Força-tarefa é criada para impedir leilão da Quinta do Tanque

Representantes de entidades se reuniram nesta quinta (18) e prometem repercussão nacional do caso

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 18 de novembro de 2021 às 14:51

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Uma força-tarefa foi montada com entidades como Academia de Letras da Bahia (ALB), Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Instituto de Arquitetos da Bahia (IAB), Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio e Instituto Geográfico e Histórico da Bahia para impedir que o leilão da Quinta do Tanque aconteça. Para isso, as entidades prometem realizar uma mobilização nacional e pedem apoio da imprensa e da sociedade civil. Uma reunião entre os representantes aconteceu nesta quinta-feira (18), na ALB. O leilão, que ocorreria no dia 9 deste mês, foi suspenso por 60 dias para a elaboração de um plano de remoção da documentação. Segundo os presentes, a remoção dos mais de 40 milhões de documentos não é viável e ameaçaria a integridade dos arquivos.

O presidente da Academia de Letras da Bahia, Ordep Serra, afirmou que outras reuniões devem ser feitas e pediu também o apoio da sociedade em prol da preservação do prédio e dos documentos que ele abriga. “Estamos todos mobilizados no sentido de resistir a esse escândalo, esse verdadeiro crime contra a história do Brasil, essa vergonha. Estaremos em assembleia permanente e vamos procurar as autoridades judiciais, procurar os parlamentos, vamos continuar solicitando o apoio da imprensa e de toda a sociedade nesta causa e vamos informar às entidades nacionais porque precisamos levar esse caso para o Brasil todo”, disse.

Ordep Serra reforçou que o objetivo não é a extensão do prazo para remoção dos documentos, mas que ela não seja necessária. “A remoção dos documentos do Arquivo Público não pode acontecer e nós vamos lutar com todas as forças para impedir isso. O pedido não é para que o prazo de remoção dos documentos se estenda, é para que isso não aconteça. Essa determinação é absurda. Para fazer um plano de remoção é preciso anos. E além de inexequível, é algo inaceitável porque é uma violência contra a história, um insulto à Bahia e ao Brasil”, completou. 

O presidente do Instituto de Arquitetos da Bahia (IAB), Luiz Antonio de Souza, lembrou que uma remoção não é algo tão simples de ser feito e ressaltou os riscos que esse transporte poderia causar aos documentos. O acervo é bastante antigo, frágil e sujeito a prejuízos incalculáveis. “A suspensão do leilão não é o fim do problema, ela nos dá tempo para reagir a isso e conseguir o impedimento do leilão. Não podemos colocar um preço em documentos que representam a memória do mundo”, defende. 

O presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques, concorda. “É impossível essa determinação ser cumprida, não depende de boa vontade de aceitar ou não. A única coisa possível de se fazer em 60 dias é encontrar um meio jurídico de sair dessa ‘sinuca de bico’. Se for preciso fazer vigília lá na Quinta do Tanque, nós faremos, mas o arquivo não vai sair de lá”. 

O Coordenador do Fórum A Cidade Também É Nossa, Daniel Collina, se comprometeu a levar o assunto ao fórum. “Estamos falando de um patrimônio da primeira capital do Brasil que precisa ser preservado”, ressaltou. Collina ainda destacou que outros patrimônios também estão ameaçados e que a questão é ainda mais ampla. “Temos o Apeb e diversos outros patrimônios públicos, tombados ou não tombados, que estão ameaçados e precisam de atenção. Estamos vivendo uma crise do patrimônio em geral. A questão é muito maior”, opinou.

Márcia Sant'Anna, membro titular do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan e professora da Faculdade de Arquitetura da UFBA, questionou as ações da Justiça frente ao caso. “Estamos vivendo a situação absurda de ver a Justiça ameaçar um patrimônio. A justiça pode fazer isso? Essa é a pergunta. Eu entendo que não”, colocou. Ela ainda afirmou que levará o debate ao Conselho Consultivo e cobrará uma atitude do Iphan para a preservação do local e do acervo.  

O presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Eduardo de Castro, lembrou os investimentos recentes feitos no local e demonstrou preocupação com a invalidez dessas ações. “Não é possível abrir não de um bem histórico que o estado investiu recentemente valores significativos”, lamentou. O local passou por reforma em 2019 e, este ano, foi selecionado em edital para ganhar mais uma reforma, desta vez para prevenção contra incêndios. 

A secretária regional da Sociedade Brasileira de Pesquisa Científica, Tânia Hetkowski, se comprometeu a contribuir para a repercussão nacional do caso e defendeu a importância do envolvimento das universidades. “Estamos falando de defesa de patrimônio e, principalmente, de defesa de documentos que representam conhecimento. As universidades deveriam ser as entidades mais envolvidas nisso já que a base de todo esse conhecimento que é construído no presente e ainda vai ser construído no futuro depende de documentos como os que encontramos no Apeb”, pontuou. 

Relembre o caso

O terreno da Quinta do Tanque é um dos itens que estão penhorados em um processo judicial contra a Bahiatursa movido pelo escritório TGF Arquitetos Ltda. O imbróglio começou em 1990, quando a ação foi movida na 3ª Vara Cível da Capital pelo escritório. O pedido era de indenização pelo não pagamento de projetos entregues à Bahiatursa que, na época, alegou a inexistência de contrato e disse que os projetos tinham sido apresentados espontaneamente. 

 Em 2005, a Bahiatursa ofereceu à penhora alguns de seus imóveis, incluindo a Quinta do Tanque. A dívida foi se acumulando e chega agora a cerca de R$50 milhões. O imóvel em questão está avaliado em até R$ 12.575.829,62.

O Governo Estadual disse que “adotará todas as medidas para que o imóvel, de inestimável valor histórico e cultural, retorne ao patrimônio público em propriedade plena, sem ônus algum”. O Iphan também se pronunciou, afirmando que, apesar do tombamento, não cabe sua interferência sobre o leilão e que o acervo do Arquivo Público não é tombado pelo Instituto. Além disso, destacou que o imóvel, caso o leilão aconteça, permanecerá sendo protegido pelo Iphan.  

O leilão estava marcado para o dia 9 deste mês. Diante dos protestos e de uma manifestação do Ministério Público da Bahia, o leilão foi adiado e o juiz George Alves de Assis, da 3ª Vara Cível de Salvador, exige que, em sessenta dias, a Fundação Pedro Calmon, responsável pelo Apeb, elabore um plano de remoção do acervo. 

O prédio que abriga o Arquivo Público foi construído no século XVI para ser a residência de padres jesuítas. O imóvel foi tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1949. Desde 1980, o Apeb, criado em 1890 pelo então Governador do Estado da Bahia Manoel Victorino Pereira, está sediado no endereço. Trata-se da segunda maior instituição arquivística do país e está entre as maiores do mundo, abrigando arquivos históricos originados entre os séculos XV e XIX. Ele armazena cerca de 40 milhões de documentos que, se organizados de maneira linear no chão, formariam um caminho de sete quilômetros. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro