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Paulo Leandro
Publicado em 21 de outubro de 2020 às 05:00
- Atualizado há um ano
Não são poucas as vicissitudes pelas quais passa o homem em busca de saciar sua sede e matar a fome, a fim de satisfazer seus desejos naturais e necessários; por que dar-se ao luxo de criar ilusões não-naturais em vez de evitar mais perturbações à existência?
É o evidente caso do fútil-ball, elevado à condição decisiva do matar ou morrer para tantos torcedores crentes na alta relevância de seu time para o bom funcionamento do organismo, a satisfação das emoções e da sociedade em geral.
Chega-se a superar a delícia do sexo a intemperança de quem ama seu clube sobre todas as coisas. Verifiquemos a reação da massa. Vence o Bahia, de virada, o Atlético das Mina, depois de dominado no primeiro tempo.
A alegria alcança a dimensão da desmesura e, mesmo o lavador do equipamento de assar galinhas, acorda atordoado do tonto prazer, no dia seguinte ao grande feito do Esquadrão.
Associa o tricolor, de camisa colada ao corpo, como pele, o assador de penosas ao símbolo do clube vítima do seu Baêa – o pobre galo. Em puro êxtase – do grego ec stasy, estar fora de si –, passa os dias seguintes em en-thou-siasmos – diálogo com deus.
O problema é só um: instabilidade. Depena-se o galo, depois de o Baêa afundar a caravela do Vasco, mas neste meio-termo, o maldito VAR e um árbitro iniciante interromperam o clímax na derrota para Flu do Rio e no empate com Goiás.
Desejar não desejar, e livrar-se da dor, exclui a angústia de torcer das nossas preocupações, pois o mais sábio seria evitar perturbar-se com o desempenho do time ao qual se é afeiçoado.
Verifiquemos o Vitória, habitante do Tártaro da Série B, agarrado a sua gangorra de Hades, perdendo em casa, empatando fora, tomando gol nos acréscimos, trocando treinador, a defesa dando braga...
Como ser feliz diante de tantas incertezas? Bastará trocar esses desejos não-naturais e desnecessários por um bom e suarento baba, quando for possível aglomerar-se com segurança.
Toda tormenta passará se o torcedor reaprender a relacionar-se com a bola: nem precisará contar o placar. Será o grande craque de seus próprios jogos quando der vontade.
Os lances difíceis de interpretar não vão sequer incomodar e as brigas serão para conceder ao outro time o direito de cobrar aquela falta ou escanteio, uma vez alvo de inútil polêmica.
O desapego destruirá a geringonça chamada futebol profissional, com seus tentáculos poderosos, necessidades criadas por bombardeio midiático massivo diário, imposições de mercado a ponto de se precisar expor em risco a vida numa pandemia.
Oh, como será feliz o fútil-ballista, com seu título de campeão da futilidade, basta acrescentar uma letra à utilidade, sem agonia de conferir a classificação! O desapego aos clubes libertaria o torcedor de suas algemas mentais!
Chegará ao fim a instabilidade do prazer de torcer; uma voz interna dirá: “vive bem, assistindo a um ou outro jogo, sem vício, e se um dia, o coronavírus se for, cultiva o bom hábito de bater aquele babinha fútil!”. E seguirá a voz, orientando a si mesmo:
“Vence a fome, alimentando-se do possível; e a sede, bebendo boa água potável ou suco da fruta de época; livra-te do rebaixamento da vida apegada à sandice de torcer e passa a jogar no time da moderação!”.
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade