Fito gostava de apostar e arriscou para levar o Bahia ao hepta

Foi dele o gol que sacramentou o sétimo título consecutivo do tricolor em 1979

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  • Gabriel Rodrigues

Publicado em 1 de outubro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Gildo Lima/Arquivo CORREIO

A divisão de base do Santos teve grande importância para o Bahia na década de 1970. Ficou confuso? Tem explicação. Das categorias inferiores do Peixe saíram jogadores que fizeram história com a camisa tricolor. Atletas como Elizeu, Douglas e Picolé contribuíram para o Bahia conquistar o inédito heptacampeonato baiano. Não foi diferente com um tal Fito. 

Adolfo José Lima Neves, ou simplesmente Fito, nasceu em Tremembé, interior de São Paulo. Ainda criança teve um talento reconhecido: o forte chute. Ao perceber a característica que o garoto possuía, seu tio, Carlos Paredão, passou a incentivá-lo a treinar chutes de longa distância. A insistência deu certo e da pequena Tremembé o próximo passo foi rumo ao Santos. 

A perda do título baiano de 1972 - que seria um tricampeonato -, para o rival Vitória deixou sequelas no Bahia. Era hora de mudar as coisas. O encarregado de reformular a equipe foi ninguém menos que Evaristo de Macedo. Aos 39 anos, Mestre Evaristo, como ficaria conhecido tempos depois, desembarcava em Salvador para a sua primeira passagem pelo tricolor. 

Em busca de um meia, Fito caiu como uma luva para o Esquadrão. Ele estava de saída do Santos, que contava com muitos craques, mas estava acertado com o Coritiba. O então diretor de futebol Paulo Maracajá entrou em ação. Colocou em prática e seu poder de negociação e, no início de 1973, Fito seguia os passos do ex-companheiro Douglas e chegava ao Bahia para fazer história. 

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Sob os olhares de Evaristo, não demorou muito para que Fito se firmasse entre os titulares. Ele aproveitou a lesão de Elizeu para ganhar a vaga ao lado de Baiaco e não saiu mais do time, que no final do Baiano comemorou o que seria a 24º conquista tricolor no torneio e o início de uma sequência histórica. 

Se dentro de campo o chute forte era marca registrada de Fito, fora dele a fama do jogador era de mão fechada, ou "canguinha", como dizem os baianos. O meia tinha consciência de que a carreira de jogador era curta e poupava tudo que ganhava. A preocupação de Fito com a parte financeira rende histórias curiosas.  Jogadores do Bahia comemoram o gol do hepta na Fonte Nova (Foto: Gildo Lima/Arquivo CORREIO) O meia tinha o costume de apostar na loteria esportiva. Em 1973 ele levou o prêmio ao acertar os 13 placares. O engraçado é que um deles só foi consolidado graças ao esforço do próprio Fito. O jogador do Bahia havia apostado no triunfo do seu time sobre o América-RN, na capital potiguar. O Bahia saiu perdendo por 1x0, mas conseguiu empatar.

Aos 33 minutos do segundo tempo, o tricolor teve um pênalti a seu favor. Sem saber que já havia acertado os outros 12 jogos, Fito bateu forte e virou a partida. Com aquele gol ele garantiu a vitória e o prêmio da loteria. 

Durante a passagem pelo Bahia, Fito também conciliou o futebol com os estudos. Ele fez vestibular para Educação Física e chegou a frequentar o curso na Universidade Católica de Salvador. Aluno aplicado, sempre chegava cedo, mesmo tendo atuado pelo Bahia na noite anterior. 

Queda e volta por cima  Os primeiros anos no Bahia foram de glória para Fito. Em quatro anos no clube, o meia caiu nas graças da torcida e faturou os quatro títulos do estadual. As coisas mudaram um pouco em 1977. Em uma dividida com Chiquinho, do Itabuna, sofreu uma grave lesão. Machucado, ele perdeu a titularidade no Bahia.

O meia só voltou a jogar em 1978, mas muito distante daquilo que já tinha apresentado com a camisa do clube. Conhecedor da sua capacidade, ele se cobrava bastante. Mesmo em baixa, ainda conseguia ser decisivo quando entrava em campo e ajudou o Bahia a levantar mais uma taça. Em 1979, Fito ainda não estava no melhor da sua forma, mas foi por esse poder de decisão que ele ganhou uma chance entre os relacionados para a grande final do Campeonato Baiano.

Se na infância o tio, Carlos Paredão, foi fundamental para Fito aprimorar o chute, no Bahia a importância é atribuída Zezé Moreira. Sabendo da capacidade do meia, ainda em 1975 Zezé pedia para que Fito treinasse os chutes de longa distância de forma exaustiva. Mais uma vez, as orientações pareciam um preceito do que estaria por vir. 

No dia 28 de setembro 1979, Bahia e Vitória entraram em campo diante de 40.951 torcedores na Fonte Nova. De um lado, um tricolor que fazia história e somava seis conquistas consecutivas. Do outro, um rubro-negro disposto a quebrar a sequência do rival e que precisava apenas do empate para isso. 

O duelo teve um primeiro tempo pegado, com boas chances do Bahia, que parou no goleiro rubro-negro Gelson. Aos 18 minutos do segundo tempo, aconteceu a alteração que mudaria a história do jogo. Depois de uma entrada dura de Xaxa, Gilson Gênio se machucou. Zezé Moreira decidiu fortalecer o meio-campo e colocou Fito na partida. O resultado veio minutos depois. 

Aos 25 minutos, a jogada começou na defesa tricolor e, de pé em pé, chegou até Fito, na intermediária. Com espaço dado pela marcação rubro-negra, o camisa 15 teve liberdade para escolher as opções. Poderia ter passado para o centroavante Caio, posicionado na área, tocado para Douglas na esquerda, ou lançado para Botelho na ponta. Arriscou naquilo que era melhor: o chute.

As luvas do goleiro Gelson receberam a bomba de Fito como se estivessem lambuzadas de manteiga. A bola morreu no fundo das redes do gol do Dique e a massa azul, vermelha e branca explodiu em emoção nas arquibancadas. O Bahia conquistava o heptacampeonato baiano com o triunfo por 1x0.  Como de costume, torcida invadiu o campo para comemorar o título na velha Fonte (Foto: Gildo Lima/Arquivo CORREIO) Avesso a entrevistas, Fito não atendeu ou retornou às ligações. “Ele é assim mesmo, não gosta muito de atender telefone não”, conta o amigo Douglas. Mas ao CORREIO, na noite da conquista do hepta, ele descreveu o seu gol.   “Uma coisa é certa: clássico se decide com bola parada ou com chutes longos. Quando peguei a bola, ainda na intermediária, vi que poderia chutar, pensei que a bola não levaria muita força. Me enganei e ela entrou”, contou Fito.Naquele dia, o herói tricolor entrou em campo mesmo sem contrato. Fito esperava o contato da diretoria do Bahia por uma renovação, mas estava satisfeito com o que havia conseguido. A festa tricolor terminou com uma carreata até a Igreja do Bonfim que arrastou uma multidão pelas ruas da capital baiana.