Farra em Abaíra: secretários e até filho de vereadora recebem auxílio emergencial

CORREIO identificou pelo menos 14 cidadãos que receberam indevidamente o benefício, inclusive empresários

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 14 de julho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Secretários municipais, servidores, empresários e parentes de políticos estão numa lista de 14 pessoas que receberam indevidamente o auxílio emergencial em Abaíra. A cidade de quase nove mil habitantes, localizada na Chapada Diamantina, tinha virado referência no cuidado dos idosos na pandemia.  Dessa vez, Abaíra virou símbolo de fraudes do auxílio emergencial. Só no quadro de secretários municipais, dois receberam o benefício: Maciel Miranda e Silva (Obras e Infraestrutura) e Carlos Eduardo Jardim Moreira (Agricultura). Representante da pasta de Esporte, Jiuvan Novais de Almeida também foi beneficiado.  

Outros servidores  foram encontrados na lista do Portal da Transparência do Governo Federal: Simone Carla Oliveira e Silva Freitas, Florindo Padro Azevedo Filho e Elito Ferreira da Silva. Esse último é pai da vereadora Vanessa Barbosa Silva Moreira (DEM), cujo filho, João Lucas Silva Moreira também foi beneficiado. Vanessa é casada com o vice-prefeito da cidade, Hermínio Moreira (DEM), conhecido como Mindim. O irmão dele, Heriton Moreira, também recebeu o auxílio. Flavia Novaes Barros, esposa do secretário de  saúde Alex Sandro Silva Miranda, também recebeu indevidamente os R$ 600. Todas essas informações foram conseguidas pela vereadora Ana Lúcia (PSB), que fez uma representação nos ministérios públicos Federal e Estadual: “Quero que algo seja feito urgentemente, pois tem gente na cidade que precisa do benefício e não recebeu”. 

O CORREIO confirmou a presença dessas pessoas na lista de beneficiados e ainda constatou que cinco empresários receberam o auxílio: Jacinto José de Souza Neto, do ramo de móveis; Vanilson Marques de Carvalho,de autopeças; José Fabio Viera Santos,  de aço; e um casal dono de um supermercado, que pediu para não ser identificado. “Minha esposa é microempreendedora individual e eu sou representante comercial de uma empresa de Goiás e fui demitido. Só caiu a primeira parcela, que destinei para meu pai, pois o auxílio doença dele foi cortado”, disse.  

Justificativa  O casal argumentou que não fez a solicitação. A mesma justificativa foi utilizada por todos os empresários citados. Vanilson Marques disse que vai devolver: “Utilizei o dinheiro para comprar cestas básicas e remédio para o povo”, disse. Já Jacinto Neto afirmou que doou o dinheiro por não saber como devolvê-lo: “Não estava necessitado”.  O único que disse que precisava do dinheiro recebido foi José Fabio Viera Santos: “Achei estranho quando vi, mas estava precisando, sim”.   

O secretário de saúde Alex Sandro admitiu que a esposa solicitou. Ele explicou que a única renda do casal é o seu salário de R$ 1.250. O valor é abaixo do teto de R$ 3.135 mensal estabelecido pelo Governo Federal por família. Por isso, ela achou que se enquadraria. No entanto, a assessoria da Caixa Econômica Federal explicou que para receber o auxílio era necessário ter renda mensal por pessoa abaixo de R$ 522,50. Outro que admitiu ter solicitado foi Heriton Moreira, irmão do vice-prefeito. Ele é apontado pela vereadora Ana Lucia  como dono de supermercados. Heriton nega: “Já fui empresário, não sou mais”.  

A vereadora Vanessa Moreira disse que pai Elito e o filho João Lucas não solicitaram o benefício e que os valores foram imediatamente devolvidos. As mesmas justificativas foram dadas por Carlos Eduardo, secretário municipal de Agricultura, e Maciel Miranda, secretário municipal de Obras e Infraestrutura. Esse último acredita que o benefício entrou automaticamente na sua conta por ele ser MEI. “Pretendo devolver. Contrariado, pois pago imposto todo mês (como MEI)”, disse.  

Já a funcionária pública Simone Carla Oliveira afirmou que sabia que tinha recebido o benefício, mesmo sem solicitar, mas que pensava que o dinheiro era devolvido automaticamente. “Estou agora tentando acessar o aplicativo para ver como tá o saldo e fazer a devolução”, explicou. O funcionário público Jiuvan Novais de Almeida não quis se pronunciar sobre o assunto e Florindo Padro disse que havia algum engano, pois “não saquei dinheiro nenhum de auxílio”, afirmou.  

Quem precisa não recebe  Enquanto muitos que não precisavam receberam o benefício, um abairense teve que entrar na justiça para ter o auxílio emergencial e, mesmo assim, ainda não conseguiu. “Estou desempregado desde outubro de 2019. Antes da pandemia, vivia fazendo bico. Agora, diminuiu”, disse Juarez da Silva, 57 anos.  

A esposa dele, que é beneficiária do Bolsa Família, conseguiu receber o auxílio emergencial, hoje a única renda mensal do casal. “Coloquei na justiça, pois tenho a esperança de ganhar esse dinheiro. Vai servir muito”, disse. Sobre seus conterrâneos que não precisavam e receberam o auxílio, Juarez resumiu a situação em uma palavra: “Injustiça”.  

Procurado, o prefeito de Abaíra, Edvaldo Luz Silva, disse que, assim que soube da situação, solicitou que todos fizessem a devolução: “Estamos tomando as providências e averiguando todos os casos”, disse. Segundo o Portal da Transparência, Edvaldo não recebeu o auxílio emergencial.  

Em nota, o Ministério da Cidadania disse que o auxílio emergencial está sendo pago para mais de 65 milhões de brasileiros e que os recursos investidos na ação passam dos R$ 121 bilhões. Mesmo assim, o índice de inconformidade está em 0,44%. 

Já a Controladoria Geral da União (CGU) realizou cruzamentos de dados e identificou pagamentos irregulares  a beneficiários que possuem vínculo como agente público estadual ou municipal.  No caso da Bahia, isso foi feito em parceria com os Tribunais de Contas do Estado (TCE-BA) e do Munípio (TCM-BA), sendo observado o pagamento indevido a quase 10 mil servidores estaduais e mais de 50 mil municipais, num valor que ultrapassa os R$ 44 milhões. 

O órgão disse ainda que a relação dos servidores nessa situação foi encaminhada para tratamento. Sobre esse levantamento, o Ministério da Cidadania disse que a própria CGU faz a seguinte ressalva: “é possível que os servidores não tenham feito solicitação para o seu recebimento, mas que tenham sido incluídos como beneficiários de forma automática por estarem no Cadastro Único”. O órgão afirmou ainda que a partir do fim de maio, cerca de  61 mil cadastros indevidos já  foram bloqueados para o recebimento.

O Ministério da Cidadania informou ainda que qualquer indício de ilegalidade, em especial na ótica criminal, é imediatamente informado à Polícia Federal e os pagamentos são suspensos. A devolução de um auxílio emergencial indevido pode ser feito por meio do site devolucaoauxilioemergencial.cidadania.gov.br. 79.067 pessoas já emitiram Guias de Recolhimento da União (GRU) para restituir os valores, que ultrapassam R$ 70 milhões devolvidos.  

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.