Falar sozinho não é coisa de maluco; operadores do metrô usam técnica japonesa para manter o foco

Prática é sucesso entre funcionários, que passaram a usar o método até mesmo fora do serviço

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  • Wendel de Novais

Publicado em 2 de dezembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Caso veja um operador de trem do metrô apontando para a frente e falando sozinho enquanto comanda a máquina, não se assuste. Ele está conversando consigo mesmo, mas não está maluco. O gesto e a fala têm um objetivo: manter a concentração durante o serviço. Isso porque, ao falar  "sinaleiro favorável, iniciando movimentação" - texto dito antes de saírem com o trem da estação -, o operador está colocando em prática um método de segurança japonês, o shisa kanko, que ajuda a manter o foco e ter ciência do comando que está executando. A prática, que é utilizada por poucos  no Brasil, surgiu no começo do século XX, nas linhas férreas japonesas, para checar se tudo estava em ordem com a sinalização dos trens e, comprovadamente, reduz 86% dos riscos de erros na atividade.

Apesar da grande eficiência, o método está longe de ser complexo. Basicamente, o shisa kanko funciona da seguinte forma: o operador se concentra no sinaleiro; aponta com firmeza; leva a mão ao ouvido para pensar e falar; e, por fim, aponta novamente para o sinaleiro verbalizando de acordo com o aspecto luminoso, que pode estar verde, liberando o deslocamento, ou vermelho, indicando que algo ainda precisa ser ajustado antes da saída. De acordo a Universidade de Hiroshima, os erros foram reduzidos em 86% para as pessoas que praticaram o apontar e falar.  Operadores apontam e falam antes de executar comandos (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Melhora instantânea

Os operadores, que fazem uso da técnica diariamente há dois meses, aprovam o novo método. Caroline Brito, 27 anos, é operadora de trem há 5 e aprova a experiência. Para ela, é mais fácil detectar problemas enquanto diz o que precisa fazer. "Aumenta muito a nossa concentração em relação à sinalização que comanda a dinâmica dos trens, parece que a gente fica mais ligado", justifica. "É como se a nossa cabeça tivesse um ou dois alertas a mais sobre o que é preciso fazer por conta do gesto e da nossa voz. Isso dá mais segurança para os passageiros e pra gente", completa. A sinalização que Caroline se refere é parte principal do Sistema de Controle de Trens Baseado em Comunicação (CBTC), que é automatizado e garante a segurança da operação. 

Para Higor Tertuliano, 38, operador de trem há 4 anos, a técnica, além de dar mais segurança ao processo, é um trunfo importante para os operadores que precisam estar sempre concentrados em um trabalho que é repetitivo. "A gente opera em um serviço em que os comandos se repetem. Só isso demanda muita concentração, não pode vacilar. Então, toda ajuda é bem-vinda", diz.  Higor vê a técnica japonesa como aliada importante na concentração em um trabalho repetitivo (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Outro que já virou fã do método foi Ricardo Figueiredo, 36, operador de trem há 6 anos. "Pra mim, foi um ganho alto receber o treinamento para aplicar o shisa kanko. Sinceramente, facilitou tudo. Antes, eu tentava decorar tudo. Agora, parece que naturalizei o processo", relata.

 A empolgação de Ricardo com a técnica é tão grande que ele resolveu levar o shisa kanko para o seu dia a dia, mesmo quando não está trabalhando. Segundo ele, o hábito de apontar e falar para verificar se está tudo certo é usual antes de sair de casa. "É como um check-in, que você confere que tá tudo certo. Eu, como saio de casa cedo, posso ter um dia com mais sono e esquecer algo. Por isso, eu coloco a mão no ouvido, penso se peguei a chave e o meu equipamento, aponto pra frente e digo que está tudo certo e posso sair", conta.

. Carol utiliza o shisa kanko em casa para não esquecer chaves (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)  Técnica permanente

 A utilização da técnica é recente, mas, pelos resultados registrados nos dois meses de aplicação em Salvador, deve se tornar uma prática permanente no trabalho dos operadores. Para o coordenador de Tráfego da CCR Metrô Bahia, Rodrigo Silva, o shisa kanko é inovador e de fácil execução, contribuindo assim para o desempenho profissional e pessoal dos colaboradores. “É um método que vem somar no dia a dia da operação, reforçando o que mais prezamos que é a segurança de colaboradores e clientes”, afirma. Ele diz ainda que outra empresa da CCR, em São Paulo, deve pôr em prática o shisa kanko com seus operadores.

Box de dicas

Assim como os operadores da CCR, você também pode levar a técnica para sua rotina e otimizar as suas atividades. Como se trata de algo simples - apontar e falar -, toda pessoa pode utilizar a técnica e melhorar a execução de determinadas atividades. Por isso, o CORREIO te dá três dicas para fazer uso do shisa kanko no cotidiano. Veja a seguir:

1- Identifique erros comuns que você repete no dia a dia como o ato de esquecer as chaves, não colocar o sal na comida ou se distrair facilmente ao ir fazer uma atividade necessária e esquecê-la por exemplo.

2- Escolha os momentos mais propícios que você precisa lembrar da necessidade de realizar essas ações, como antes de sair de casa no caso das chaves, minutos após pôr o alimento no fogo ou no ato de caminhar ou se direcionar para atividade que não pode ser interrompida por distrações.

3- Sempre aponte e verbalize as ações que você precisa realizar cotidianamente para que elas não fiquem sua atenção e você as cumpra com concentração.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro