Família despejada volta a ocupar casarões no Pelourinho: 'A gente quer lutar por moradia'

Polícia e Ipac evacuaram imóveis na semana passada e bloquearam entradas com tijolos

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 14 de outubro de 2020 às 19:22

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Uma família de cerca de 15 pessoas, incluindo mulheres e crianças, voltou a ocupar dois casarões dos quais haviam sido despejados na terça-feira passada (6), na Rua Inácio Acciole, nos nº 19 e 21, no Pelourinho. De acordo com a Polícia Militar, na madrugada desta terça para quarta-feira (14), o grupo transpôs as barreiras de tijolos que, na ação anterior, foram colocadas nas portas e janelas pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac). Os imóveis são propriedades do poder público estadual.

Ocupante do casarão, Magda Ramos Bastos confirmou ao CORREIO, por telefone, que voltou ao local nesta manhã por necessidade, já que não tem outro local para ir."A gente quer lutar por nossa moradia, não temos interesse em vender, nem colocar ponto de comércio, de aluguel. A gente pagava aluguel, somos pessoas desempregadas. Com a crise que está, a gente já dormiu na rua com as crianças. Tenho uma irmã com problema mental, somos família. É uma mãe com seus filhos, netos, irmã e sobrinhos. A gente está aqui por falta de oportunidade”, disse. Ao observar a aproximação de uma viatura da polícia com três militares e também a chegada de servidores do Ipac, Magda disse que os viu com papéis nas mãos, mas não sabia do que se tratava o documento. Segundo ela, sua família já ocupava os casarões há pelo menos um ano e meio, antes de ser despejada na semana passada. O Ipac foi procurado insistentemente para a matéria, mas não respondeu aos questionamentos até esta publicação.

Última operação nos casarões Casarões ocupados ficam na Rua Inácio Acciole (Imagem: Reprodução/Google Maps) Na evacuação anterior, Magda contou ao CORREIO que estava vendendo café pelo bairro quando recebeu uma ligação do seu filho, avisando que servidores do instituto e policiais militares haviam determinado que saíssem do imóvel. Segundo ela, apesar de sua família já estar morando no local há pelo menos um ano e meio, naquela semana havia deixado suas duas crianças na casa da avó porque o serviço de água do casarão foi interrompido. 

“Nós vivíamos de aluguel antes, mas devido à crise, não tivemos mais condição de pagar. A gente chegou a dormir duas noites com as crianças [no bairro de] Aquidabã e aí passamos a procurar casas que estivessem desocupadas porque não dava para ficar na rua com as crianças. A gente tava comendo um dia na casa de um parente, outro na casa de outro. Não posso morar com parentes por muito tempo, eles também têm família grande, outros filhos, têm as suas necessidades”, relatou a ambulante na ocasião.

'Invasão'

O Ipac informou que o grupo fez uma “invasão”, que só foi notada no fim do Carnaval deste ano. Segundo o órgão, a família entrou nos casarões durante o período em que a autarquia estava com as atividades suspensas. Em 3 de março, servidores do Ipac foram ao local em companhia da PM para dialogar com o pessoal e lhes informar que tratava-se de imóveis públicos, que não podiam ser ocupados sem o devido processo legal. Na ocasião, foram dados três dias para a retirada dos bens.

Em 6 de março, os servidores da autarquia voltaram, mas o grupo se recusou a deixar as casas. O Ipac então ingressou com uma Ação de Reintegração de Posse no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Ainda segundo o órgão, a família fez “gato de energia elétrica” nos imóveis, “que gera risco iminente de incêndio não só para os imóveis como para os bens do entorno”, justificou. O Ipac lembrou que, em novembro de 2017, um incêndio ocorreu no antigo Cine XIV, a 200 metros dos imóveis em disputa.

Há cerca de uma semana, em 30 de setembro, o Ipac teria recebido uma denúncia de que os imóveis haviam sido abandonados pelos “invasores”. O órgão então fez vigilância para averiguar e, entre os dias 1º e 6 de outubro, não teriam notado circulação de pessoas em nenhum horário do dia ou da noite.

“Os imóveis foram abandonados com portas e janelas abertas, o que possibilitava novas invasões. A vizinhança também confirmou que, há tempos, não se vê pessoas entrando ou saindo dos imóveis, bem como não se nota luzes acesas”, acrescentou o órgão.

Ao chegar para a ação nesta terça, os servidores do Ipac encontraram a porta do nº 21 aberta e o casarão desocupado. Já no do nº 19 havia três rapazes e um deles teria admitido que chegara há pouco tempo. “Possivelmente durante a madrugada, aproveitando que os imóveis se encontravam vazios e abertos, adentraram pra passar a noite”, supôs o Ipac.

A autarquia confirmou que os homens que ocupavam o imóvel entraram em contato com os demais. “Haja vista que no Pelourinho todos se conhecem, estes começaram a chegar e alegar que moravam no bem, sendo que nele não se encontrou fogão, geladeira, panelas ou mesmo lanches e mantimentos”, detalha.

O órgão diz ainda que os servidores do Conselho Gestor do Parque Imobiliário (CGPI-Ipac) foram xingados e ameaçados. Um boletim de ocorrência foi registrado contra os ocupantes.