Há 40 anos, John Lennon morria no dia da padroeira da Bahia

Assassinado no dia de Conceição da Praia, ex-beatle influenciou geração de músicos que transformariam o Carnaval de Salvador

  • D
  • Da Redação

Publicado em 6 de dezembro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Há quarenta anos, a festa da padroeira da Bahia coincidia com um dos assassinatos mais famosos e estúpidos da história.

Os últimos bêbados, vencidos pela esbórnia, iniciavam o lento movimento de retirada pelas ruas de Salvador, no instante que, numa metrópole um pouco mais ao norte, cinco tiros disparados no escuro encontravam o corpo de John Winston Lennon, na rua West 72, em Nova Iorque.

Às 11h07 da noite, horário local, o ex-beatle foi oficialmente declarado morto a caminho do hospital. Na próxima terça-feira, oito de dezembro, o célebre homicídio completa exatos 40 anos. Maurício Almeida, 70, consegue lembrar com minúcias de como recebeu a fatídica notícia e, principalmente, da comoção gerada a partir de então. Reportagem do Jornal Correio, em 1980, noticiando a morte de John Lennon (Arquivo CORREIO) “Eu era, aqui em Salvador, diretor de vendas da Warner, uma das principais gravadoras do país. Geralmente, o mês de dezembro não era muito forte na vendagem de discos, porque os principais lançamentos já estavam emplacados antes. No dia 7, resolvi viajar para o Rio para encontrar a chefia no escritório matriz. Queria passar alguns dias lá. No dia 8, recebi a notícia e imediatamente um pedido do chefe: ‘volte direto para Salvador, porque os discos de John Lennon agora vão vender que nem água’. Peguei o primeiro voo e voltei”, relembra Almeida.

O vaticínio do mangangão da multinacional, embora insensível, foi certeiro. Já em casa, Almeida encontrou vários papéis de fax no chão, remetidos pelas lojas Americanas e Mesbla. Todos tinham o mesmo pedido desesperado por remessas extras do Double Fantasy, disco lançado por Lennon um mês antes de ser assassinado pelo inconsequente Mark Chapman.

Nenhuma daquelas tantas folhas que insistentemente saíam do aparelhinho telefônico, no entanto, seriam capazes de servir lenço para consolar olhos umedecidos pela dor.

“Eu nunca vendi tanto disco na minha vida. Ganhei uma comissão que, hoje, deveria ser algo em torno de uns R$ 50 mil. Mas aquele dinheiro nunca me trouxe felicidade. Eu fui um fã dos Bealtes. Toquei em banda inspirado nos caras. Cada disco que vendia me trazia angústia. Era John Lennon que morria. O grande líder da minha geração”, diz.

Aquele rock axé A onda Beatles, nos anos 1960, arrebentou praticamente em todo o globo terrestre, antecipando o fenômeno da cultura de massa e das grandes bandas que virariam moda nas décadas subsequentes. Na Bahia, influenciou jovens cabeludos a tocarem Rock and Roll e, a partir daí, trazer sons eletrificados que mudariam o Carnaval da cidade. John Lennon no filme "Como venci a Guerra", de 1967, embora mais parecido com o cangaceiro Lampião (Foto: Reprodução) “A principal influência dos Bealtes aqui em Salvador foi quando o filme os Reis do Ieiê (A Hard Day's Night, em inglês) estreou na cidade, em setembro de 1965. Muita gente resolveu montar bandas depois de ter assistido o filme. Foi mais impactante do que a própria Jovem Guarda em si. As pessoas montaram grupos porque viram o filme”, diz o jornalista Zezão Castro, autor do livro “A  Jovem Guarda na Bahia”, lançado em 2015.

Maurício Almeida, por exemplo, tocou na banda ‘Os Jormans’, formada no colégio Iceia, no Barbalho. Armandinho e Betinho Macedo, dois filhos de Osmar, inventor do trio elétrico, fundariam a banda Hell’s Angel.

“Naquela época, todo mundo queria deixar o cabelo grande e imitar os Beatles. A gente só queria saber de Beatles e nada mais. Ainda com aquela influência, em 1974, comecei a substituir a banda de apoio do trio elétrico, que era composta por charangas e banda de sopro, por guitarrista, baterista e contrabaixista, que era justamente a formação dos Beatles. Nós estávamos eletrificando o Carnaval a partir deles”, diz Armandinho.

A mais ilustre banda cover dos Beatles na cidade, no entanto, era ‘The Gentleman’, que tinha como baixista (papel desempenhado por Paul McCartney) Carlinhos Gomes, irmão mais velho dos guitarristas Pepeu e Jorginho Gomes. Banda The Gentleman, principal banda cover dos Beatles nos anos 1960 em Salvador (Foto: Reprodução/Facebook) “Quando John Lennon morreu uma parte de mim foi embora junto. Eu vivi intensamente aquela revolução que os Beatles produziram nos anos 1960. A gente faz tanto sucesso que era até convidado para tocar em bailes do clube Itapagipe, no Cine Roma e no Cine Nazaré. Nunca na minha vida vou esquecer que, em Juazeiro, a gente tocou no cinema depois de passar o filme ‘Os Reis do Ieiê’. As meninas ficaram loucas. Pareciam achar que eram os próprios Beatles que estavam ali. Fomos agarrados e só saímos escoltados”, lembra, aos risos.

Carlinhos diz ainda que, foi indiretamente por conta dos Beatles, que Pepeu passou a se interessar por música. “Minha mãe foi professora de piano e meu pai sempre tocou violão. Mas fui eu que trouxe o rock and roll lá pra casa. Pepeu ainda tinha uns 8 anos e me via tocando baixo, tirando música dos Beatles. Ele era sempre atento. Anos depois se tornou o guitarrista de excelência que virou. Alguma coisa ele aprendeu me vendo tocar e levou alguma coisa dos Beatles e de The Gentleman para os Novos Baianos”, brinca.

Penitência no Natal Naquele natal de 1980 não foram apenas as músicas do Double Fantasy que tocaram à exaustão em Salvador. O disco Imagine, de 1971, teve a faixa homônima revisitada um sem número de vezes.

Quinze anos depois da morte do beatle,  em 1995, seria uma baiana que iria usar sua voz para reverberar a mensagem de Lennon em todo Brasil. Nascida em Salvador, exatamente no dia do natal, Simone gravaria o disco ‘25 de dezembro’, trazendo como música-tema ‘Então é Natal’. Simone, cantora soteropolitana que fez a famosa versão da música de Lennon (Foto: Divulgação) A canção chiclete é uma versão de Happy Xmas (War Is Over)’, composta por Lennon e Yoko Ono, em 1969, em protesto à Guerra do Vietnã.

Famoso em vida pela polêmica declaração de ser “mais famoso que Cristo”, na Bahia, Lennon morreu no dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, título celebrado por conceber o menino Jesus.

E, até hoje, paga sua penitência na voz de Simone, quando os acordes abrem a introdução para a pergunta: “Então, é Natal. E o que você fez?”