Gilmar Mendes ataca Lava Jato: 'Organização criminosa para investigar pessoas'

Em entrevista, ministro do STF afirma que integrantes da força-tarefa causaram grandes danos por abuso de poder: 'Criou-se um Estado paralelo'

  • D
  • Da Redação

Publicado em 4 de agosto de 2019 às 13:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, mostrou toda a sua indignação e irritação contra a força-tarefa da Lava Jato durante uma entrevista ao jornal Correio Braziliense, realizada na quinta-feira e publicada neste domingo (4). As críticas ocorrem após mensagens vazadas mostrarem que, supostamente, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no Paraná, e outros integrantes do Ministério Público Federal conversaram sobre uma investigação contra ele e o presidente da Corte, Dias Toffoli, a partir de suas esposas.

A reação em torno do caso, que veio à tona após divulgação das mensagens pelo site The Intercept Brasil e veículos parceiros, começou na semana passada, com decisões determinando o envio das mensagens ao tribunal. Na longa entrevista, Mendes, que é crítico a determinadas ações policiais e medidas judiciais (a exemplo da condução coercitiva) indica falhas em órgãos de correção, para impedir erros e abusos por parte dos integrantes da força-tarefa.

O magistrado diz que faltou experiência por parte dos procuradores e que condutas de integrantes da Lava-Jato evidenciam a existência de uma “Orcrim”. “Há uma organização criminosa para investigar pessoas.”

Ele também comparou a atuação da Lava Jato a um estado paralelo. "A impressão que eu tenho é que se criou no Brasil um estado paralelo", comentou. Confira alguns trechos da entrevista exclusiva ao Correio Braziliense. Como o senhor viu as revelações relacionadas a esse movimento do procurador Deltan Dallagnol em relação a pessoas próximas ao senhor, como à sua mulher e ao ministro Dias Toffoli? É claro que com constrangimento. Mas, de certa forma, se vocês acompanharem as minhas falas ao longo desses meses e anos, vocês perceberão que há alguma coisa de premonição. Eu até já disse que sou meio profeta, porque as coisas que eu falo acontecem. Então, de certa forma, eu imaginava que essas coisas estavam ocorrendo. Claro que, quando a realidade se manifesta, a gente também toma um choque. Mas é uma atitude das mais sórdidas e mais abjetas que se pode imaginar. Por que se queria investigar Toffoli ou a mim? Por que nós fizemos algo errado? Não, porque nós representávamos algum tipo de resistência às más práticas que se desenvolviam. É uma coisa tão sórdida que fala dos porões. Onde nós fomos parar? O senhor vai tomar alguma atitude prática em relação a esse episódio?  Nós estamos discutindo essas questões. A meu ver, coisas como essas não ocorrem se o sistema tem um modelo de autoproteção e de correção. O que faltou aqui? Faltaram os órgãos correcionais. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) não funcionou bem, o CJF (Conselho de Justiça Federal) não funcionou bem, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) não funcionou bem. Faltou chefia, supervisão. Ainda falta? Estamos falando do que ocorreu. Aqui faltou supervisão, houve um autonomismo, um independentismo, e produziu-se isso que aí está. E isso é só o que a gente sabe; não sabemos de tudo. Não se falou nada sobre delações.  Isso coloca em xeque tudo que foi feito?  Não, não, acho que é importante separar isso. É óbvio que, ao se criticar as operações, não se pode compactuar com o malfeito, com corrupções. Agora, com certeza, coloca em risco o sistema, e pode trazer consequências para os seus eventuais processos.  O CNMP já arquivou ações apresentadas sobre o tema... Recentemente, o corregedor, que é um bom profissional, arquivou as primeiras representações dizendo que elas se louvavam em ato ilícito, porque houve envolvimento de hackers. Primeira coisa que se tem que fazer é separar. A gente tem falado isso sempre. Tem que separar a questão do hackeamento, que é deplorável, lamentável, e precisa ser punido, se houve, claro. Como tudo indica que houve, essas informações existentes precisam ser explicadas.Por parte de quem publicou também? Não, precisam ser explicadas por parte de quem as produziu. Veja que vivemos um fenômeno semelhante, e vocês de Brasília acompanham isso de forma privilegiada, à questão dos vazamentos. Os vazamentos são crimes por parte do agente público. Não obstante, vocês publicam. Nós estamos há quatro ou cinco anos nessa questão da Lava-Jato. Nisso, deploravam sempre os vazamentos, que vinham da procuradoria. A toda hora, isso estava estampado nos jornais. Precisamos aprimorar isso, acho que inclusive devemos agravar a pena e tratar desse tema com maior seriedade. Mas só para dizer que temos que separar as duas questões. O funcionário público tem que dar explicação sobre o conteúdo daquilo que ele produziu. Na verdade, isso não deveria ter existido. Não pode haver força-tarefa entre membros do Ministério Público e juiz.O senhor avalia que existe algum interesse específico neste caso? A impressão que eu tenho é que se criou no Brasil um estado paralelo, se a gente olhar esse episódio (do Deltan e Toffoli), para ficarmos ainda nas referências que o procurador faz. Dizer “eu tenho uma fonte na Receita e já estou tratando do tema”, significa o quê? Significa “estou quebrando o sigilo dele”. No fundo, um jogo de compadres. É uma organização criminosa para investigar pessoas. Não são eles que gostam muito da expressão Orcrim? “Eu tenho um amigo na Receita que já está fazendo esse trabalho”. Veja bem, qual é esse trabalho? De quebra de sigilo. Mas, pela origem dessas informações, o senhor acha que eles podem ser processados por esses vazamentos? Eu acho que a gente pode tirar lições disso, aprendermos. Faltou cabelo branco lá, faltou gente que tivesse noção. Se a gente olhar os fatos, é um grupo de deslumbrados.O senhor inclui, nesse grupo de deslumbrados, o ministro Sérgio Moro? Não quero fazer personalizações, nem falar de nomes. Mas, na verdade, aquilo é um erro coletivo, a Lava-Jato como um todo, e que já tinha se manifestado em outras operações. Eu acompanho isso desde 2002. Se vocês olharem, por exemplo, participei intensamente do caso Satiagraha, Daniel Dantas, e tudo mais. À época, o juiz De Sanctis e o delegado Protógenes eram os santos da época. Em geral, essas pessoas surgem, vão ao céu e depois são enterradas melancolicamente. 

Clique aqui para ler a entrevista completa ao Correio Braziliense.