Ginecologista Luiz Carlos Calmon é o novo diretor da clínica Elsimar Coutinho; conheça

Em entrevista ao CORREIO, médico conta sobre sua relação com o cientista baiano

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 20 de agosto de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/CORREIO

No terceiro andar do edifício professor Eduardo de Moraes, na Rua Chile, duas mulheres esperavam atendimento na Clínica Elsimar Coutinho. Outras 20 já tinham passado por lá durante toda a manhã. Era por volta das 11h dessa quarta-feira (19), um dia após a cremação do corpo do médico que fundou e dá nome ao espaço, morto na última segunda-feira, 17, de covid-19. O clima era de luto, mas também de muito trabalho. Quem comandava a equipe era o novo diretor do local, o ginecologista soteropolitano Luiz Carlos Calmon Teixeira Filho, 62 anos.  

Ele é herdeiro profissional de Elsimar Coutinho. Até o último domingo, era o vice-diretor da casa. Foi escolhido para assumir a função pelo próprio cientista e professor baiano. Juntos, trabalharam por 31 dos 38 anos de profissão do médico, formado na turma de 1982 na Escola Bahiana de Medicina. A aproximação se deu através da esposa do dr. Luiz Carlos, Cláudia Calmon, a enfermeira mais antiga que ainda trabalha no espaço.   "Eu não sei se ele viu em mim alguma esperança de perpetuar o trabalho na ausência dele, mas aos poucos fomos nos aproximando até que ele, que jamais aceitava a ideia de dividir um consultório de fora de Salvador com qualquer médico - sempre ia sozinho -, perguntou se eu queria ir. E foi uma noite que nem dormi de tanta emoção. Isso mudou a minha vida e da minha família”, disse ao CORREIO, em sua primeira entrevista como novo diretor da clínica.  Luiz Carlos Calmon conversou com a reportagem sentado na cadeira que Elsimar Coutinho ocupou em sua clínica durante os últimos 50 anos. E onde escreveu a maioria dos 10 livros publicados, uma autobiografia não concluída e inúmeros artigos científicos. Confira a entrevista completa:

Quem é - Luiz Carlos Calmon é médico ginecologista formado pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em 1982. Foi vice-diretor da Clínica Elsimar Coutinho e, com a morte do cientista – com quem trabalhou 31 anos -, assumiu a direção da casa. Tem 62 anos e fez cursos de especialização no exterior, como o de prevenção do câncer de colo uterino em Michigan, nos Estados Unidos, cursos de aperfeiçoamento em histeroscopia, em Paris (França), e um curso de extensão em oncologia, também em Michigan. Os  31 anos de trabalho com Elsimar Coutinho, diz, também valeram por uma pós-graducação. "Com ele aprendi como tratar um paciente com mais humanidade. Eu aprendi com Elsimar que é importante conversar com o paciente primeiro, para o exame não me induzir a algo que não existe". Clínica ficou fechada apenas na terça-feira, em repeito à morte do fundador (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) O senhor trabalhou com Elsimar em suas pesquisas científicas? 

Sempre fui mais da parte clínica. Meu foco são os implantes hormonais. Nós conseguimos expandir a clínica para outros estados, temos movimento enorme em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Nosso produto, cuja farmácia de manipulação é nossa, a Elmeco, tem entre 45 e 50 anos de uso. Imagine que isso foi desenvolvido numa época em que nem computador existia. E o produto nunca precisou ser modificado. A diferença é que hoje temos adesão de inúmeros médicos que querem usá-lo e, para isso, fazemos cursos em Salvador. Temos mais de mil médicos em todo o Brasil com o nosso produto. Hoje eu entrei na clínica pela primeira vez desde que aconteceu (a morte de Elsimar). 

E como o senhor se sentiu? 

Você sente um vazio, insegurança, ele é o nosso porto seguro, ele representa um conhecimento extraordinário que nos dava segurança de trabalhar. Mas eu tenho o sentimento de que tenho essa segurança, pois estou com ele há muitos anos. É a ausência física dele que deixa a gente assim, mas é uma questão de tempo. E a clínica está muito estruturada para manter o caminho que ele traçou. Temos um grupo muito coeso.  "Eu aprendi com Elsimar que é importante conversar com o paciente primeiro, para o exame não me induzir a algo que não existe" (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Podemos chamar esse grupo de 'discípulos de Elsimar'?  

Para estar aqui tem que acreditar na ideia dele, no seu ideal. Tem que acreditar que as terapias hormonais bem feitas têm um valor muito grande, tem que acreditar no planejamento familiar como uma coisa importante para o nosso país como um todo. Se não for seguidor, não está aqui.

O senhor está sentado na cadeia dele?  

Sim. Ele era o diretor-médico, eu era o vice e, automaticamente, assumi a sua função. Temos o Ceparh, uma instituição filantrópica que ele era o presidente. Ainda não sei como vai ficar. Ainda não pensamos nisso. Alguém vai ter que ficar no lugar dele.  

Pode ser o senhor? 

Talvez. Hoje, eu não atuo mais lá. Sou membro do conselho, mas não sou médico que atua lá dentro.  

Elsimar Coutinho sofreu muitas resistências por seus trabalhos. Vocês ainda passam por isso?  

Ele foi um homem visionário, que há 50 anos previu coisas que hoje estão sendo adotadas. Uma coisa que ele chegou a ser processado, inclusive pelo Conselho de Medicina, foi que, em sua época, já recomendava que pacientes homens com dificuldades de engravidar, que tinham varicocele, fossem operados. Mas esse não era o protocolo da época. Hoje é. As ideias dele foram muito revolucionárias. Ele foi muito combatido. Ele mesmo disse que chegou a ser processado e até condenado em alguns processos, mas batalhou e venceu. Hoje é uma expressão no mundo inteiro de um pesquisador muito respeitado e condecorado. Na faculdade, peguei grandes professores da medicina, mas nenhum trabalhou como doutor Elsimar: no topo do sucesso até os 90 anos, parado apenas por causa de uma pandemia. Ele trabalhou até março com o cérebro funcionando com perfeição.  Fotos de Elsimar Coutinho são espalhadas na parede da clínica (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Como o senhor começou a trabalhar com ele? 

Me aproximei dele através da minha esposa, que é enfermeira e foi convidada a trabalhar com ele quando nem existia o Ceparh e suas pesquisas eram na maternidade Climério de Oliveira. Hoje, ela é a enfermeira principal da clínica. Eu não sei se ele viu em mim alguma esperança de perpetuar o trabalho na ausência dele, mas sei que fomos nos aproximando até que ele, que jamais aceitava a ideia de dividir um consultório fora com qualquer médico - sempre ia sozinho -, um dia perguntou se eu queria ir. E foi uma noite que nem dormi de emoção. Isso mudou a minha vida e da minha família, pois hoje, praticamente a segunda enfermeira da clínica é a minha filha Paula, que ele viu nascer. Doutor Elsimar para nós foi como um pai. Nós velejávamos juntos. Veraneávamos juntos, dividíamos compras. Digo sempre que sou uma pessoa A.C. e D.C, o que significa Antes de Coutinho e Depois de Coutinho. Ele mudou a minha vida.    

Mas como chegou o convite para assumir o lugar dele?  

Ele sempre confiou primeiro em Cláudia e isso ajudou. Meu pai também é médico, respeitado. Eu sempre fui tímido e acho que ele gostou do meu jeito. Acima de tudo, eu e Claudia sempre fomos honestos, o que é uma característica dele e acho que ele encontrou uma pessoa desse mesmo perfil. Claro que ele não imaginou que eu ia ser algo no futuro, mas com o convívio, ele foi me conhecendo melhor e viu a pessoa séria e honesta que eu era. Foi o que ele esperava, talvez, para ocupar o lugar dele, tanto que ele concordou que eu dividisse as clínicas de fora com ele. Ele apostou em mim e viu que estava dando certo. E aí a gente se apega fora do trabalho à família dele. Eu vi os filhos crescerem, serem amigos das minhas filhas e isso ajudou. Eu acho que sou da família dele. Me considero isso.   "Ele apostou em mim e viu que estava dando certo" (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) A família dele também trabalha na clínica?  

Essa é uma ótima pergunta. Eles atuam na parte administrativa. A esposa, Teresa, a filha mais velha, Tercia, e a Patrícia, que é filha de coração. Patrícia mesmo é a responsável pela parte administrativa da clínica. Já Tercia e Teresa atuam na responsabilidade de todo o conglomerado de empresas que ele fundou.  

Na última entrevista de Elsimar ao CORREIO, conversamos sobre a visão dele para alguns temas da atualidade e queremos saber a do senhor também. O que acha do sexo só para reprodução, ideia defendida por algumas religiões? E da abstinência sexual, tão citada ultimamente? 

Olha, doutor Elsimar sempre combateu a interferência da religião na medicina e eu concordo. É cada um na sua área. Nós não vamos discutir religião com um padre, um pastor, pois essa é a área deles. Nós vamos discutir medicina. Eu não vejo nenhum pecado em você praticar um sexo saudável, com o desejo de ambas as partes. Não vejo razão para que não seja feito. Não é ruim para a saúde e nem é pecado.  

