam vendendo para pessoas físicas, Sérgio Guanabara lembrou que esses estabelecimentos estão liberados para vendas por atacado, a pessoas jurídicas. Mercado municipal foi fechado por decreto (Foto: Arisson Marinho / CORREIO) O secretário municipal lamentou que algumas pessoas insistam em realizar aglomerações em eventos de rua, e disse que a Sedur também tem buscado coibir essa atitude: “Colocar um som para tocar, reunir amigos, isso está proibido há mais de 40 dias. Mesmo sendo da alçada da Semop (Secretaria Municipal de Ordem Pública), a gente tem colaborado e fiscalizado isso, também”.

“Inclusive, nesse sentido, nossa fiscalização tem ocorrido de forma planejada, com base em informações que a nossa inteligência recolhe. A equipe já vai no local certo, onde sabemos que há aglomeração, e chega num carro não-padronizado para coibir”, disse.

Nesse sentido da inteligência, Guanabara lembrou que o número 160 está disponível para que os moradores denunciem estabelecimentos que estejam descumprindo os decretos, a exemplo de bares e restaurantes que estejam funcionando ou mercados que não exijam o uso de máscaras.

Além disso, espera que as pessoas tomem atitudes pela própria consciência: “Se tudo andasse de forma exemplar, a fiscalização não precisaria existir. Temos que tomar essas atitudes de inibir e coibir porque algumas pessoas insistem em descumprir com as determinações da nossa prefeitura”.