Filas e instabilidade: baianos sofrem para fazer recadastramento no SUS

Prazo foi prorrogado até setembro

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  • Wendel de Novais

Publicado em 28 de agosto de 2020 às 19:16

- Atualizado há um ano

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. por Fotos: Arisson Marinho/CORREIO

Milhares de soteropolitanos acordaram cedo e partiram rumo a filas que lhes custaram horas nesta sexta-feira (28). Os cidadãos foram às ruas pela necessidade de recadastramento no Sistema Único de Saúde (SUS) que tinha prazo fixado até 31 de agosto e, agora, poderá ser realizado até o fim de setembro. Com a obrigatoriedade de se cadastrar e com o sistema do site disponibilizado pela prefeitura enfrentado quedas, o que se viu foram filas enormes nas unidades de saúde da capital que disponibilizaram o recadastramento presencial. A situação fez o Ministério da Saúde prorrogar o período para realização do procedimento. 

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Entre as queixas de quem encarou horas de filas e várias pausas nos registros por conta das constantes quedas no sistema utilizado pelas unidades, a que mais se ouvia era sobre o desconhecimento da população da necessidade do processo. “Eu fiquei sabendo mesmo disso ontem, porque vi na televisão e meu amigo também me enviou pelo Whatsapp. Antes disso, nem sabia o que era”, confessa José Ramos, 59 anos.

E não só foi ele que descobriu o recadastramento recentemente. Joilma Percontini, 61, também não viu nada sobre e afirma que faltou divulgação. “Acho que faltou mais ênfase por parte do poder municipal porque eu não sabia que precisava fazer isso. Não vi em nenhum lugar e eu não sou alguém que vive no mundo da lua”, garante. 

Procurado, o secretário de Saúde de Salvador, Léo Prates, defendeu que a divulgação é feita desde o começo do ano. "A minha melhor resposta para essas reclamações são os números. Como que nós cadastramos 700 mil pessoas de Salvador fizeram o recadastramento sem que houvesse divulgação? Só se eu fiz comunicação por telepatia com quem foi às unidades realizar o processo", argumenta.

Apesar disso, Léo admitiu que a comunicação pode ter ficado aquém, mas disse que o processo não teve tanta divulgação por conta dos esforços direcionados para a pandemia do novo coronavírus e outros problemas que precisaram ser administrados. “Vocês acham que nós, da Secretaria de Saúde ,e todos outros profissionais, como vocês da imprensa, íamos colocar energia no surto de coronavírus, em um surto de dengue ou no cadastramento? A gente fez tudo ao mesmo tempo, mas, em alguma coisa, você comete alguma falha”, justifica o titular da SMS, que garantiu que o site está sendo reforçado para atender todo mundo. 

O secretário também  justificou as constantes quedas nos sistemas das unidades que realizaram o recadastro e a indisponibilidade do site para realização do processo. De acordo com Léo, de janeiro a agosto, período em que Secretaria Municipal de Saúde (SMS) fazendo o recadastro dos cidadãos, 700 mil foram feitos, enquanto, apenas nesta sexta-feira, 300 mil soteropolitanos conseguiram se recadastrar.

"Hoje, cadastramos quase metade do quantitativo realizado desde janeiro. É lógico que essa alta procura causou os problemas nos sistemas. Tá dando bug! Já colocamos quatro servidores e ainda está dando bug. O próprio sistema do Ministério de Saúde não aguentou a nossa pressão e também caiu, nos notificaram isso aqui", conta.

Longa espera Algumas das 152 unidades básicas de saúde da rede municipal que poderiam realizar o cadastro enfrentaram problemas no sistema durante todo dia. A impossibilidade de algumas unidades causou uma debandada dos interessados e sobrecarregou outros postos como o Complexo Municipal de Saúde Dr. Clementino Fraga, localizado na Avenida Centenário. Entre os componentes das grandes filas no local, estava Joseli dos Santos, 31, que chegou na unidade às 8h e só conseguiu se recadastrar às 14h. "Estou aqui desde às 8h. Isso aqui ficou lotado o dia todo porque o sistema caiu várias vezes. Em um momento, ficamos praticamente parados na fila por uma hora e meia. Chamaram pouquíssimas pessoas nesse período. Isso fez com que o local ficasse lotado do jeito que está agora", declara.

Quem também passou horas na fila foi o aposentado José Siqueira, 67, que chegou às 7h e, até às 15h, não havia conseguido realizar o recadastro. O aposentado ficou mais tempo na fila do que Joseli porque a unidade organizou duas filas: uma para os aposentados e o outra para o restantes. Como a procura presencial contou com uma quantidade relevante de idosos, que alegavam não terem meios ou não conseguirem finalizar o processo on-line, quem tinha mais idade, passou por um período de espera maior. “Toda essa fila está horrível! Anda muito devagar. Ou melhor, quase não anda. Já são oito horas em pé aqui. E não só eu. Olha só a quantidade pessoas de idade que estão tendo que passar por essa situação. Até essa semana, eu nem sabia que precisava fazer isso”, justifica. 

Vivaldo de Souza, 68, também aposentado, estava revoltado com a situação. De acordo com ele, as tentativas frustradas de realizar o recadastro pela internet fez com que precisasse passar horas na fila. “De verdade, eu não queria passar por isso. Não queria estar aqui pela minha idade e por conta dessa pandemia. Mas minha filha tentou fazer isso pra mim o dia todo ontem e não conseguiu. Estou muito chateado porque é um risco grande estar aqui com tanta gente em um local só e, como fazer o cadastro é obrigatório, não tem pra onde correr”, lamenta. Vivaldo também relatou que, antes de ir para a unidade da Av. Centenário, tentou buscar unidades mais próximas de casa´, que estariam mais vazias em teoria, e não obteve sucesso por lá.

Situação repetida em Nazaré Outro local que sofreu com a sobrecarga causada pelo não funcionamento das unidades foi a unidade Ramiro Azevedo, localizada no Campo da Pólvora. No local, as longas filas foram constantes desde às 7h até às 14h, quando a reportagem do CORREIO esteve no local. Apesar de não apresentar constantes quedas de sistema durante o período disponibilizado para o procedimento, a unidade viu as longas filas, montadas por pessoas que não conseguiram êxito em outras unidades, se prolongarem. 

“Só tá fazendo aqui no Ramiro de Azevedo e no Clementino Fraga. Em outro lugar, não estão conseguindo resolver. Por isso que eu e muitas outras pessoas viemos tentar a sorte por aqui, que tá bem cheio, mas parece que tá andando de maneira aceitável” diz, Maria Santana, 60, que está desempregada e gastou com transporte público para se deslocar para a unidade de Nazaré. Outro que precisou ir até o Ramiro de Azevedo foi Jurandir Moreira, 57, que está desempregado e teve que se deslocar a pé entre as unidades que não estavam conseguindo realizar o processo. “Já fui na unidade da Baixa dos Sapateiros e na da Carlos Gomes e não consegui nada. Ouvi umas pessoas comentando que aqui estavam fazendo. Então decidi aventurar e que bom que deu certo”, comemora Jurandir, que saiu de casa às 6h conseguiu o recadastro às 13h.

Apesar da sobrecarga, a unidade localizada em frente ao Campo da Pólvora se saiu bem na avaliação dos cidadãos. Muitos foram os que disseram que o fluxo estava bom e a espera maior era causada pelo número alto de pessoas nas filas. Assim como Elias Xavier, 62, aposentado que ficou duas horas e meia esperando. “A situação tá tranquila, a fila tá andando bem considerando a quantidade de pessoas que estão por aqui. Não demorou como eu imaginava Eu cheguei aqui às 10h e tô próximo de entrar agora, às 12h30."

O porquê do recadastramento Todos os moradores de Salvador devem fazer o recadastramento porque é importante para garantir os recursos da União para o sistema de saúde do município, que, a partir de agora, quer medir a necessidade das cidades a partir das pessoas cadastradas no SUS.

Léo Prates falou sobre a importância do ato de cadastramento dos soteropolitano, que não sofrerão punições individuais caso não o façam, mas podem prejudicar o atendimento de saúde de maneira coletiva. “O Governo Federal mudou financiamento do SUS. Agora, o repasse de vaga vai ser organizado através deste cadastro. Não há uma sanção individual para quem não fazer, mas há uma sanção coletiva porque a equipe técnica mensura que, se nós não cumprirmos a meta e a verba diminuir, o próximo prefeito pode ter que fechar uma das unidades disponíveis. Quanto menos gente cadastrada, menos dinheiro a cidade vai receber para atenção primária de saúde”, diz.

O secretário acredita que a mudança de critério para repasse do ministério é um equívoco e pode dar problemas para as cidades brasileiras. “Eu tô dizendo que eles estão dando cavalo de pau em Titanic. Ou seja, vai dar problema. Entendo que o antigo critério, que antes era realizado a partir do número de equipes consistidas e o volume da população, fazia muito mais sentido e, consequentemente, deixava o repasse mais justo”, opina. 

Prorrogação do prazo Ao CORREIO, a SMS informou que o prazo para recadastro é estabelecido pelo Governo Federal e a prorrogação do tempo para inscrição também foi decidida pelo ministério e vale em todo território nacional. É sempre bom lembrar que os soteropolitanos precisarão ter em mãos o RG ou certidão de nascimento; CPF ou cartão SUS e o comprovante de residência em nome do usuário ou de algum parente de primeiro grau para conseguir o recadastro. É possível também que uma pessoa da família realize o cadastro dos demais moradores, caso apresente toda documentação. A validação do cadastro será realizada após acesso à unidade de saúde.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro