‘Falta de educação e planejamento’, aponta Sogiba sobre gravidez na adolescência

Presidente da instituição fez uma análise do contexto que envolve essa questão

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  • Gil Santos

Publicado em 31 de julho de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

A Bahia é o 5º estado do Brasil em número de adolescentes grávidas, segundo dados divulgados nesta terça-feira (30) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Até maio deste ano 10.617 bebês nasceram de mães que tinha entre 10 e 19 anos. O número representa 17,4% dos nascimentos vivos do estado.

O CORREIO conversou com o presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia (Sogiba), Caio Lessa, sobre esse cenário e os riscos, impactos e contextos da gravidez na adolescência. O que muda no corpo das meninas? A mãe e o bebê sempre estão em risco? O que é pré-eclâmpsia? E o que a família pode fazer para ajudar?

Quais as transformações que acontecem com uma adolescente quando ela engravida?A adolescência é um período de intensa transformação no corpo das meninas. Quando ela engravida tão precocemente acaba não tendo a maturidade da mulher adulta para poder vencer os desafios que a gravidez exige. Além das mudanças corporais, nós também não podemos esquecer das questões psicológicas, afetivas, emotivas que envolve a gravidez. A adolescência é um momento de muita transformação e reafirmação, e a gravidez traz um desafio adicional para essas meninas. Não podemos também apartar dentro dessa discussão o impacto na educação.

Quais são esses impactos?Vários países já estabeleceram estudos mostrando o ciclo vicioso e desvirtuoso da gravidez na adolescência, que acaba afastando essa criança da escola e concorrendo para que ela não tenha desenvolvimento econômico e social, perpetuando a pobreza. Também conseguimos perceber que existe um ciclo virtuoso. Muitas vezes, uma gravidez na adolescência acontece de uma criança que foi fruto de uma outra gravidez na adolescência. Fazendo outro paralelo, que também é complexo do ponto de vista social, podemos dizer que ela tem três contextos muito comuns: ela não é planejada; um outro menor, quando ela é indesejada; e outro que é muito mais cruel que é a gravidez fruto de violência sexual. É um tema muito complexo.

Esse tipo de gravidez representa risco para a saúde da mãe?Fora as questões sociais e econômicas, do ponto de vista obstétrico essa gravidez também impõe algumas dificuldades. Temos algumas patologias, sobretudo a pré-eclâmpsia, que é a principal causa de morte materna no país, e que tem como fator de risco a gravidez na adolescência. Com frequência, a gente observa nas adolescentes uma alimentação muito rica em carboidrato que fazem com que ela ganhe muito peso na gravidez, aumentando o risco de comorbidades e isso meche muito com a identidade corporal e tem impactos psicológicos relevantes.

O que é a pré-eclâmpsia?É uma hipertensão que acontece especificamente na gravidez e que é a principal causa de morte de gestantes. A adolescência e a primeira maternidade são os principais riscos. Uma adolescente reúne as duas causas. Fora isso, tem questões relacionas a comportamento e alimentação, que na adolescência é mais rica em carboidratos de menor aporte calórico. Às vezes, essa gravidez tenciona a família do ponto de vista econômico, deixando a jovem mais exposta a uma alimentação não tão saldável, e sem acesso a serviços de saúde de qualidade.

A gravidez na adolescência pode ser considerada um desafio?Não é incomum que ela esconda essa gravidez, nem que os parceiros, as vezes jovens também, abandonem essas meninas. Então, é muito desafiador a gravidez porque ela desafia uma racionalidade social, que seria esperar aquela mulher desenvolver-se, de alguma maneira compor uma identidade familiar, e depois ela definir a família dela. Tem um anacronismo nisso que desafia todo o contexto social.

Essa gestação apresenta risco para a criança?Do ponto de vista obstétrico essas pacientes, às vezes, por uma baixa estatura e pela carência alimentar, estão expostas a uma condição obstétrica que tem a ver com a nutrição do feto, que se manifesta como restrição de crescimento intrauterino. Isso aumenta a morbidade, ou seja, o risco de morte do feto e do recém-nascido. Essas pacientes têm também um maior risco de parto cesariano por ainda não ter uma formação física adequada para o parto. É uma criança, alguém que ainda não está adulta, sendo desafiado ao que é parir, que exige esforço, engajamento, e empenho. A gente observa uma maior taxa de cesariana nessas pacientes, e tendo uma cesariana mais precoce aumenta o risco de uma cesariana subsequente.

A gravidez precoce prejudica essas meninas?Quando acontece uma gravidez na adolescência, em geral, ela se afasta da escola, a família tende a ter um empobrecimento, um tensionamento econômico, e ela se afasta do parceiro. Ela muda o nível de relacionamento e perde um pouco daquela rede de proteção social, sendo mais uma vez exposta a uma gravidez em um período mais curto. É um corolário de problemas que disparam a partir da falta de educação e baixa acesso a serviços de saúde de qualidade para que a sexualidade seja desenvolvida de maneira responsável e ela não possa ser vítima de uma gravidez na adolescência que pode repercutir muito do ponto de vista social e econômico em uma comunidade. A gravidez abaixo de 20 anos, hoje, em alguns contextos, atingi até quase 20% dos casos, então, é um problema muito importante.

Quais cuidados a adolescente gestante precisa adotar?Quando estamos diante de uma gravidez na adolescia não podemos descuidar de duas premissas importante: garantir ou tentar garantir que essa gravidez seja minimamente saudável e uma experiência positiva, e logo após o nascimento tentar fazer com que essa rede social se estruture para que ela não experimente uma segunda gravidez na adolescência. Quando a gente tenta analisar isso de maneira epidemiológica observamos que essa gravidez é muito mais comum onde tem maior densidade populacional, onde tem piores indicadores sócio econômicos, onde tem piores indicadores de escolaridade, então, a gravidez na adolescência assim como a morte materna acaba sendo um retrato, uma marca, de baixo desenvolvimento socioeconômico e com potencial de perpetuar isso.

O que a família pode fazer para ajudar?O principal ponto é o acolhimento porque não é incomum disso ser um conflito na família, o que com que ela esconda a gravidez ou tente um abortamento. Uma vez diagnosticado, que ela possa fazer o acompanhamento pré-natal sistemático para poder gerenciar esses riscos. Depois do parto é preciso apoio para o acompanhamento do recém-nascido e evitar que uma segunda gravidez aconteça. Seria bom que a gente tivesse estrutura de suporte psicopedagógico, para diminuir os danos da ruptura dos ciclos sociais.