Festas “paredão” desafiam polícia e contaminação com o coronavírus

Duas festas foram realizadas no domingo (3) em Vera Cruz e em Madre de Deus

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 5 de janeiro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

Mais duas festas tipo “paredão” foram realizadas no último domingo (3), dessa vez em Vera Cruz, município na Ilha de Itaparica, e em Madre de Deus, também na Região Metropolitana de Salvador. Imagens gravadas mostram grande aglomeração nos locais, com pessoas sem máscara, desrespeitando o decreto que proíbe festas na Bahia.

Segundo os moradores de Vera Cruz, os participantes estavam causando muita confusão no local e usaram as calçadas das casas como banheiro público. Na orla de Madre de Deus, as imagens gravadas mostram uma situação parecida. No vídeo é possível ver muita gente aglomerada, fazendo consumo de bebida alcóolica, todas sem máscaras. 

Por lá, a festa começou por volta das 22h, em frente à sede da prefeitura da cidade, segundo informações de moradores. A Política Militar (PM) foi acionada e usou gás lacrimogêneo para dispersar as pessoas, mas, momentos depois, outra festa foi organizada. A PM novamente foi acionada para encerrar o evento.  

Segundo uma moradora de Vera Cruz, que preferiu não se identificar, os moradores locais estão incomodados com a grande quantidade de pessoas de fora da cidade que viajaram para a ilha para as festas de fim de ano e se mostram preocupados com o período do Carnaval. “Espero uma atitude da prefeitura porque, nós, que pagamos nossos impostos, estamos sofrendo com essa situação desde o Natal. Nesses últimos dias, a situação piorou porque estamos sem dormir de madrugada, por causa dos sons altos”, desabafou. 

Em nota, a PM informou que, por volta da 0h de segunda-feira (4), as guarnições da 10ª CIPM apreenderam um veículo, licenciado em São Francisco do Conde, que estava estacionado na orla marítima de Madre de Deus, com aparelhagem de som em volume alto. Após advertência, o veículo foi recolhido por persistir com o barulho e teve o equipamento sonoro apreendido pela Prefeitura.  Ainda segundo a PM, a corporação desenvolveu ações para reduzir as aglomerações tanto em Vera Cruz como em Madre de Deus, desde de quinta-feira (31) até a segunda-feira. 

Intervenções Em Itaparica, bares foram fechados pela prefeitura com o apoio da PM. Em Vera Cruz, município de maior extensão, a polícia dispersou festas denominadas "paredões" em localidades como Gamboa, Barra Grande, Barra do Gil, Coroa, Berlinque, Aratuba, Cacha Pregos. Também em Salinas da Margarida houve atuação da corporação.

Em nota, a Prefeitura de Vera Cruz informou que um decreto proibia até ontem “qualquer apresentação musical ou artística, ao vivo ou transmitida por qualquer meio, em barzinhos, lanchonetes, restaurantes e similares, em todo o território de Vera Cruz”.

A administração municipal lamentou, no entanto, não ter havido restrições no acesso à ilha: “A Prefeitura de Vera Cruz lamenta que, ao contrário do que foi feito no São João e em outras datas, não houve qualquer restrição no transporte marítimo, o que se tornou um estímulo para milhares de pessoas fossem para a ilha”. 

Procurada, a prefeitura de Madre de Deus informou que a gestão está em transição de um mandato para outro, já que o novo prefeito foi empossado no dia 1º, e que, a partir de ontem, iria realizar um levantamento dos decretos estabelecidos em 2020 para conter a pandemia para, então, estabelecer novos protocolos e novas diretrizes, em conjunto com as secretarias de saúde e de segurança. 

Outras aglomerações também foram flagradas por toda a Bahia. De 28 de dezembro de 2020 até domingo (3), a PM interviu em pelo menos 104 eventos irregulares de grande porte. De acordo com os números obtidos pelo CORREIO com a PM, são eles: 62 em Porto Seguro, 14 em Camaçari, 12 em Salvador, 8 em Lauro de Freitas, 6 em Itacaré, 1 em Irecê e 1 em Barreiras. 

As festas de paredões têm sido recorrentes durante a pandemia. Em Salvador, no dia 30 de dezembro, uma festa do tipo foi improvisada dentro de uma embarcação do ferry-boat. 

Festa no Ferry

Vídeos que circulam pelas redes sociais mostram que na noite do dia 30 de dezembro - durante uma viagem de ferry-boat - aconteceu uma festa paredão improvisada dentro da embarcação. Inicialmente, a informação é que os vídeos teriam sido gravados na noite do Réveillon, mas a administração do ferry-boat informou que o fato foi registrado pela tripulação na noite de quarta (30). 

Durante o embarque no Terminal de São Joaquim, algumas pessoas promoveram um paredão dentro de uma das embarcações, que seguia lotada para a Ilha de Itaparica. As pessoas estavam sem máscaras, outras usando o acessório embaixo do queixo, dançando, bebendo, entre os carros – um deles com equipamento de paredão. 

Pelas imagens, que foram enviadas por leitores ao CORREIO, é possível ver dezenas de pessoas aglomeradas e fora dos carros. Uma caminhonete com um paredão estava na embarcação. 

O CORREIO procurou a Internacional Travessia Salvador, administradora do sistema ferry-boat, para saber se houve fiscalização, se a aglomeração está aliada à demora de horas para conseguir embarcar no sistema, por exemplo. Em nota, a empresa informou que a tripulação tentou intervir, mas não conseguiu impedir a festa. 

Ainda segundo a empresa, mesmo em situações normais, independentemente de pandemia, festas não são permitidas nas unidades, nem som em carros durante as viagens. 

Sobre o caso, a PM disse que a fiscalização dos usuários do sistema ferry-boat, durante o trajeto Salvador/Ilha de Itaparica, é de responsabilidade da Internacional Travessias e que a corporação realiza o policiamento ostensivo somente na área externa dos terminais marítimos de São Joaquim e Bom Despacho. 

O secretário de saúde do estado da Bahia, Fábio Vilas-Boas, foi procurado pelp CORREIO para comentar os casos, mas não respondeu até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.

Aglomerações

Segundo a psicóloga Priscila Pardo, a formação de grupos e manutenção de relações interpessoais estão entre as principais necessidades humanas e, a partir do momento que a pandemia compromete a socialização, há aumento de estresse, desânimo, ansiedade e outros problemas. “Por conta da necessidade de contato social, o impulso dos indivíduos de estabelecer conexões e se inserir em grupos sociais levou as pessoas a minimizarem as consequências das aglomerações, o que aumentou a adesão às festas e, portanto, também os casos de coronavírus”, analisou.

Quem realmente decidir flexibilizar o isolamento precisa fazê-lo com certo cuidado. “Depois de tantos meses, de fato, existe uma influência da saúde mental de quem não aguenta mais estar isolado, mas ainda precisa se proteger do covid. É preciso chegar num meio-termo, de se você realmente for socializar, que faça de maneira segura, mantendo distância, em ambientes arejados, usando máscaras. Realmente procurar essas medidas para conseguir manter a sanidade mental sem se descuidar do covid”, diz a médica infectologista do Hospital Cárdio Pulmonar, Clarissa Ramos.

Ela diz que todas as festas de fim de ano preocupam. “São eventos que geram aglomeração e que demora algumas semanas para que os sintomas comecem a surgir”, disse a médica, destacando a possibilidade de aumento dos casos no início do ano.

Balanço coronavírus

Segundo dados da segunda-feira (4) da Central Integrada de Comando e Controle da Saúde, aliada à Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), Madre de Deus já contabiliza 1.529 casos de coronavírus no total, o que representa 0,31% dos números totais do estado. São dois casos ativos e um sob suspeita atualmente. O crescimento do número de casos nos últimos cinco dias foi de 0,07%. O município contabiliza 20 mortes. 

Em Vera Cruz, 517 casos foram registrados desde o início da pandemia, o que representa 0,11% dos números totais da Bahia. Atualmente, um caso está ativo e nenhum sob suspeita. A taxa de crescimento de casos nos últimos cinco dias é de 0,98%. O município contabiliza 22 óbitos. 

*Com orientação da subeditora Monique Lôbo