Qual é sua opinião sobre o aborto desejado? 

Antigamente, ainda quando era estudante e atendia na rede pública, o número de mulheres que chegavam com complicações de abortos tentados em casa era quase igual ao número de partos que fazíamos. O planejamento familiar ajudou a reduzir o percentual de abortos, hoje você não vê esse índice de antes, pois a mulher se protege mais facilmente. A partir da década de 1970, com a pílula anticoncepcional e a revolução sexual, a mulher passou a sair de casa e ocupar o mercado de trabalho. Na população mais carente, as maternidades públicas oferecem anticoncepcionais gratuitos. Enfim, eu sou contra a proibição do aborto, pois isso levou a muitas mortes de mães grávidas que tentaram o aborto de forma clandestina. Eu sou a favor da conscientização. Não é para ficar engravidando e abortando. A ideia é prevenir e evitar a gravidez indesejada  

Chegam para vocês casos como o da menina de 10 anos, que foi estuprada, engravidou e teve que fazer o aborto legal?  

Não, pois não praticamos a interrupção de gravidez. Nós podemos pegar o caso de uma mulher que foi abusada sexualmente, mas não faremos a interrupção. Lá no Ceparh, o atendimento gratuito é para prevenir e conscientizar. Todos os dias tem palestras dadas por uma assistente social para a mulher se conscientizar melhor sobre os métodos anticoncepcionais, por exemplo.  

Elsimar dizia que a menstruação “é uma sangria inútil” e defendia o uso dos anticoncepcionais sem interrupção. O senhor pensa o mesmo? 

Penso exatamente igual. Por incrível que pareça, ainda tem médico que é contra isso. A pílula tradicionalmente vem numa cartela com 21 ou 28 comprimidos. A forma tradicional de tomar é começar quando menstrua e, a partir daí, todo dia tomar um comprimido. Quando acaba a cartela você para, até vir o sangramento, e então repete mês a mês. Esse sangramento de pílula não é menstruação, pois não há ovulação. Mas imagine na década de 1970, quando a pílula foi lançada, dizer para a mulher que, se ela fizer a cartela com 60 comprimidos, ela só iria sangrar de dois a dois meses... não ia ser aceito. Então se bolou uma quantidade de comprimidos que fizesse ela sangrar todo mês para ela aceitar tomar aquilo. Se não sangrasse, ela ficaria preocupada, achando que tinha que botar “as impurezas do corpo para fora”. Não tem nada disso! Quando a mulher chega no consultório tomando a pílula desse jeito, parando e sangrando, a gente diz que isso não é menstruação e que ela é enganada pelo remédio. A menstruação não é importante na vida da mulher, exceto quando ela quer engravidar.   Gesticulando, o ginecologista Luiz Carlos Calmon explicou o que pensa da menstruação (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Quais são os próximos passos da clínica? 

A farmácia de manipulação pretende estender a produção dos hormônios que usamos em implante para, talvez, encontrarmos uma outra forma de uso, em gel ou creme. Nosso laboratório ano passado triplicou a capacidade de atendimento, pois a procura de implantes por parte de médicos aumentou muito. Em princípio, não pensamos em levar para outras cidades. Se crescer demais, diminui a qualidade. A nossa extensão são os médicos parceiros. Por isso que começamos a dar cursos há oito anos para dividir com os médicos o que ainda não tínhamos dividido. Nós somos de Salvador e não íamos ter como circular por todo o país. Fizemos com que esses médicos nos representassem nesses lugares: Manaus, Porto Alegre, Rio branco... cada um responsável por seus atos, é claro, mas com os nossos produtos. Temos um pedaço da Clínica Elsimar Coutinho em cada canto do Brasil 

O que deve fazer o estudante de medicina que quer seguir o legado de Elsimar Coutinho?   

Ler muito, combater o que ele acha que está errado e tentar enxergar o futuro. De noite, parar para refletir. Era o que ele fazia. Ele abria mão de festas. No auge da pesquisa, a diversão dele eram leituras, pesquisa e experimentos. O nosso país não valoriza isso. A gente quando está na faculdade fica doido para sair e ganhar dinheiro. Ele ganhou dinheiro sem ter essa prioridade. O dinheiro veio como consequência do sucesso, das premiações, das lutas que ele combateu e venceu. Infelizmente perdeu para essa... (a covid-19). Ele foi uma pessoa realizada, pois fez o que gostava com naturalidade. O sucesso veio como consequência. Antes, residente não ganhava dinheiro. Hoje, residência é usada como um emprego. A gente fazia a residência para aprender mesmo. A coisa ficou muito comercial. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro