Filho de vítima de covid-19 se revolta com vizinhos em Cajazeiras: 'Onde estão com a cabeça?'

Idosa mantinha isolamento social num bairro onde a vida segue como se não houvesse pandemia

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  • Fernanda Santana

Publicado em 30 de maio de 2020 às 19:16

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Dona Naildes, 54 anos, mãe de três filhos e avó de dois netos, morreu, na manhã deste sábado (30). É o primeiro óbito relacionado ao coronavírus no Jardim Cajazeiras, onde a ela morava e a vida segue quase normalmente, como se não houvesse pandemia, com bares abertos, gente na rua e aglomerações.“Eu me pergunto: onde essas pessoas estão com a cabeça? A coisa já ficou séria, agora não são números, agora é minha mãe, seu avô. Passou a ter nome”, falou Marcelo Araújo dos Santos, 29, um dos filhos de Naildes. Dentro da casa da família, era só a tristeza do luto pela perda de uma mãe amorosa e avó apaixonada pelos netinhos - o mais novo, Lucas, tinha apenas dois meses. Lá fora, a zoada do vaivém de motos, da música alta e gargalhadas rompia o silêncio dos enlutados. Os órgãos de Naildes pararam no final da manhã, depois de duas paradas cardíacas, no Hospital da Mulher. Ela estava recém operada de uma cirurgia na vesícula, no Hospital Eládio Lasserre, em Cajazeiras, de onde foi transferida na última quarta-feira (27).  Ela foi a primeira vez para o hospital há duas semanas (Foto: Acervo Pessoal) Depois de apresentar falta de ar e os médicos detectarem, num exame de imagem, o comprometimento dos pulmões, veio a suspeita da covid-19. O teste ainda não foi divulgado. “Como eu peguei essa doença?”, repetia Naildes, aos filhos e equipe de saúde. A aposentada não saía há dois meses, para se proteger. Sempre usava álcool em gel e máscara. Os vizinhos circulavam sem restrições. Naildes sequer queria ir para o hospital - e nem os filhos queriam que ela fosse - com medo de se contaminar. Mas as dores da crise na vesícula foram mais fortes.

Primeiro, há duas semanas, ela foi para um Posto de Saúde, em Cajazeiras 8, e depois para o Eládio Lasserre, onde se operou. Como a unidade passou a se dedicar apenas a casos de coronavírus, ela foi transferida. “Acreditamos que ela pegou lá. Tínhamos muito cuidados. Sempre com máscara, luva, álcool em gel, a gente só não passava álcool na mão das enfermeiras”, disse o filho, balconista de farmácia, que diz adotar “todos os cuidados”.

A família não pôde se despedir de Naildes e, ainda sob efeito de tranquilizantes, Marcelo afirmou que fortalecerá uma campanha pessoal de conscientização de amigos e conhecidos. "Vou fazer de tudo para fazer meus amigos respeitarem meus amigos. A rua continua cheia, os bares não parem”. Segundo o boletim mais atualizado da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), já são 639 filhos, pais, mães, avós - como Naildes - e avôs mortos pelo coronavírus. “Agora não só são números”, emocionou-se, novamente, Marcelo.