Fraudes em meia passagem e gratuidade causam prejuízo de R$ 39 milhões

Estimativa é só no 1º semestre; prejuízo deve chegar a R$ 80 mi em 2018

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  • Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/ARQUIVO CORREIO

A vantagem de pagar apenas a metade do valor da passagem (R$ 3,80) ou embolsar o que seria gasto com a tarifa do ônibus pode parecer atrativo. Pegar o cartão de meia-passagem ou de gratuidade emprestado pode não parecer grande coisa, mas os beneficiários devem ficar atentos. Só este ano, cerca de 11 mil pessoas tiveram os cartões bloqueados por fraude. No primeiro semestre, o prejuízo chegou a R$ 39 milhões - até o fim do ano, pode alcançar R$ 79 milhões, se a previsão para o segundo semestre, de R$ 40 milhões, se confirmar.

De acordo com dados da Integra, que detém a concessão do transporte público municipal em Salvador, 14% das passagens de ônibus contabilizadas como gratuidade na cidade são utilizadas por terceiros, e não pelos reais beneficiários. O número de fraudes nas meias-passagens dos estudantes é ainda maior: 18% são usadas por outros.

Uma projeção realizada pela Transcard, empresa responsável pela bilhetagem eletrônica em Salvador, estima que cerca de 100 milhões de utilizações de gratuidades serão realizadas por ano.

A prática é mesmo mais comum do que possa parecer. Uma jovem que não quis se identificar afirmou que já emprestou “muitas vezes” seu cartão de meia-passagem e que também já usou o de outras pessoas. “Eu tinha crédito, emprestava. A pessoa tava sem dinheiro e eu dava o cartão. Já peguei muito emprestado também. Teve uma época que eu peguei de um amigo e coloquei crédito porque era mais vantagem do que pagar a inteira”, confessa.

Outro estudante, que quis ter a identidade preservada, conta que “cansou de passar o cartão para os amigos”. “A gente estava indo para algum lugar, eu passava o meu e o dos meus amigos. Isso com a minha família também. Era mais barato”, afirma.

Mas uma cobradora contou que, desde que o reconhecimento facial foi instalado, o número de pessoas que apresentavam o bilhete de terceiros diminuiu. “Nós percebemos que o passageiro, quando reconhece a câmera, acaba descendo. Outros alegam que esqueceram em casa o bilhete e que não têm o dinheiro da passagem”, relata. E é justamente o reconhecimento facial que ‘entrega’ a fraude.

Reconhecimento facial O sistema Cit Imagem, implantado em maio do ano passado em todos os 2,6 mil ônibus que compõem a frota da capital baiana, é que flagra o uso indevido. Microcâmeras instaladas no ônibus fazem o reconhecimento facial do passageiro, com cerca de dez fotos em sequência,  a uma distância de até um metro.

Assim que o usuário registra a passagem, o sistema verifica se o passageiro utilizando o cartão é titular. A foto mais nítida é comparada com o banco de dados. Uma equipe de 11 pessoas da Integra compara a foto capturada pelo sistema com os dados na empresa. Caso a fraude seja constatada, o caso é encaminhado para a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob). Lá, uma comissão interdisciplinar acompanha e analisa o processo.

O beneficiário flagrado na fraude tem a suspensão preventiva do cartão por seis meses e é notificado para que apresente defesa em até dez dias.“A gente já consegue fazer a paralisação do cartão no dia seguinte. Nós não impedimos que a pessoa passe naquele momento (pela catraca) para evitar um constrangimento, porque poderíamos fazer isso”, explica César Nunes, coordenador da área de gratuidades da Integra.A investigação começa no dia seguinte. “A gente deixa passar e, no dia seguinte, as imagens são recepcionadas. Caso seja confirmado que a pessoa não é usuária do cartão, nós comunicamos à comissão da prefeitura, que instaura procedimento administrativo, no qual o cartão é suspenso”, completa.

O secretário municipal de Mobilidade, Fábio Mota, explica que as fotos usadas na comparação são atualizadas a cada renovação do cartão.“Quando o usuário vai no Transcard, ele tem que tirar foto e isso fica no sistema de dados. Então, é comparada a foto do cadastro com a do validador. Se não bater, bloqueia o cartão. A pessoa tem dez dias para fazer a defesa, mas é bastante difícil que esteja errado, já que são fotos comparadas”, afirmou Mota.A comissão que analisa as fraudes foi instaurada em março do ano passado e é fruto de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob), a Integra, a Transcard e o Ministério Público do Estado (MP-BA).

Só em agosto deste ano, mais de 500 pessoas tiveram seus nomes publicados no Diário Oficial do Município (DOM) com suspensão dos benefícios. Tanto a Integra como a Semob identificaram que a fraude no sistema tem diminuído após implantação do sistema de reconhecimento facial.

Em caso de roubo, o beneficiário deve comprovar o sinistro com apresentação do registro de ocorrência. Fábio Mota explica ainda que, em caso de reincidência, a  pessoa perde o benefício.

Impacto na tarifa No total, são 283 mil cartões de gratuidade e meia-passagem estudantil na cidade. De acordo com César Nunes, mais de 1 milhão de passagens são analisadas anualmente e conferidas pela bancada. Só este ano, cerca de 11 mil pessoas já tiveram o benefício suspenso.

“Isso influencia muito (no valor da passagem), porque a conta é feita de acordo com os passageiros pagantes dividida pelos que usam efetivamente o transporte. Quem acaba pagando são as empresas que dão vale-transporte, os operários que pagam seu bilhete avulso e as pessoas que pagam em dinheiro. A população é que sofre impacto da tarifa por conta dessas ações”, ressalta Nunes.

Além das fraudes com cartão, ainda há aquelas com idosos. Eles não precisam de um SalvadorCARD para ter a gratuidade. A liberação é feita no momento da entrada no coletivo, pelo motorista ou cobrador. “O que nos resta é verificar se a pessoa é idosa ou não no sistema”, diz César Nunes.

**Rodoviários são ameaçados; alternativas anteriores não funcionaram Por conta das fraudes na gratuidade e na meia-passagem estudantil, a Prefeitura de Salvador chegou a contratar agentes monitores para apoiar o motorista e o cobrador no combate à prática. A contratação é prevista na Lei Municipal n° 7.201/2007, que regula o acesso nos transportes coletivos. A legislação prevê contratação dos agentes, com devido treinamento, homologação e supervisionamento pela prefeitura. 

“Caso o portador de documentos falsos ou de terceiros insistir em permanecer no veículo, deve o preposto da empresa acionar de imediato os agentes do Poder Público e autoridades policiais, não sendo admitido qualquer ato de truculência para com os passageiros”, diz a lei.

A ação, no entanto, não funcionou. De acordo com César Nunes, coordenador da área de gratuidades do Integra, o sistema não deu resultado e causou problemas.“No nosso sistema, quando a pessoa está fraudando, não é impedida. Somente no dia seguinte que nós detectamos e fraude e paralisamos o benefício. Antes, a situação causava constrangimento e podia gerar violência e uma situação desconfortável com os fiscais e os rodoviários”, diz.Muitas vezes, a função dos agentes de fiscalização ficava para motoristas e cobradores. A população, no entanto, não aceitava bem a intervenção e alguns rodoviários já tiveram que ser deslocados das linhas de ônibus por ameaças após as ações.

“Infelizmente, nós não conseguimos combater por nós mesmos, porque as linhas são fixas. Quando a gente tenta denunciar esse pessoal, somos ameaçados”, conta Fábio Primo, presidente em exercício do Sindicato dos Rodoviários.

“O que nós indicamos é que os rodoviários procurem a empresa e passem a situação, com detalhamento da linha de ônibus, do bairro e do ponto”, explica. Ele ressalta que existem pessoas que agem em pontos específicos, coagindo passageiros a trocar a passagem do cartão por dinheiro e que, mesmo denunciando, as ações voltam a acontecer pouco tempo depois.

O presidente contou, ainda, que há um contato entre os rodoviários e a polícia para fazer denúncia de assaltantes e fraudes desse tipo. “A gente percebeu uma diminuição nas fraudes com esse novo sistema, mas é importante combater também esses outros casos que geralmente acontecem em estações, com as pessoas coagindo passageiros. Como a gente não pode fazer muita coisa, até porque toda vez que alguém tentou, teve que sair da linha por ser ameaçado, indicamos não agir na hora e indicar as situações para a empresa”, destaca Fábio Primo.