Feira de Santana deixa de vacinar recém-nascidos por falta de seringas 

Alta demanda pela vacina da Pzifer faz acabar estoque para vacina BCG 

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  • Marcela Vilar

Publicado em 4 de junho de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Jorge Magalhães/Divulgação

A vacina BCG, indicada para todas as crianças no primeiro mês de vida, deixou de ser aplicada em Feira de Santana. O motivo, segundo o secretário municipal de Saúde da cidade, Marcelo Britto, é a falta de seringas. Em meio ao aumento da demanda por agulhas mais finas, a mesma usada na vacina da Pzifer contra a covid-19, a imunização dos recém-nascidos está comprometida.

“Muito parecida com a vacina da Pzifer, a BCG tem quantidade muito pequena de dosagem, de metade de um mililitro, e não se pode correr o risco de aplicar a mais, senão a criança pode ter problema por causa da utilização indevida. Por isso que a gente precisa usar seringa especial, que era entregue junto com a vacina pelo Núcleo Regional de Feira de Santana e pela Sesab [Secretaria da Saúde do Estado da Bahia], que nos avisou que também estava com dificuldade”, explicou o secretário.  

Segundo ele, a prefeitura de Feira e a Sesab tentam comprar o insumo na Bahia, em outros estados e com empresas no exterior. “A culpa não é da Sesab, porque também está com dificuldade de entrega, não acha para comprar. Quem achar primeiro, ajuda o outro. Com a vinda dessa vacina da Pzifer, todo mundo comprou as seringas para utilizar”.  

Nem o secretário ou a Secretaria de Saúde do munícipio souberam dizer em que data a vacina deixou de ser aplicada nos bebês feirenses. Marcelo Britto acrescentou ainda que não há problema em adiar a vacinação, apesar de não saber os riscos para a criança com o adiamento. O titular da pasta também não soube dizer quantos recém-nascidos deixaram de ser vacinados.  “Fica o alerta para os pais dessas crianças que não têm risco, não estamos enfrentando nenhuma pandemia, endemia, nenhuma crise ou surto controlado pela BCG, portanto, não há problema em adiarmos um pouco vacinação. É melhor usar com a Pzifer, porque o coronavírus está matando rapidamente. Assim que tivermos as seringas compradas, vamos disponibilizar e as pessoas podem regularizar essa vacinação”, alega Britto.  Outras vacinas em falta

A secretaria municipal informou que a falta de seringas não afeta a aplicação de outras vacinas. Porém, a operadora de telemarketing Willyane Oliveira, 32, ouvida pelo CORREIO, disse que não conseguiu vacinar o filho Kalebe, de 1 ano e 4 meses, contra outras três doenças. Ele não recebeu as vacinas Tetra viral, DTP e Vop, contra a poliomielite. “No dia 11 de maio fui ao posto, porque tinha a vacina da gripe para ser aplicada, mas só aplicaram duas, a de Influenza e Hepatite A. Ela [a vacinadora] optou por aplicar a da gripe por causa da campanha e disse que não ia aplicar tudo de vez para não ter reação, que era para eu voltar com quinze dias. Voltei no dia 26 de maio e não tinha seringa. Não deram nem prazo sobre quando ia chegar e meu filho até hoje não tomou”, conta a mãe.  Nem a segunda dose da vacina da gripe Willyane sabe se o filho tomará. “Vai vir a segunda dose da Influenza no dia 11 de junho e não sei se vai ter seringa para ele tomar. Já mandei mensagem para os agentes de saúde e eles disseram que assim que chegasse seringa iam me avisar”.  

Willyane está apreensiva com o atraso nas doses do filho. “Minha situação é de revolta, por conta da crise de saúde que está tendo e ele correndo risco, sendo que poderia evitar de ter outra doença. É revoltante porque além de ter o medo, você fica sem poder fazer nada. Quando vai questionar, eles informam que tem de esperar”, desabafa.  

Ela também disse que outros familiares passaram pela mesma situação no posto de saúde do bairro Panorama. Após saber que a situação não era só com a BCG, a Secretaria de Saúde de Feira disse que iria apurar os fatos, mas que só teria uma resposta hoje. A mãe de Kalebe, Willyane, não conseguiu dar três vacinas ao filho por falta de seringas (Foto: Acervo Pessoal)  Uma agente comunitária de Feira, que não quis se identificar, informou que as seringas da BCG faltam há, pelo menos, oito dias. A tetra viral também não está sendo aplicada, mas ela não soube dizer se era falta de seringas ou de agulhas. Já a DTP e a VOP ela não se lembrava e só poderia checar a informação com o posto aberto, a partir de hoje.  

A presidente do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde (Consems), Stela Souza, também secretária municipal da Saúde de Itaparica, não tinha ciência do fato até ser procurada pela reportagem. “A vacina da Pzifer e da BCG já vêm com as seringas, na mesma quantidade das doses. Não chegou nenhuma informação ao conselho sobre essa dificuldade com as seringas, nenhuma reclamação dos secretários de saúde”, declarou. 

Stela garantiu que vai procurar os órgãos competentes para averiguar a situação. “Vamos imediatamente junto ao estado verificar o que é isso. Estou sabendo disso agora e vamos falar com o secretário de Feira e, logo em seguida, saber com a Sesab porque não pode ficar sem aplicar vacina, nem da covid-19, nem da BCG, que é importante demais. A gente defende que o bebê já tem que sair da maternidade vacinado”, assegura.  

Responsabilidade do Ministério da Saúde

A Sesab, por sua vez, alega que a responsabilidade de enviar as agulhas e seringas é do Ministério da Saúde (MS) e que o problema não ocorre em outras cidades baianas.  “O Ministério da Saúde é o responsável pela aquisição de vacinas e seus respectivos insumos. Apesar do ministério não realizar entregas desde agosto de 2020, em virtude da falta do insumo na Índia, local de fabricação da seringa de 0,05ml, não havia qualquer desabastecimento nos municípios. Com a entrega do insumo ontem (anteontem), amanhã (hoje) será realizada a distribuição das seringas”, respondeu o órgão, em nota.  

Já o Ministério da Saúde comunicou que já distribuiu quase 60 milhões de seringas e agulhas para os estados, até o momento, e que a entrega é realizada de forma gradativa, à medida que são disponibilizados pelos fornecedores.  

A pasta também alegou que “o fornecimento de seringas e agulhas é responsabilidade das secretarias estaduais e municipais de Saúde” e que a compra “pode ser feita de forma independente da aquisição do Ministério”.  

Vacina deve ser aplicada em até 30 dias 

A médica pediatra Célia Silvany explica que a BCG protege contra as formas graves de tuberculose e deve ser aplicada em até 30 dias do nascimento da criança. “A vacina protege contra a neurotuberculose e deve ser dada ao nascer, em dose única. Não há necessidade de repetir e, quanto mais cedo ela for dada, melhor. Pode ser dada até na maternidade”, diz.  

Célia ressalta que o ideal é o mais cedo possível, ainda no primeiro mês de vida. “Quanto mais cedo melhor porque o índice de mortalidade é maior nas crianças pequenas. Pode até ultrapassar o primeiro mês, mas, quando chega a uma determinada idade, entre quatro e seis anos, a BCG não assegura a proteção”, orienta.  

A pediatra enfatiza que a BCG não protege de todas as formas da infecção. “Ela não protege contra a tuberculose em outras apresentações, como pneumonia e tuberculose extrapulmonar. Além disso, existe associação entre a BCG e a proteção da lepra, que acomete muito o Nordeste. O bebê vacinado com a BCG tem uma proteção parcial contra essa doença”, pontua.  

Procurados durante o feriado de Corpus Christi, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e a Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (ABIMO) não responderam até o fechamento da edição. 

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro