Ficou evidente a necessidade de rediscutir quem cuida do nosso lar

Vulnerabilidade e a precariedade do trabalho doméstico no Brasil tem ficado cada vez mais evidente, e a necessidade de mudar esse quadro cada vez mais urgente

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  • Da Redação

Publicado em 10 de abril de 2021 às 17:36

- Atualizado há um ano

Com a grave crise econômica aprofundada pela pandemia globalizada desde 2020, as pessoas e famílias ao redor do mundo foram forçadas a permanecer isoladas em suas casas para evitar a contaminação e propagação do vírus. Com isso, ficou evidente a necessidade de rediscutir os papeis sociais de gênero, as relações de cuidado: quem cuida da casa, das crianças, do lar? A categoria de trabalhadoras domésticas remuneradas representa um grupo fundamental na sociedade brasileira: elas cuidam, limpam, cozinham e convivem dentro dos lares de seus empregadores, a ponto de muitos chegarem a solicitar que o trabalho delas fosse um “serviço essencial”. 

Se organizasse um encontro de todas as suas trabalhadoras domésticas, o Brasil reuniria uma população maior que a da Dinamarca e que seria composta majoritariamente por mulheres negras, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em estudo feito em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a ONU Mulheres, braço da Organização das Nações Unidas que promove a igualdade entre os sexos, destacou-se que o trabalho doméstico permanece como uma das principais ocupações entre as mulheres, cuja participação é de 80% no segmento em todo o mundo.

Algumas melhorias para a categoria foram influenciadas pelas conquistas dessas trabalhadoras desde a publicação da Lei das Domésticas (Lei Complementar nº 150, de 2015), como o crescimento da contribuição para a previdência social, que era 36% em 1980 e passou a 45,7% em 2018. Com a baixa proporção de trabalhadoras com carteira assinada e sindicalizadas, pode-se concluir que houve um crescimento de contratos temporários e informais, como entre as diaristas. E mesmo com um crescimento da escolarização e dos salários, elas ganham apenas 39% da média de rendimentos de todos os trabalhadores, os menores salários entre os ocupados. Além disso, enfrentam altas jornadas, condições precárias, perigosas e mesmo violentas no trabalho, sendo considerada uma das piores formas de trabalho infantil e violação de direitos pela OIT.

Segundo o IBGE, no Brasil elas são 4,7 milhões de trabalhadoras, praticamente todas mulheres (93%), sendo uma das principais ocupações de mulheres negras, de baixa renda e baixa escolaridade. Em Salvador, são mais de 70 mil trabalhadoras, sendo que 86% são mulheres negras. A atividade permanece naturalizada no Brasil, como parte da organização social de uma nação periférica e com herança das relações de subalternidade desde a escravidão. Apesar de pouco valorizado, o trabalho do cuidado remunerado contribui de forma importante para a manutenção de um determinado modo de vida das famílias de classes média e alta residentes nos grandes centros urbanos. Para muitas dessas famílias, ao contrário de países europeus, por exemplo, o cuidado de sua casa e suas crianças exige necessariamente a contratação de trabalhadoras domésticas, mas sem sua valorização e garantia de direitos.

Na deflagração da pandemia de Covid-19 em 2020 no Brasil, uma das primeiras vítimas fatais da doença foi uma trabalhadora doméstica moradora do Rio de Janeiro. Ela foi contaminada pela patroa, que havia acabado de voltar de viagem da Itália, país que registrava o maior número de mortes pela doença em março desse ano. Na Bahia, uma mulher de 42 anos residente em Feira de Santana, foi confirmada como o segundo caso de contaminação pela Covid-19 no Estado. Ela era trabalhadora doméstica e teve contato com a primeira paciente a testar positivo para o vírus e que, coincidentemente, também havia retornado de viagem da Itália em fevereiro de 2020, tal como no caso fluminense. Desde então, a vulnerabilidade e a precariedade do trabalho doméstico no Brasil tem ficado cada vez mais evidente, e a necessidade de mudar esse quadro cada vez mais urgente.*Claudia Monteiro Fernandes é economista, pesquisadora na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante do Programa “A Cor da Bahia”