Feliz Ano Novo pra quem? 

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 27 de dezembro de 2019 às 16:33

- Atualizado há um ano

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Muitas mulheres vivem em permanente estado de alerta, com medo do mal que seus algozes podem lhes fazer. Imersas em enredos sombrios, elas viveram relacionamentos longos com homens que passaram a se comportar como personagens de filme de terror. Emmanuelle e Lívia estão entre elas. Atualmente, fazem parte do grupo de centenas - na mesma situação - que vivem sob a proteção da Major Denice Santiago, criadora e comandante da Ronda Maria da Penha.

A tropa da PM baiana, especializada no enfrentamento da violência contra a mulher, é parte fundamental da rede de apoio necessária para que elas sobrevivam a essa travessia. Os agressores, nesses dois casos, estão soltos, no momento. Além da desgastante guerra judicial, ambas relatam enfrentar ameaças, no dia-a-dia. Não terão festa de Réveillon, não circulam sozinhas. Numa perversa inversão, são elas as prisioneiras.

Sim, é pesado e destoa do clima festivo desses dias, mas, talvez, seja isso que o Ano Novo espera da gente: olhar atento, solidariedade real e um pouco mais de empatia. Nesses dois relatos há dor, claro, mas também a força inspiradora de quem sobreviveu, reagiu e não desiste de melhores dias. Lívia Aragão (foto/divulgação) Lívia Aragão, 44 anos, mãe de dois filhos com o agressor  “Enxergo pouco, ele quebrou meu nariz duas vezes e danificou meu olho”, foi a resposta dela ao meu pedido de que a nossa entrevista fosse por escrito. Mesmo assim, me enviou um longo e-mail (resumido, ao lado), onde conta seus 20 anos de história com o agressor. Na despedida, uma mensagem: “que todos saiam de suas violências e prisões mentais, que assumam suas responsabilidades, apoderem-se de si próprios e sigam em frente”. Nesse “todos”, generosamente, ela inclui o próprio algoz.

"Meu caso está enquadrado em todos os artigos da lei Maria da Penha. As denúncias partiram de vizinhos que viam constantes violências e crimes praticados por ele. Casa incendiada, quebrada... tenho várias sequelas, mas as piores foram as causadas aos meus filhos, que foram ameaçados, por ele, com arma de fogo. (...) Eu nunca denunciaria, pela educação e orientação familiar que tenho. (...) Graças a Deus, o socorro veio. Ele afirmou, para as crianças e pra mim, que iria matar pra não pagar pensão nem dividir bens. (...) Os boletins de ocorrência não foram devidamente registrados e isso impediu que os crimes fossem apurados, tudo que consegui provar foi através da lei Maria da Penha, da Ronda Maria da Penha e da defensoria pública. Hoje, os processos que tramitam dentro das varas onde somos vítimas tem mais de duas mil folhas, cada um. Nas varas de família, sou ré e estamos em apuros. (...) Meus filhos estão prestes a ficar frente a frente com quem já quase os matou. Fui obrigada a indicar uma pessoa para visitação vigiada, sendo que não houve alienação da minha parte e sim violência dele. Estamos apavorados com a reaproximação. (...) Em época de festas, como agora, vou para lugares mais seguros, fico inacessível. Só que, além da violência física e psicológica, tem a patrimonial. Eu me sinto como se tivesse um “dono” que comanda minha vida, me cerca, me rouba o direito de recomeçar. Eu não preciso nem de pensão dele, só quero paz e que a minha parte de anos de trabalho e suor seja devolvida, pra seguir dignamente com meus filhos. (...) Quando a Ronda chegou em minha vida, eu estava sem falar, depois de dois derrames. (...) Até profissionais da justiça passam por violência e nem sequer percebem, porque é uma cultura que está enraizada em todos/as nós. Capacitar sobre a lei Maria da Penha ajudar não só a nós, mas a todos/as. Quando entendemos a lei, desenvolvemos um olhar aguçado para tudo o que acontece conosco e com outras mulheres."  Emmanuelle Assemany (foto/divulgação) Emmanuelle Assemany, 39 anos, mãe de um filho com o agressor Ela respondeu “eu quero mostrar meu rosto”, quando ofereci – assim como a Lívia - a possibilidade de ter a identidade preservada. “Agressor vai em festa, vai em show e eu trancada, em minha casa. Quando posso, falo mesmo, apareço mesmo para ajudar outras mulheres”. Manu ainda tem problemas, mas assumiu a missão de mostrar que tem jeito, que dá pra seguir em frente, que nenhuma de nós está condenada a viver o roteiro traçado por algoz algum.

"Entre namoro, noivado e casamento, foram 25 anos. As agressões começaram  quando eu tinha 15. Eu permitia e ainda me sentia culpada pelas agressões físicas, psicológicas e patrimoniais. As físicas, inclusive, continuaram durante a gravidez e depois do nascimento do meu filho, que também já chegou a ser atingido. Nosso relacionamento era baseado em traições dele e toda vez que eu reclamava sofria uma agressão. (...) Quando me vi sem forças para lutar por um relacionamento que só me fazia mal, pedi o divórcio. Depois de dois anos, iniciei um novo relacionamento. Quando ele descobriu, recomeçou  o inferno na minha vida. Um dia, ele foi na praia, onde eu estava com meu filho, e começou  a me xingar. À noite, foi em minha casa, me agrediu, e minha mãe, quando foi me defender, também acabou sendo agredida na presença de minhas avós e meu filho. (...)  Estávamos todos cansados e abalados, então vi que o divórcio não tinha cessado as agressões e pedi ajuda judicial. Eu denunciei em 2016 e a reação dele foi a pior possível querendo destruir a minha imagem e negando os fatos. Quem me ajudou nesse momento foi minha família, especialmente meu filho, que me fez tirar forças de onde eu não sabia que tinha. (...) Fora da família, me senti acolhida pela Ronda Maria da Penha que até hoje está presente em minha vida. Apesar da medida protetiva e da segurança que me cerca, não saio sozinha em hipótese alguma e vivo com as grades de casa sempre trancadas. (...) Espero que, um dia, homens entendam que não somos patrimônios deles e que as mulheres quebrem esse ciclo de agressão denunciando. A Lei Maria da Penha funciona sim!"