Fé visível: mais de 50 imagens de Santa Dulce são vendidas por dia pelas Osid

Devoção pela primeira santa brasileira está no coração e nos altares particulares das pessoas

  • Foto do(a) author(a) Daniel Aloísio
  • Daniel Aloísio

Publicado em 14 de outubro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/ CORREIO

No altar montado na casa da potiguar Rafaela Brito, 33 anos, as imagens de Santa Rita, São José e Sant'Ana vão ganhar uma companhia especial: Santa Dulce dos Pobres. É que a turista do Rio Grande do Norte aproveitou a viagem que está fazendo em Salvador para conhecer o Santuário dedicado à primeira santa brasileira, na Cidade Baixa, e passou na lojinha para comprar uma imagem de devoção. “É um sonho estar aqui. Essa imagem representa a minha fé. Vou rezar para ela e pedir para que minha fé seja fortalecida”, disse a devota.  

A imagem comprada por Renata é apenas uma das mais de 50 que são adquiridas diariamente, em média, na loja do Santuário. “Antes da pandemia, chegava a sair umas 300 por dia. Mas com as medidas de segurança, como limitação da quantidade de pessoas aqui dentro, esse número reduziu”, disse a funcionária da lojinha, que não quis se identificar.  

Renata visitou o Santuário justamente nessa terça-feira (13), dia em que se comemora um ano da cerimônia de canonização da freira baiana, que aconteceu no Vaticano. “Desde então, nós temos recebido muitas encomendas pela lojinha virtual e presencial. Hoje, especificamente, o movimento está maior, pois as pessoas querem fazer memória desse dia”, disse a superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), Maria Rita Pontes, que é sobrinha de Santa Dulce.  

Na lojinha do Santuário, tem imagens da santa para todos os gostos e bolsos. A mais barata custa R$ 13 e tem 7 centímetros. Já a mais cara é 11 vezes maior, com 80 centímetros, e custa R$ 1,9 mil. “Essa maior é mais vendida para igrejas, mas tem pessoas que compram para colocar em sua própria casa”, explicou a funcionária da lojinha. A imagem que é mais vendida custa R$ 24 e tem 15 centímetros.  

As turistas de Nova Soure, no nordeste do estado, Lucicleide Santos, 41 anos, e Grazyele de Carvalho, 21 anos, que são mãe e filha, compraram a primeira imagem de uma santa que vai ficar exposta em sua casa. “Vou deixá-la no rack. É ali que eu vou rezar. Há dois anos eu já venho ao Hospital da Mulher para tratamento médico. Sempre que dá, venho até o Santuário e faço minha oração. É muito bom ter uma santa baiana, a gente fica muito feliz. Ela é muito importante para a nossa vida”, disse Lucicleide, com os olhos cheios de lágrima.  “Estou prestes a fazer uma cirurgia e peço muito a ela para me ajudar. A gente que é do interior não tem tanta oportunidade de participar desses eventos e é por isso que eu fico tão emocionada”, explicou a devota, que levou a imagem mais simples que havia disponível, a de 7 centímetros.  Altar  E pra quem já tem a casa cheia de imagens de Santa Dulce, resta comprar materiais para manter o altar particular funcionando. “Estou levando velas. Deixo uma acesa por semana durante todos os dias. Quando eu não compro aqui, adquiro a do mercado mesmo. Mas no meu altar tem que estar a imagem de Santa Dulce, uma flor e a vela que nunca se apaga. Essa é a minha fé”, explicou Maria de Lourdes, 70 anos.  

O motivo de tanto amor pela santa baiana tem origem no passado das duas mulheres, que já se cruzaram várias vezes. “Eu tive a honra de conhecer Santa Dulce na Água de Meninos. Tinha 12 anos e carregava caixote para vender e ela passava pedindo dinheiro para seus pobres. Hoje tenho tantas imagens dela em casa que não sei te expressar o número exato”, disse a senhora.  

Quem também não sabe a quantidade de imagens de Santa Dulce que tem em casa é o miraculado José Maurício Moreira, 50 anos. Ele era cego e voltou a enxergar depois que colocou uma imagem da santa baiana no seu rosto. Esse milagre foi o segundo reconhecido oficialmente pelo Vaticano, o suficiente para realizar a canonização. “Tenho dois altares na minha casa para Santa Dulce. Um fica na sala, para as visitas, e o outro no meu quarto. A imagem do milagre fica na cabeceira da minha cama, onde aconteceu o milagre. Ela dorme comigo todos os dias”, explicou.    

Outra Maria devota de Santa Dulce, a de Fátima, conta quatro imagens em sua casa. Ela esteve na Missa principal de celebração do primeiro ano de canonização e não quis comprar mais uma, em respeito a tradição que ela criou de ganhar as imagens de Dulce. “Todas as quatro que tenho foram dadas por alguém e ficam em locais especiais”, disse. Uma das imagens que Maria ganhou foi dada pelo CORREIO, em 2019. Ela foi distribuída aos leitores como uma ação do especial Pelos Olhos de Dulce.  

Já a funcionária pública Tatiane Ribeiro, no ano passado, comprou uma imagem de Santa Dulce para presentear sua sogra, que é italiana. “Ela é uma pessoa bem católica. Então, quis lhe dar um presente que tivesse relação com a religião e a cultura da Bahia. Expliquei para ela sobre a vida de Santa Dulce e acho que ela ficou interessada, pois colocou a imagem no seu altar particular”, disse. Ações como a de Tatiane ajudam a espalhar o legado da santa baiana pelo mundo.  

Significado  Para o reitor do Santuário Santa Dulce dos Pobres, o frei Giovanni Messias, a venda dessas imagens representa o aumento do interesse e devoção pela santa baiana. “Nossa cultura religiosa é muito do toque. Nossa espiritualidade passa pelos sentidos. As pessoas precisam ver, precisam tocar. E as imagens são uma forma silenciosa da Igreja evangelizar. Desde a Idade Média é assim e hoje está presente na cultura popular”, explicou o sacerdote.  “Nossa cultura nordestina tem mais ainda a tradição de carregar o andor com a imagem do santo. Portanto, levar uma imagem de Santa Dulce dos Pobre é muito mais do que levar uma pintura, uma arte. É levar um sinal, uma expressão religiosa, uma presença, uma lembrança. Olhando para a imagem de Santa Dulce, a gente se lembra de como ela foi uma pessoa boa e ficamos interessados em viver o seu legado. Isso cria conversão”, disse o frei. Giovanni também destacou que os católicos não podem prestar adoração às imagens, nem mesmo aos santos. “Adorar é um verbo que utilizamos somente para Deus. Para os santos, há a veneração, que nada mais é do que amar. A gente reza para o santo, as imagens nos ajudam a rezar. Mas essa oração não se encerra na imagem e sim deve subir ao céu, em direção a Deus”, completou. 

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.