'Foi alguém com muito ódio', diz padre sobre destruição de capela em Ilha de Maré

Templo de bambu e madeira era utilizado pela Paróquia São Lázaro de Betânia, da Igreja Ortodoxa

Publicado em 30 de outubro de 2020 às 06:00

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Criada há cerca de oito meses, entre um bambuzal, a capela da Paróquia São Lázaro de Betânia, na comunidade de Bananeiras, em Ilha de Maré, não possuía teto nem paredes. As atividades da Igreja Católica Ortodoxa ocorriam ao ar livre, em meio à natureza. Feita de bambus, a capelinha foi alvo de um ataque, na quarta-feira (28), e acabou destruída.

O padre Kelmon Luís acredita que o vandalismo tem como motivação a intolerância religiosa. Os responsáveis pelo ato ainda não foram identificados.

Era uma capela simples, feita com materiais trazidos pelo mar em uma área cedida por um morador da região. O local foi construído para abrigar a paróquia enquanto o templo de concreto não ficasse pronto. Na ação, bancos foram quebrados, as pedras com os nomes de quem apoiou a construção da igreja espalhadas, a cerca de bambu foi danificada, o cruzeiro também foi destruído bem como as cruzes e o pé do altar.“Não tenho ideia de quem fez isso. A destruição mostra que foi alguém com muito ódio dentro de si. Arrancaram o crucifixo, a destruição dos bancos. Isso denota que a pessoa não tem o mínimo de civilidade. É uma ação de ódio à religião e às pessoas que seguem a religião”, comenta o padre.O padre ainda não deu queixa do caso à polícia. Ele conta já ter conversado com o delegado responsável pela região de Ilha de Maré, mas pretende formalizar o registro da ocorrência até essa sexta (30). Agora o espaço terá que ser reorganizado, o que deve levar dois dias, acredita o padre. 

“Muitas pessoas me ligaram tristes e nervosas. Eu garanti que vamos reconstruir a capelinha e levar a nossa proposta de vida adiante. Além de triste, fiquei revoltado com o ato de violência”, afirma o padre da Igreja Ortodoxa. Comunidade vai reerguer a capela de bambu (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal) Agora é hora de voltar a trabalhar para reerguer o espaço. Para isso, o padre conta com o apoio da comunidade de Bananeiras. A marisqueira Roquilda Bomfim, 43 anos, conta ter ficado horrorizada com o vandalismo. Mesmo sendo da Igreja Católica Romana, ela vai ajudar nos trabalhos de reconstrução.

“Vamos ver como vai ser o trabalho de reconstrução, mas eu vou ajudar sim para colocar ordem no lugar. Aqui é uma comunidade e todos têm que se apoiar. Não consigo entender o que motiva essa ação”, comenta a marisqueira, que é filha do dono da área onde foi construída a capela.

A secretária da Paróquia São Lázaro de Betânia, Rosane Leite, 60, conta que o espaço era aberto para todos, não apenas aos católicos ortodoxos. Ela sabe que tudo foi construído com muito carinho e ficou chocada com o ataque. 

“O espaço servia para meditar, ter contato com Deus, ler um livro. Era um cantinho para orar e estar em comunhão com Deus. Quebraram tudo. É um ato de vandalismo motivado pela intolerância religiosa. Não sei como o ser humano pode chegar a tal ponto de uma heresia brutal”, relata Rosane. Ela pede um aumento do policiamento na região para que atos como estes não voltem a acontecer.

Quem já acompanhou uma missa na capelinha é marcado pela oportunidade de congregar em contato com a natureza. Renata Massa, vice-presidente da Fundação Theotokos, que é presidida pelo padre Kelmon Luís, diz que a sensação é indescritível.“Ao ir na capela, eu me senti transportada no tempo. Não tem sensação melhor do que estar em meio às plantações e de frente para o mar. Foi algo maravilhoso”, relembra Renata, que diz ter uma formação religiosa católica.O pároco acredita que a destruição pode acelerar a construção da capela de concreto. De acordo com ele, pessoas da comunidade começaram a dizer que vão trabalhar para erguer o templo definitivo depois do que ocorreu com o de bambu. “Parece que, a partir do ato de violência, vai surgir uma grande solidariedade entre pessoas”, torce.

Ataques anteriores Esta não foi a primeira vez que a comunidade foi alvo de ataques. No ano passado, um crucifixo que tinha sido fincado no chão, próximo ao local onde hoje é a capela, foi arrancado e jogado para longe. Depois do ato, o padre recolocou a cruz no local. No dia seguinte, o objeto tinha sido arrancado novamente, mas desta vez, o crucifixo tinha sido quebrado.

Atualmente, a comunidade de Bananeiras acolhe o padre, como conta Rosane: “As pessoas da região gostam muito da atitude do padre. Aqui é uma mistura de católico com evangélico, mas a ajuda é pela comunidade, nós sabemos que o padre está aqui para ajudar”.

Mas a situação nem sempre foi amistosa. O pároco conta ter sofrido preconceito por ser da Igreja Ortodoxa ao chegar à ilha, no ano passado. “Cheguei com uma mochila nas costas para visitar o local onde seria criada a paróquia. Aqui não tinha atuação pastoral da Igreja Ortodoxa e comecei a trabalhar aqui. Quem me recebeu de forma mais acolhedora foram os evangélicos. Já os católicos romanos não me receberam bem, tive que conversar com um bispo romano para pedir que me respeitassem. Até falar que eu não era padre falavam por desconhecerem essa separação que ocorreu na igreja”, relata o padre. Ele começou a ser aceito com ao tempo ao passo que a população percebeu o seu trabalho de região. Atualmente, cerca de 10 pessoas se converteram ao catolicismo ortodoxo em Ilha de Maré.

Fora da comunidade, algumas pessoas ainda não estão tão receptivas para o trabalho do padre. Renata Massa conta que seguidores de outras religiões nem sempre aceitam a pregação do catolicismo ortodoxo. “O padre tem muita receptividade aqui na comunidade, por isso, acredito que quem fez isso não mora na região. Também existem pessoas que discordam da linha política dele, mas acredito que seja mais uma questão religiosa”, afirma. 

Ataques a outras igrejas Assim como a capela de bambu foi alvo da destruição, outras igrejas de Salvador também sofreram com o desrespeito. Em maio, a igreja de Sant’Ana, no Rio Vermelho, foi invadida por bandidos que levaram um bebedouro. Na época do crime, o padre Ângelo Magno, que é o pároco da Paróquia Sant'Ana, contou que a paróquia já sofreu, pelo menos, 200 arrombamentos.

Em 2018, um bandido roubou um celular e um notebook da Paróquia Nossa Senhora de Nazaré, no bairro de Nazaré. Para realizar o crime, um homem se aproximou da igreja com o pretexto de que queria marcar um batizado. Uma das secretárias então abriu o portão. Em seguida, ele sacou a arma, anunciou o assalto e recolheu os objetos. Segundo o padre Nilberto Gonzaga, ao todo o homem levou o celular de uma das secretárias, o celular de uma fiel que marcava a data do casamento e o notebook e o celular da paróquia.

Casos como estes também ocorreram fora da Bahia. Em Paracatu, no estado de Minas Gerais, em 2019, um homem armado entrou em uma igreja Batista Shalon e atirou várias vezes. No ano de 2018, em Campinas, seis pessoas morreram após um ataque na catedral na região central da cidade.O autor do crime abriu fogo contra pessoas que rezavam logo após uma missa. Em seguida, foi baleado por policiais e atirou contra a própria cabeça.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela