Frente fria na Bahia: rio transborda em Encruzilhada e água deixa rastro de destruição

Morador alega que construção do novo Mercado Municipal no leito do Rio da Água Preta agravou a enchente, mas prefeitura nega

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  • Da Redação

Publicado em 2 de dezembro de 2021 às 21:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/PME
. por Divulgação/PME

A frente fria que atinge Vitória da Conquista também tem gerado problemas em outros municípios do sudoeste baiano. Em Encruzilhada, o excesso de chuvas fez com que o Rio da Água Preta, que corta a cidade, transbordasse, inundando casas e estabelecimentos comerciais

Por volta das 14h desta quinta-feira (02), começou a chover intensamente no município. O excesso de precipitação fez com o rio e seu afluente transbordassem e uma forte enchente invadiu o centro da cidade. No entanto, a chuva pode não ter sido o único agravante do desastre. Uma obra irregular no leito do rio já apresentava risco potencial para as pessoas e bens patrimoniais do município. [Veja mais abaixo]

“Essas fortes chuvas ocasionaram alguns estragos na área de pavimentação, tem ruas aqui que ficaram intransitáveis”, relatou Júlio César, secretário de administração de Encruzilhada. “O Rio da Água Preta atingiu um volume de água muito grande, junto com o riacho afluente. Essa quantidade de água jamais foi vista nos últimos quarenta anos.”

Moradores registraram a força da enchente e alagamentos se formando em várias regiões do município. 

“A gente fez um levantamento de algumas famílias que estão necessitando de apoio e colocamos à disposição uma casa para aquelas pessoas que estão desabrigadas. Também já tivemos contato com o pessoal da Defesa Civil”, diz Júlio César.

A Prefeitura Municipal de Encruzilhada informou, por meio de nota, que, na tarde desta quinta, choveu uma média de 132mm, causando diversos estragos como: alagamentos de lojas, residências e vários pontos da cidade, queda de muros de residências e órgãos públicos, destruição de calçamentos em diversas ruas, de tubulação da Embasa (deixando parte da cidade sem o fornecimento de água), queda de mureta de proteção da Avenida Régis Pacheco, situada no centro da cidade. 

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Casas também foram invadidas pela grande quantidade de água, tornando pessoas desabrigadas e consequentemente, perda de móveis e eletrodomésticos, bem como outros pertences. Apesar da gravidade do fato, não houve vítima fatal. 

“O Prefeito mobilizou toda a equipe de governo para tomar as devidas providências a fim de amenizar a atual situação e se coloca à inteira disposição da população”, conclui a nota.

Obra irregular pode ter agravado enchente

Apesar de parecer apenas uma fatalidade da natureza, o Jorge Henrique Fernandes, residente de Encruzilhada, alega que a situação do município só chegou a esse nível de desastre por conta de uma obra conduzida pela prefeitura no leito do Rio da Água Preta.

Em documento publicado no último mês de novembro, ao qual o CORREIO teve acesso, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) constatou que a prefeitura de Encruzilhada vem empreendendo obra pública de construção do novo Mercado Municipal em uma “Área de Preservação Permanente”, de modo irregular, com construção de pilares no leito do manancial. As obras foram conduzidas à margem esquerda do Rio da Água Preta, próximo à ponte da Rua Francisco Pascoal, no centro da cidade. Registro histórico do Rio da Água Preta, usado por populares para a lavagem de roupas - (Foto: Reprodução/IBGE) Ainda durante a instrução do inquérito civil, foram extraídos elementos de prova da ação judicial nº 8000172.56.2020.8.05.0075, em trâmite perante a Vara Cível da Comarca de Encruzilhada/BA, na qual se discute a posse/propriedade da área utilizada na referida construção. Jorge Henrique é justamente uma das pessoas que contesta a posse do terreno onde as obras foram realizadas.“Toda a obra está irregular, invadiram um terreno que pertence à minha mãe Maria Matos. Falsificaram até a escritura", declara o morador.Jorge Henrique diz que os pilares que foram instalados através do rio retêm o escoamento da água e facilita a ocorrência de enchentes. “A água que fluía de forma veloz passa a ficar mais lenta e, consequentemente, a região mais baixa da cidade, como a Rua das Flores, Rua Amâncio Alves e a Rua José Alves de Souza, fica completamente alagada. E foi o que aconteceu hoje”, destaca.

A declaração de Jorge Henrique sobre evidência de risco é corroborada pelo Ministério Público da Bahia. No mesmo documento produzido após inquérito instaurado pela Promotoria de Justiça Regional Ambiental em Vitória da Conquista, há a constatação da possibilidade de danos devido à construção irregular.

“Em decorrência de precipitações pluviométricas (chuvas) intensas, registradas no final de outubro deste ano, evidenciou-se ainda mais a localização inadequada da obra. A fundação da obra, erguida no leito do Rio Água Preta, de uma margem à outra, oferece risco potencial de desastre a pessoas e bens patrimoniais, seja pela instabilidade do terreno, seja pelas correntezas de água, que afetam a própria estrutura da construção”, destaca a decisão.  

Assinado pela Promotora Karina Gomes Cherubini, o documento ainda evidenciou que o grande volume de água do Rio da Água Preta, decorrente das fortes chuvas no município de Encruzilhada, passa obrigatoriamente por entre os pilares da edificação, por seu curso natural. “Verifica-se que o curso d’água apresenta escoamento contínuo, com Área de Preservação Permanente severamente ameaçada.”  Pilares da construção instalados no curso do rio - (Foto: reprodução) O relatório do MP-BA revela ainda que o parecer técnico nº 01/2019, emitido em 10 de outubro de 2019, pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Encruzilhada, o qual concluiu pela viabilidade da implantação do empreendimento, foi realizado sem executar ou apresentar qualquer estudo específico.

Em resposta à possível correlação da obra irregular ao registro de enchente desta quinta-feira (02), o secretário de Administração de Encruzilhada afirmou que a construção não agravou os casos de alagamento na cidade e que esse foi “um caso atípico”.

“Há essa denúncia mesmo, mas por uma questão de terreno, que tem uma pessoa que alega que o terreno é dele e não da prefeitura e fez uma denúncia ao Ministério Público. O que ocorreu hoje a tarde aqui em Encruzilhada teria se repetido mesmo sem a obra em andamento. Foi coisa da natureza, a gente não tem como nem prever”, pontua o secretário.

A obra é financiada e acompanhada pela Caixa Econômica Federal, no valor de R$ 1.359.554,60. A construção foi considerada apta pela instituição financeira, sob o aspecto de engenharia, após esclarecimentos sobre sua execução no leito do córrego do Salobro. 

Com isso, uma cópia do documento foi encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF) para a adoção das providências cabíveis, ressaltando que o declínio de atribuição pende de análise pelo douto Conselho Superior do Ministério Público da Bahia. 

Previsão para os próximos dias

De acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a previsão é de que Encruzilhada passe por regime de chuvas ao menos até a próxima segunda-feira (06), com pancadas de chuva e trovoadas isoladas no sábado. 

Para mais informações, acione a Defesa Civil (telefone 199) ou o Corpo de Bombeiros (telefone 193).

*Sob orientação de Mari Leal