Fim da Saraiva em Salvador tem filas em busca de descontos de 90%

Ponto de encontro de amigos, fim da livraria em Salvador entristece muitos leitores. Até casais já se conheceram nas lojas

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  • Da Redação

Publicado em 20 de setembro de 2020 às 19:17

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Beatriz Pacheco/Leandro Checcucci)

O último dia de funcionamento das quatro lojas da Livraria Saraiva em Salvador foi marcado pelas filas neste domingo (20). Antes de fechar, a loja deu descontos de até 90% em produtos, o que levou multidões para os shoppings da cidade. 

No Salvador Shopping, a fila para entrar no local fazia uma volta no parapeito central próximo à loja. A estudante Beatriz Pacheco, 20 anos, passou cerca de meia hora esperando para entrar na livraria. A maior demora, entretanto, é para conseguir pagar os livros.

“A loja está muito cheia e tem pouco funcionário para a quantidade de pessoas no local. Estou na fila do caixa há uma hora e ainda não consegui pagar. Só tem 4 caixas funcionando”,  diz a jovem que foi até o local para comprar três livros com um cartão presente.

O estudante de direito Leandro Checcucci, 21, foi na Saraiva do Shopping da Bahia neste domingo à procura de um livro de direito em promoção. Ele conseguiu entrar facilmente na loja, que estava lotada. O jovem enfrentou a multidão, mas acabou saindo sem o produto, já que não encontrou nada do que procurava.

“Fui na loja depois que meu amigo me contou dos descontos. Estava lotado, todo mundo colado e sem respeitar a distância segura. Vi muita gente comprando, algumas pessoas carregavam oito livros”, conta o jovem.

Os maiores descontos estavam na parte do outlet, que possuía alguns livros 80% a 90% mais baratos. Outros produtos tinham um abatimento progressivo, desde que fossem da mesma categoria: na compra de 2, o preço caia 20%, com 3 livros comprado, o valor era 30% menor e a partir de 4 produtos, o desconto era de 40%. 

“Tinha algumas promoções boas. Alguns livros avulsos estavam mais baratos, mas os maiores descontos eram na compra de 4 livros. Acabei não comprando porque, apesar do preço mais baixo, dava pra comprar mais barato pela internet”, diz a estudante Camila Cruz, 15 anos.

Atrás da promoção de 90%, Leandro diz não ter encontrado o saldão na loja. Para Beatriz, o maior problema era que os descontos de 40% só valiam para livros da mesma categoria. “A maioria está no valor normal do dia a dia”, comenta.

Na Saraiva do Shopping da Bahia, Camila não conseguiu encontrar os livros “Revolução dos Bicho”s e “Admirável Mundo Novo”. “Eu vi os livros que eles tinham, mas a prateleira de infanto-juvenil não tinha tanta coisa assim. Até vi uma pessoa carregando um livro que eu queria, mas não consegui achar nada”, relata. Livros estavam com descontro progressivo (Foto: Leandro Checcucci) Para além dos livros Mais do que uma livraria, a Saraiva é um pedaço da história de muita gente. A loja de livros era um lugar para encontrar amigos, crushs e onde muita gente tinha que bater ponto todas as vezes que ia aos shoppings de Salvador.

Foi na Saraiva do Shopping Paralela que o estudante Alexandre Teixeira, 18, conheceu sua primeira namorada há cerca de 3 anos. Desde criança, ele tinha o costume de ir na livraria com os amigos para conversar e ler. Em uma dessas ocasiões, ele puxou papo com uma garota e, depois, os dois acabaram engatando um relacionamento.“Eu estava dando uma olhada em uns livros que eu gosto e ela fazia a mesma coisa. Perguntei se ela ia escolher algum, nós trocamos os números e começamos a conversar. A gente sempre se encontrava na Saraiva”, relembra.Também foi na livraria que a estudante carioca Amanda Lopes, 22, conheceu uma paixão de verão enquanto passava férias em Salvador, em 2016. “Eu estava procurando um livro na seção de ficção e um cara me recomendou um livro. Foi marcante. A gente ficou conversando sobre vários livros e isso virou um lance de verão”, conta a estudante que agora mora na capital baiana.

Ir na Saraiva era um dos passeios preferidos da estudante de Pedagogia, Ana Caroline Reis, 24. O fim das lojas em Salvador foi um triste surpresa para ela e tantos outros.

“Pra mim a Saraiva sempre teve grande importância. Era um dos lugares que eu mais gostava de passar o dia. Lá era um lugar especial pra mim e saber que não vou poder ir lá mais, me deixou bastante triste”, diz a estudante que ficava horas no local sem perceber o tempo passar.

A livraria foi ponto de encontro de muitos grupos de amigos e também onde muitos desenvolveram o amor pela leitura.  Foi vendo os livros na Saraiva que a Beatriz começou a ter mais vontade de ler. “Eu vou na saraiva desde quando era pequena, acho que ela representa amor. Fiquei muito triste por saber que a livraria vai fechar. Quando eu era pequena, ficava horas lá dentro vendo tudo e também participei de encontros com as autoras”, conta.Além de leitor, Leandro também é escritor e sonha publicar um livro. O estudante de Direito já tinha imaginado ver sua obra exposta na Saraiva, que ele frequenta com os amigos desde os 11 anos.

“Não sei como vai ser, mas tenhos planos de publicar um livro independente e outros com editoras menores. Na Saraiva, eu imagino que os livros que estão lá são os de maior repercussão e os mais relevantes. Se meu livro estivesse lá, era um sinal que ele deu certo”, conta o jovem.

Taxação dos livros Não é só o fim das livrarias que entristecem os amantes da leitura. A possibilidade de aumento no preço dos livros com a taxação do produto também gerou revolta nos leitores. Enviada, em julho, para análise do Congresso, a primeira parte da reforma tributária do governo federal prevê a junção da cobrança do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A proposta da equipe econômica é que o imposto passe a se chamar Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%, o que incidiria sobre os livros.

Desde 2004, uma lei isenta as empresas envolvidas na produção de livros do PIS e da Cofins. Entidades do setor, como a Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), lançaram um manifesto em defesa da isenção para as editoras. De acordo com elas, a elevação do preço dos livros decorrente da alíquota de 12% não resolverá os problemas tributários do país.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro